Isolamento
Casa nas pedras e bicicleta no portão
Às margens da movimentada BR-277, Alexandra mantém a calmaria e, de certa forma, conserva uma característica típica de colônia. "A localidade é hoje um dormitório de quem trabalha em Paranaguá", afirma o administrador geral de Alexandra, Nilson Cordeiro. O bairro, no entanto, está distante 16 quilômetros do centro da cidade portuária. "A gente mora em um lugar onde ainda dá para deixar a bicicleta encostada no portão à noite", comemora Maria Zela.
Alexandra tem uma rotina parecida com a de cidades pequenas. Os poucos carros na rua contrastam com os inúmeros cumprimentos trocados entre os moradores, que, devido à pouca distância entre um ponto e outro, circulam a pé. Ao contrário das cidades em que a igreja fica na região central, ali tudo se reúne em torno da antiga estação. Perto dela está a única escola pública da localidade e mercadinhos que lembram os armazéns de secos e molhados de antigamente.
Atraído pela tranquilidade da região, o autônomo Arzelindo Bertoncelli, 80 anos, foi ainda mais longe e buscou um local que serve como refúgio dentro do pouco movimentado centro de Alexandra. Em 1978 ele construiu uma casa na localidade de Rio das Pedras. "Fui autorizado pela Capitania dos Portos a construir aqui e gostei da ideia, porque sempre fui fã de pescaria", conta. Com uma paisagem deslumbrante, o quintal dele é cercado por águas cristalinas e atravessado por passarelas que ligam uma pedra a outra. Deixar a área não está nos planos dele, que escolheu a moradia justamente para evitar o estresse de Curitiba, onde vivia.
Quem pega a rodovia PR-508, conhecida como Alexandra-Matinhos, muito provavelmente está com a cabeça em uma das praias do fim do trajeto. Poucos prestam atenção na pequena Alexandra, o ponto de partida dessa estrada, que fica encostada no asfalto da BR-277, a poucos minutos para dentro do mato.
A localidade, que por muito tempo foi distrito de Paranaguá, tornou-se em 2010 um bairro distante da cidade. Um papel de coadjuvante para aquela que foi a primeira colônia italiana do Paraná, fundada em 1870 e resguardada pelos poucos descendentes dos imigrantes que optaram por continuar no litoral.
De acordo com a professora do Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora da imigração italiana Raffaella Caira o colonizador da região foi Sabino Tripoti. Ele veio da Itália por causa de um incentivo oferecido, pelo governo provincial, aos estrangeiros que trabalhassem em colônias agrícolas, como forma de abastecer os centros urbanos próximos. "No Paraná, este início do processo imigratório esteve amplamente ligado à criação de uma de agricultura de abastecimento", explica.
Um estudo divulgado em 2005 pelo Instituto Geográfico e Histórico do Paraná esclarece que Tripoti, quando veio, trouxe da Europa cerca de 50 famílias. O nome da colônia incrustada no litoral paranaense foi uma homenagem à Alexandra, esposa do pioneiro. Porém, a experiência no local durou pouco tempo. "A colônia não progrediu. Várias causas foram apontadas para explicar o fracasso, como o clima muito quente e úmido, que propiciava o aparecimento de inúmeras doenças tropicais causadas por insetos", conta Raffaella. Os italianos, então, procuraram locais mais frescos para morar e por isso, nos idos de 1887, tomaram o rumo de Curitiba. O fracasso da experiência explica, em parte, o esquecimento dessa história. "A experiência de Alexandra criou um clima desfavorável à colonização no litoral do Paraná. Os italianos tentaram uma vida melhor nos arredores de Curitiba", observa Raffaella.
A atual população de Alexandra é de cerca de 4,7 mil pessoas, segundo a administração regional. A prefeitura ocupa, juntamente com o correio, o prédio mais antigo da cidade, fundado em 1883 como Estação Ferroviária e que até hoje mantém as características originais.
Memória viva
Apesar de o núcleo italiano ter sido desfeito rapidamente, alguns imigrantes resistiram e permaneceram em Alexandra, como contam os antigos moradores. A principal atividade dos europeus era trabalhar em armazéns e olarias, que aos poucos fecharam por falta de matéria-prima. "Antes tinha muito mais italianos aqui do que hoje. Os filhos dos imigrantes cresceram, saíram para estudar e não voltaram mais", comenta a dona de casa Maria Zela, de 82 anos, conhecida como Dona Pequeninha.
"Na minha infância, era comum ouvir pessoas falando em italiano por aqui", relembra a dona de casa Guiomar Albini, de 83 anos, descendente de umas das primeiras famílias a chegar no local.
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