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Crianças escutam contação de histórias na Escola Municipal Jaguariaíva, no Bacacheri, em Curitiba: leitura sempre viva | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Crianças escutam contação de histórias na Escola Municipal Jaguariaíva, no Bacacheri, em Curitiba: leitura sempre viva| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Perfil

"Bello" sonho

Foi há 14 anos. O então ambientalista João Bello teve um sonho. Nele, escrevia um livro, cujo conteúdo chamava os leitores à cultura e às letras. Ao acordar, Bello não titubeou – pôs-se a escrever O parque dos sonhos, depois vendeu o que tinha e se tornou contador de histórias, cumprindo à risca a experiência algo profética que tinha vivido.

Desde aqueles dias, já soma mais de 2,5 mil apresentações e 450 mil quilômetros rodados por todo o país, ao longo dos quais mostrou o projeto "O semeador de sonhos", que outra coisa não é senão um movimento em prol da leitura. "Todo mundo disse que eu estava maluco", conta João, de 58 anos.

A reportagem da Gazeta do Povo acompanhou uma tarde da "loucura" do contador de histórias, junto a 250 alunos de 5 a 7 anos da Escola Municipal Jaguariaíva, no Bacacheri, em Curitiba. Não há categorias para descrever. Bello mescla a contação com números de mágica e recitação de trechos de poemas de Helena Kolody. É lúdico o tempo todo. "As crianças ficam fascinadas para saber em que lugar podem encontrar as histórias que conto. É no livro que vão encontrar", comenta.

Para Tânia Severino, da gerência de bibliotecas da Secretaria Municipal de Educação, atividades como a desenvolvida por Bello têm a capacidade de mudar a percep­­ção sobre os livros e leitura no am­­biente escolar. E até de reinventar a biblioteca, convertida em espaço dinâmico. O investi­­mento em acervo, para tanto, é fundamental. Um livro novo, e bem escolhido, tende a virar um fato – e gerar disputa para ser lido. Em tempo, das 181 escolas da rede municipal, apenas 12 não contam com biblioteca própria.

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Eles foram pouco à escola, têm uma relação sofrida com os bancos escolares – para os quais tentam voltar – e desejam sim fazer parte do mundo dos leitores.

  • O contador de histórias João Bello em ação. As letras devem ser um acontecimento na rotina da escola

Ela tem o poder. Ora faz o papel da mocinha, ora o da vilã. Há quem diga que o final feliz sempre depende de sua atuação. Ou quase sempre, afinal, quando não faltam investimentos, faltam projetos e profissionais preparados. Ela é a escola, instituição sobre a qual repousa – não sem certa injustiça – toda a responsabilidade na formação de leitores no Brasil. Sozinha, arca com todas as críticas e culpas. Mas é também de seus corredores, salas e bibliotecas que brotam as melhores notícias sobre o encontro de crianças e adolescentes com o livro.

Os números o comprovam. De acordo com a edição 2012 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 47% do que é lido pelos brasileiros vêm da escola. Desse montante, 30% correspondem a livros didáticos. A onipresença do sistema de ensino nas escolhas dos leitores, uma proeza na visão de alguns, causa comichão em um sem-número de estudiosos. Por um simples motivo: a educação, mesmo com todos os equipamentos a seu dispor, tem se mostrado incapaz de garantir o uso espontâneo e continuado do livro. Sem a participação da família, não há solução, leitura vira tarefa. Essa é a questão.

VÍDEO: A musicista Elisabeth Prosser mostra que é possível ler as grafitagens deixadas nos muros da cidade

"O papel de professora superou o da mãe no estímulo à leitura das crianças. Tal inversão acontece porque a família abdicou de seu papel educador", constata a estudiosa de leitura Marta Morais da Costa, da Universidade Federal do Paraná, ao comentar outro dado surpreendente da pesquisa Retratos da Leitura: cada vez menos o pai e a mãe são indicados como incentivadores no trato com os livros, rompendo com uma tradição.

