Pesquisa
Enquete mostra leitores caseiros e donos de pequenos acervos
A série "Leitura na Prática" fez uma pesquisa para identificar como e por quê as pessoas leem. Foram 100 respostas ao longo do período, dadas pela internet. A enquete constatou que a maioria dos participantes, 68, prefere ler em silêncio, no conforto do lar. Poucos acham que o local mais apropriado é a biblioteca. Pela enquete, aliás, a biblioteca é pouco prestigiada pela maioria dos leitores 47 não a frequentam e 37 responderam que o acervo mantido em casa é suficiente para a satisfação pessoal.
A pesquisa também constatou que a mãe é a principal influência para que os entrevistados se tornassem leitores. A maioria respondeu que livros infantojuvenis foram fundamentais para que desenvolvessem a prática da leitura.
Bate bola
Feiras precisam ser renovadas
Diego Antonelli
Há pelo menos dois anos, o editor do Grupo Editorial Summus e ex-presidente da Câmara Brasileiro do Livro, a CBL, Raul Wassermann, vem criticando o modelo das feiras literárias país afora. Ele afirma que é necessário repensar o modelo atual de grande parte dos festivais. O intuito é deixar o viés comercial de lado e partir para debater a literatura e promover a leitura.
O senhor afirma que as feiras literárias estão se tornando mais um ponto de encontro para fechar negócios do que debater literatura. Por que isso aconteceu?
Digo, há anos, que a fórmula das feiras do livro está esgotada e que é preciso repensar tudo isso. Exemplos não faltam. A chance das editoras mostrarem toda sua produção o que não é possível em nenhuma livraria hoje já é possível nas lojas virtuais. Além disso, o foco principal da Bienal do Livro, que é o desenvolvimento do mercado, não está muito claro com os descontos, saldões e morte do cheque-livro, etc. Por que não criar um evento que só mostre a produção das editoras, com bons eventos culturais? Por que não retomar a tradição de dias reservados só para os profissionais? E por que não pensar em outro evento, com livreiros, que vendam com descontos aqueles bons livros que toda editora tem, mas o público não encontra nas prateleiras? Por que não fazer uma feira dirigida só ao público infantojuvenil?
O que o senhor diria do mercado do livro atual?
Que é uma grande incógnita. Continua havendo um grande público leitor que não tem acesso ao livro por vários problemas, a começar pelo financeiro. A solução para esse público atende pelo nome de "biblioteca pública", mas o que se vê é muita verba para compra de livros didáticos e muito pouca para o acervo de bibliotecas.
Em que ponto estamos na comparação com outros países?
Em países desenvolvidos, as bibliotecas são as responsáveis pelo desenvolvimento do mercado. Aqui, as bibliotecas querem doações, como se o livro não fosse produto de atividades empresariais, com custos e famílias a serem mantidas. Os índices oficiais apontam um certo crescimento, mas muito menor do que já houve. E estatística é sempre aquele problema: enquanto uns poucos ganham, outros estão com problemas de se manter. Na soma, tudo é bonito...
Na última semana, nenhuma das professoras que atuam no Farol do Saber Miguel Bottacin, na Vila Nossa Senhora da Luz, ficou sem levar serviço para casa. A uma coube arrumar uma toalha bem bonita. A outra descobrir quem poderia emprestar um jogo de chá digno das melhores cristaleiras. A do turno da tarde se encarregou do bolo. A da noite fez a geleia. Quinta-feira, com a mesa posta, deu-se início à última sessão do sarau "Revivência de Helena Kolody" uma roda de poesia aberta à comunidade, projeto das educadoras Ana Plociniak e Maria Helena Santos.
VÍDEO: Veja a história de um marceneiro que se tornou leitor e escritor graças a um presente
"Nem lembrava mais como era declamar versos em público", declarou a dona de casa Loira Sebastiani, 51 anos. Durante cinco semanas, a moradora da vila dividiu a roda literária com uma turma de adolescentes, violão em punho. E até com o próprio filho de 9 anos, Henrique, mascote dessa turma heterogênea e improvável que descobriu cedo ou tarde que literatura rima sim com festa, risadas, amizade e até um lanchinho no melhor estilo das famílias de imigrantes.
