Ela tem o poder. Ora faz o papel da mocinha, ora o da vilã. Há quem diga que o final feliz sempre depende de sua atuação. Ou quase sempre, afinal, quando não faltam investimentos, faltam projetos e profissionais preparados. Ela é a escola, instituição sobre a qual repousa não sem certa injustiça toda a responsabilidade na formação de leitores no Brasil. Sozinha, arca com todas as críticas e culpas. Mas é também de seus corredores, salas e bibliotecas que brotam as melhores notícias sobre o encontro de crianças e adolescentes com o livro.
Os números o comprovam. De acordo com a edição 2012 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 47% do que é lido pelos brasileiros vêm da escola. Desse montante, 30% correspondem a livros didáticos. A onipresença do sistema de ensino nas escolhas dos leitores, uma proeza na visão de alguns, causa comichão em um sem-número de estudiosos. Por um simples motivo: a educação, mesmo com todos os equipamentos a seu dispor, tem se mostrado incapaz de garantir o uso espontâneo e continuado do livro. Sem a participação da família, não há solução, leitura vira tarefa. Essa é a questão.
"O papel de professora superou o da mãe no estímulo à leitura das crianças. Tal inversão acontece porque a família abdicou de seu papel educador", constata a estudiosa de leitura Marta Morais da Costa, da Universidade Federal do Paraná, ao comentar outro dado surpreendente da pesquisa Retratos da Leitura: cada vez menos o pai e a mãe são indicados como incentivadores no trato com os livros, rompendo com uma tradição.
Na edição de 2008 da pesquisa, 49% dos entrevistados apontavam a mãe como sua maior influenciadora. Na edição de 2012, esse número cai para 33%, ficando os professores na dianteira. Noves fora, como se dizia, tudo indica que o trabalho que a escola faz no estímulo à leitura pode estar sendo "desmentido" no momento em que o leitor em formação percebe que os seus pais desprezam essa prática. Situação semelhante envolve o próprio professor, como alerta o consultor de políticas públicas Felipe Lindoso. "Muitas professoras não são leitoras nem foram capacitadas para transmitir o gosto pela leitura", observa.
Nem mesmo os R$ 373 milhões aplicados ao longo deste ano pelo governo federal no Plano Nacional do Livro e Leitura para a criação de bibliotecas, circuito de feiras de livros e compra de acervo opera milagres. Projetos relacionados à educação e cultura requerem um longo percurso para que os resultados apareçam. Nesse quesito, diga-se, a escola não é a vilã, como muitos querem fazer acreditar.
"Educação e cultura não se resolvem em um ano", alerta o coordenador de Pesquisas Educacionais da Secretaria de Estado da Educação, Renê Wagner Ramos. Em coro com demais observadores da questão, ele identifica que o fosso da leitura começa a se formar em casa, junto da família. Para Ramos, cabe à escola formalizar o ato de ler, mas o assunto, em si, pertence a toda a sociedade. Difícil? Não de todo. Práticas simples como ler para os filhos "já seria um avanço e tanto", sugere Marta. "Os que leem para os seus se contam aos milhares no Brasil. Os que não o fazem, são milhões", faz trocadilho, sobre uma história que tem tudo para ser diferente.
Reação
Quanto aos pecados da escola, não raro recaem sobre a biblioteca, em especial aquela que ainda fica no canto escuro, debaixo da tutela de uma professora pouco talhada para o ofício. Há avanços, mas seria temerário dizer que a sala dos livros deixou, em definitivo, de provocar pesadelos nos leitores em formação. Ainda paira a ideia de que ali é o lugar do castigo e da disciplina um calabouço para onde são enviados os alunos que tumultuam a sala de aula.
"Temos de mudar isso. A biblioteca é um espaço cultural. Deve ser usado durante as aulas para que os estudantes comecem a gostar de ler", afirma Renê Wagner Ramos, diante de um dos dilemas que rondam o espaço de leitura o do seu significado no mundo escolar. Os outros problemas vêm a reboque. É o caso dos acervos de livros, cujo efeito instantâneo, a depender, pode ser mais o bocejo do que o desejo de ler. "O trabalho de estímulo à leitura nas bibliotecas escolares é uma tragédia educacional. Raros exemplos espalhados pelo Brasil atestam a exceção. De um modo geral, funcionários da biblioteca são apenas bedéis: exigem silêncio e ficam carimbando entrada e saída de livros", dispara Marta.
Quanto às exceções, atendem pelo nome de contação de histórias, promoção da "hora da leitura" com participação de toda a comunidade escolar , aproximação de escritores da vida do colégio e, com grande êxito, a formação de agentes da leitura. Trata-se de uma especialidade, com ciência própria. Feliz a instituição de ensino que já identificou e formou seus professores mediadores.
Onde quer que os agentes estejam, a essa altura já colocaram os livros em corredores, varais e cantoneiras na parede. Fizeram teatro. Destacaram algumas obras na estante da biblioteca. E se ocupam, quais militantes, de chamar crianças e adolescentes, mas também pais e professores sim, os professores a fazer parte dessa história. É o caminho mais curto para o final feliz.