Na edição de 2008 da pesquisa, 49% dos entrevistados apontavam a mãe como sua maior influenciadora. Na edição de 2012, esse número cai para 33%, ficando os professores na dianteira. Noves fora, como se dizia, tudo indica que o trabalho que a escola faz no estímulo à leitura pode estar sendo "desmentido" no momento em que o leitor em formação percebe que os seus pais desprezam essa prática. Situação semelhante envolve o próprio professor, como alerta o consultor de políticas públicas Felipe Lindoso. "Muitas professoras não são leitoras nem foram capacitadas para transmitir o gosto pela leitura", observa.

Nem mesmo os R$ 373 milhões aplicados ao longo deste ano pelo governo federal no Plano Nacional do Livro e Leitura – para a criação de bibliotecas, circuito de feiras de livros e compra de acervo – opera milagres. Projetos relacionados à educação e cultura requerem um longo percurso para que os resultados apareçam. Nesse quesito, diga-se, a escola não é a vilã, como muitos querem fazer acreditar.

"Educação e cultura não se resolvem em um ano", alerta o coordenador de Pesquisas Educacionais da Secretaria de Estado da Educação, Renê Wagner Ramos. Em coro com demais observadores da questão, ele identifica que o fosso da leitura começa a se formar em casa, junto da família. Para Ramos, cabe à escola formalizar o ato de ler, mas o assunto, em si, pertence a toda a sociedade. Difícil? Não de todo. Práticas simples – como ler para os filhos – "já seria um avanço e tanto", sugere Marta. "Os que leem para os seus se contam aos milhares no Brasil. Os que não o fazem, são milhões", faz trocadilho, sobre uma história que tem tudo para ser diferente.

Reação

Quanto aos pecados da escola, não raro recaem sobre a biblioteca, em especial aquela que ainda fica no canto escuro, debaixo da tutela de uma professora pouco talhada para o ofício. Há avanços, mas seria temerário dizer que a sala dos livros deixou, em definitivo, de provocar pesadelos nos leitores em formação. Ainda paira a ideia de que ali é o lugar do castigo e da disciplina – um calabouço para onde são enviados os alunos que tumultuam a sala de aula.

"Temos de mudar isso. A biblioteca é um espaço cultural. Deve ser usado durante as aulas para que os estudantes comecem a gostar de ler", afirma Renê Wagner Ramos, diante de um dos dilemas que rondam o espaço de leitura – o do seu significado no mundo escolar. Os outros problemas vêm a reboque. É o caso dos acervos de livros, cujo efeito instantâneo, a depender, pode ser mais o bocejo do que o desejo de ler. "O trabalho de estímulo à leitura nas bibliotecas escolares é uma tragédia educacional. Raros exemplos espalhados pelo Brasil atestam a exceção. De um modo geral, funcionários da biblioteca são apenas bedéis: exigem silêncio e ficam carimbando entrada e saída de livros", dispara Marta.

Quanto às exceções, atendem pelo nome de contação de histórias, promoção da "hora da leitura" – com participação de toda a comunidade escolar –, aproximação de escritores da vida do colégio e, com grande êxito, a formação de agentes da leitura. Trata-se de uma especialidade, com ciência própria. Feliz a instituição de ensino que já identificou e formou seus professores mediadores.

Onde quer que os agentes estejam, a essa altura já colocaram os livros em corredores, varais e cantoneiras na parede. Fizeram teatro. Destacaram algumas obras na estante da biblioteca. E se ocupam, quais militantes, de chamar crianças e adolescentes, mas também pais e professores – sim, os professores – a fazer parte dessa história. É o caminho mais curto para o final feliz.

Ela lê os grafites da cidade

A musicista Elisabeth Prosser viu um desenho e uma frase no muro. Ficou tocada. E ela que até então desprezava a arte dos sprays, tornou-se uma de suas maiores estudiosas.

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