"Bruda"
O engenheiro Nicolau Inthon Klüppel era "Nicanal" porque pensava na canalização das águas. Virou "Nicolago" ao criar parques, "Nicolixo" quando defendeu a reciclagem de resíduos e "Nicovale" na época em que argumentava a favor de uma lei de preservação dos fundos de vale. Porém, na família, ele sempre foi "Bruda".
O apelido começou com a irmã mais velha, Elba, que o chamava de irmão (bruder) quando era pequena e só falava alemão.
A pronúncia da palavra soa como "bruda".
O tio Bruda não se incomoda com os apelidos. É bem-humorado e se tornou mundialmente conhecido pelas piadas que conta a maioria pegando no pé dos poloneses.
Um sinal típico do seu senso de humor é o uso de expressões antigas de caboclos para ilustrar algum argumento.
Como "Eu agarrei o rabo da vaca" para dizer que aproveitou uma oportunidade.
Nicolau Inthon Klüppel
Nicolau Inthon Klüppel costuma dizer que existem dois tipos de ambientalistas: os que fazem e os que não deixam fazer. Como engenheiro, parte do primeiro grupo, suas ideias animaram profissionais visionários e projetos transformadores. Estes resultaram em algumas das características mais importantes de Curitiba como os parques e o programa de reciclagem de lixo. Além do trabalho em conjunto que o animou a vida inteira, foi inspirado também pelo comportamento dos pais (a mãe, Frida, já separava o lixo nos anos 1940) e por uma viagem que fez na infância e nunca mais esqueceu.
A família de Nicolau e Frida morava no bairro chinês de Ponta Grossa, no interior do Paraná, e não podia contar com um caminhão que recolhesse o lixo. Eram os anos 1940.
Senhora engenhosa e disposta, com uma expressão e um nariz que lembravam a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, Frida criou um esquema para lidar com o problema.
Primeiro, as garrafas de vidro. Obviamente úteis, elas iam e vinham do leiteiro e nunca se perdiam.
Nas pilhas de papel, predominavam as edições intocadas do Jornal do Brasil , que o marido assinou para não perder a amizade do vendedor. O diário chegava com cinco dias de atraso, quando as notícias estavam velhas demais (e ainda cariocas demais) para o gosto de Nicolau.
Então virava papel de embrulho para o dono da mercearia local.
Até o lixo orgânico tinha fim: útil para um pescador amigo da família que cultivava as próprias minhocas.
Isso foi no pós-Guerra. Anos mais tarde, com o surgimento do plástico, Frida separaria também os pacotes de leite, que eram abertos, lavados e serviam para um conhecido que gostava de mexer com a terra. Ele os transformava em cobertores para proteger suas plantinhas da geada.
A senhora com feições de rainha ainda não sabia, mas sua disposição de reaproveitar o lixo viraria referência para o filho quando este se tornasse engenheiro e fizesse parte do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
Frida, a Dona Doquinha, teria 102 anos se estivesse aqui. Morreu em 2001 e seu filho é hoje um senhor octogenário pai de três mulheres e avô de dois meninos e três meninas. Com o mesmo nome do pai (e do bisavô), o engenheiro Nicolau Inthon Klüppel fez parte da equipe do prefeito Jaime Lerner e continua trabalhando no instituto que leva o nome do arquiteto e urbanista. É incrível ver a qualidade dos projetos que surgiram em conversas cotidianas que os dois tiveram.
Se a mãe o inspirou nas discussões que acabariam criando o programa Lixo Que Não É Lixo, premiado pelas Nações Unidas em 1990, as aventuras do pai como pescador e caçador o ensinaram a respeitar a natureza.
Nicolau pai era um madeireiro que fazia proezas de engenheiro mecânico. Chegou a criar uma fábrica para produzir a serra de fita que projetou, feito que muitos na família gostam de rememorar. Tudo o que usava era um manual alemão, impresso em caracteres góticos, relíquia guardada pelo filho do meio (Nicolau nasceu entre Elba e Julio Teodoro).
O patriarca largava o que estivesse fazendo para ajudar quem o procurasse. Pelo que contam, não era difícil gostar dele. Homem de família com uma careca respeitável, tinha o passatempo de construir barcos e uma paixão por pescarias que muitos ainda citam. Há até quem se lembre das cores de seu material de pesca, todo vermelho e branco.