É cedo para afirmar que os saraus literários estão de volta. Mas já passa da hora de lembrar que nessas terras abaixo da linha do Equador se desenvolveu uma maneira própria de ler, mais calorosa, conversadeira, nem sempre obediente ao silêncio quase litúrgico exigido pelos livros. Ler, entre nós, tende a se confundir com o teatro e com o folguedo. E é pena não tirar proveito disso.
"A leitura é um ato intimista e, claro, padece num país no qual o encontro com amigos aparece nas pesquisas como a atividade mais estimada. Mas, cada vez mais, vemos que a leitura se dá em locais que reúnem grandes públicos, como os encontros com escritores", observa Galeno Amorim, diretor da Fundação Biblioteca Nacional e referência na difusão de programas de leitura no Brasil. O Paiol Literário do jornalista Rogério Pereira, em Curitiba, é um exemplo disso.
Prática cultural
A questão, diga-se, é controversa. Muitos podem questionar se estar reunido pode se caracterizar como leitura apenas pelo fato de haver declamação e contação de histórias. Esse modelo, é fato, não substitui a leitura solitária que tanto aflige os brasileiros, mas está tão perto do ato de ler que pode lhe servir de trampolim.
Pesquisas do governo federal, como Cultura em números e Sistema de Informações e Indicadores Culturais, publicadas em 2010, confirmam o lugar tímido da leitura no rol das práticas cotidianas. Estar com os livros faz parte da rotina de 20 a cada 100 pessoas. Inverta-se a proporção se o assunto é uma reunião com amigos em um parque ou em casa, "práticas culturais" mais do que presentes no dia a dia do brasileiro. A realidade é assim Brasil afora. Em tempo, a leitura sempre aparece como quarta opção de prática cultural.
A nova classe média, mais dada à cultura comunitária, sugere que pensar políticas culturais daqui em diante implica valorizar fórmulas mais espontâneas. Não há como negar, afinal, que a cultura oral está no DNA do brasileiro já descrito por Antonio Candido como um homem com um radinho de pilha grudado às orelhas. Não à toa, as mesmas pesquisas do governo indicam que 38,7% das cidades brasileiras promovem festivais musicais e 35% eventos de danças, práticas absolutamente "para fora". Apenas 16,4% realizam feiras do livro, levando a perguntar se um pouco mais de música, dança e teatro não fariam um bem danado à leitura.
Indicativos dessa tese estão por aí, aos borbotões. Do sarau do Farol do Saber da Vila Nossa Senhora da Luz ao hoje mais festejado sarau do Brasil o da Cooperifa ou do Bar do Batidão, que desde 2001 reúne semanalmente em São Paulo poetas e prosadores para rodadas de declamações. Puxando pela memória, a reação pública da literatura inclui a Festa Literária de Parati. E principalmente a Jornada Literária de Passo Fundo, com perdão ao trocadilho, a mais profunda experiência de difusão da leitura de que se tem notícia.
Conexão
A educadora Tânia Rösing idealizou a jornada em 1981, ano em que, pode-se dizer, tirou a leitura do mosteiro em que se encontrava. Tânia conectou universidade, escola, sociedade civil, fazendo dos encontros bienais eventos, sim, mas eventos capazes de estimular, nos meses que se seguem, grandes e pequenos leitores. Passo Fundo, estima-se, tem índices de leitura de sete livros per capita ao ano, o mais alto desempenho do país.
A leitura, ensina Tânia, deve estar conectada com todas as opções que o mundo oferece. "A interatividade de diferentes plataformas ajuda... A música está presente na literatura e vice-versa. A literatura pode conversar com pinturas e com a arte das ruas, como o grafite". E alfineta. "Mas o Brasil não dá estímulo a políticas públicas que tratem a leitura de maneira festiva." No que é apoiada por Eliane Yunes, diretora da Cátedra Unesco de Leitura da PUC do Rio de Janeiro. "Onde muitos estão em torno do livro, convivendo e trocando experiência têm-se festa..." Palavra de quem entende do riscado.
Almanaque
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