"Sinto muito a falta de papai", disse Nicolau para o seu sobrinho-neto, autor deste texto não por acaso.
O encontro com meu tio-avô foi no Café do Paço da Liberdade, o prédio reformado e administrado pelo Sesc Paraná. No mesmo lugar, 60 anos atrás, funcionava a prefeitura curitibana, onde ele entrou para trabalhar como técnico pela primeira vez. Apesar do vínculo familiar, tivemos poucas chances de conversar uma delas foi no funeral de sua mãe, minha bisavó.
Depois de nascer e crescer em Ponta Grossa, Nicolau estudou Engenharia na capital. Formado, passou uma temporada em São Paulo, na Goodyear, daí voltou para a cidade natal e ficou lá por cinco anos. Mudou-se para Curitiba atrás de chances de trabalho, não demorou a encontrá-las e nunca mais deixou o bairro Hugo Lange.
Sei que a conversa engrenou no instante em que ele busca no bolso da camisa uma caneta para rabiscar o guardanapo. Desenha um rio, explica as motivações da lei que preserva os fundos de vale (defendida por ele num congresso realizado em Brasília 30 anos atrás), lembra com gosto as obras que ajudou a realizar, como o Canal Paralelo do Iguaçu, o Canal da Piracema e a Usina de Reciclagem de Campo Magro.
Nicolau tem olhos claros, de um azul-céu, e sobrancelhas que fazem lembrar alguém... O ator Jack Nicholson, talvez. Quando fala, estica a mão para tocar o braço de quem ouve, como se estivesse chamando atenção, ainda que a pessoa esteja concentrada na conversa. Parece uma demonstração de afeto que afirma: "Você está comigo aqui". Mais de uma vez (quatro, na verdade), pede desculpas por ter tantas histórias para contar. Desculpas desnecessárias.
Retoma o fio da meada para falar da experiência seminal que aconteceu numa viagem a Curitiba em 1937, ou 38. "Não sou muito bom com datas", diz.
Ele, os pais e a irmã Elba (Julio Teodoro ainda não havia nascido), vieram visitar o tio dono de um açougue perto do Passeio Público. O Rio Belém corria por ali e não tinha mais do que três metros de largura. As crianças da região podiam brincar de Tarzan nas árvores das margens e pescar peixes de couro e de escamas. Os que Nicolau pegava iam para o açougue do tio.
Às vezes, caminhava pelo Passeio Público para ver as grutas e barcos. "Fiquei com aquilo na cabeça", diz.
"Pois bem." (Assim ele encerra um episódio para começar outro.)
A colaboração com Lerner começou no Ippuc durante a gestão do prefeito Omar Sabbag (1967-71). Mais de quatro décadas se passaram e Nicolau nunca se interessou por política a ponto de investir em outra carreira. Preferiu seguir com o trabalho técnico.
Um dos primeiros grandes problemas com que teve de lidar no Ippuc teve a ver com água. "Curitiba é uma bacia", diz, mostrando o formato com as mãos juntas antes de desenhá-lo no guardanapo. A comparação explica porque as enchentes eram um risco frequente e também por que áreas pantanosas como o Passeio Público foram se deteriorando.
Nicolau fez um mapa de todos os cursos de água da região. Percebeu que a cidade se espalhava ignorando o meio ambiente. Daí as enchentes e os banhados fedorentos. Uma solução viável era criar lagos e, ao redor deles, por que não?, parques.
Na época, já havia debates sobre o tamanho em metros da margem que deveria ser respeitada em rios e canais o número variava de acordo com o tamanho do curso de água. A proposta do engenheiro era adotar um número padrão em Curitiba: 15 metros para cada lado, espaço mais que suficiente para oferecer nacos de natureza à população. Assim tiveram início parques como São Lourenço e Barigui.
As memórias e as ideias de Nicolau podem estar na origem de alguns feitos importantes, mas, das conversas à materialização dos projetos, muitos profissionais se envolveram. Nicolau faz questão de citar que sua carreira teria sido outra não fossem os prefeitos Lerner e Saul Raiz, as engenheiras Francisca Rischbieter (1929-1989) e Dúlcia Auríquio, e o arquiteto Rafael Dely (1939-2007). Os três últimos, colegas seus no Ippuc.
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