"Você pode provar que existe?", provocou o tio durante um almoço. O garoto de 15 anos disparou, certeiro: "Estou aqui, logo existo". Foi contrariado pelo tio: "Pode ser um sonho". O menino tentou mais uma vez: "Penso, logo existo". O tio balançou a cabeça negativamente e replicou sem dó: "Isso não passa de pensamento". Mais algumas tentativas estéreis e, em menos de cinco minutos, o jovem viu que não dava conta do recado. O desafio nunca saiu da cabeça de Newton da Costa. E foi o que levou o curitibano a se enamorar pela lógica. No currículo de matemático e filósofo pesa uma das maiores criações da ciência moderna: o desenvolvimento de um sistema de lógica que aceita informações contraditórias entre si. Justamente o que Heráclito, Hegel, Marx, Wittgenstein e Popper suspeitaram ser possível, mas nunca conseguiram desenvolver. Newton virou uma celebridade internacional da ciência. Sua lógica é o que está por trás de inúmeras tecnologias que nos cercam atualmente. Se alguém fizer uma lista dos dez maiores matemáticos do século passado e não incluir esse curitibano de cabeça redonda e sorriso cativante, desconfie. Hoje quem lança os desafios é ele. Newton sempre alerta no início de suas conferências: "Vim jogar a serpente no paraíso de vocês."
Newton da Costa é um gênio com muitas esquisitices. Detesta sujar as mãos com giz na sala de aula. Vê beleza em equações matemáticas que mais parecem grego. Torce o nariz para aglomerações. Não gosta de novelas. É a gentileza em pessoa e tem a humildade dos grandes homens. Por isso reluta em aceitar a alcunha que confirma sua genialidade. "Não diga isso, rapaz. Fiz alguma coisa em lógica, sim, mas sou apenas um cientista reconhecido."
Durante a infância, sempre que tinha tempo, escapava da escola para a casa de seu avô, o médico Petit Carneiro, que tinha uma biblioteca "monstruosa" no porão. Passava o dia todo por lá e lia tudo que encontrava, sem julgar livro algum pela capa. Quando não estava no endereço do avô, estava com o tio Milton Carneiro, que era professor universitário de filosofia. Conversavam sobre tudo. A mãe, professora de literatura francesa, lia os grandes autores para ele. Com o pai, um funcionário público durão, aprendeu os primeiros problemas de geometria.
Mas divertia-se mesmo ao assistir sua tia Carmen Carneiro, uma luz da poesia paranaense e professora de língua inglesa, recitando Shakespeare pela casa. A primeira vez que chorou foi por volta dos 15 anos, quando leram juntos o discurso que Marco Antônio fez no enterro de César, na peça Júlio César. "É das coisas mais bonitas que já li", confessa.
De tudo isso, o gostinho pela autonomia intelectual foi o que ficou. Nunca foi obrigado a nada. Sempre foi instigado a pensar por si mesmo. Deu-se conta dessa liberdade quando questionou a mãe sobre qual seria a religião da família. Eis a surpresa: "Filho, não sei a minha. Mas a sua é você quem tem de decidir". Ela o levou para a biblioteca da família: "Aqui tem vários livros sobre diversas religiões. Leia o que quiser. Informe-se e depois decida por si mesmo."
Apercebeu-se da liberdade que gozava e resolveu ser pintor. Queria seguir os passos de seu professor de artes do Colégio Americano de Curitiba, o mestre italiano Guido Viaro. Achou demais quando Viaro botou fogo na própria casa em busca de inspiração, tal como Nero. "Achei genial", brinca. Viu que não seria um Rembrandt e, aos 11 anos, imitou Viaro. Ateou fogo em todas as suas obras. A mãe chegou a tempo de salvar algumas. Decidiu, então, partir para outra paixão: a matemática.
Complexo de Napoleão
Newton percebeu que a matemática, ao contrário do que muitos pensam, é cheia de contradições. Então, tratou de construir um sistema de lógica que refletisse a realidade, já que a lógica clássica de Aristóteles entra em colapso toda vez que uma coisa não bate com outra. Com 29 anos, já havia criado a lógica paraconsistente.
Mas ninguém botava muita fé. Certa vez, anunciou o feito para um colega da universidade. Ouviu uma resposta "deveras ousada": "Tenho a impressão de que você é um vigarista". Esse mesmo amigo ajudou Newton a escrever uma carta em francês, apresentando o trabalho. "Os franceses vão nos dizer se essa sua nova lógica vale alguma coisa", completou o colega. Meses depois, a Academia de Ciências de Paris chancelou a descoberta e Newton foi correndo mostrar a carta. "Puxa, Newton. Se você for mesmo um vigarista, é um bom vigarista!", brincou o amigo.
De 1976 para frente, foi disputado a tapas por diversas universidades do mundo. Sua fama se espalhou de tal modo que, certo dia, um menino de 11 anos bateu à porta da Escola Técnica de Curitiba, atual Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), e pediu para assistir às aulas de matemática de Newton. Ele deixou.
Só Napoleão Bonaparte tem poder suficiente para fazer Newton largar o trabalho. Basta passar um documentário na tevê ou aparecer um livro novo relacionado ao famoso imperador. Isso porque vê muito de si no figurão histórico. Em resumo: Napoleão foi um francês da Córsega que poderia muito bem ter sido italiano, já que a ilha em que nasceu pertencia à Gênova algum tempo antes. Nunca aprendeu a falar francês corretamente, foi alvo de chacota, dedicava-se com afinco à matemática e sofria de complexo de inferioridade. Mesmo assim se tornou imperador. Newton também tem o tal complexo.
Tudo veio à tona aos 4 anos. Era tão soturno e raquítico para a idade que muitos conhecidos da família sugeriram levá-lo ao médico. A mãe seguiu o conselho. Depois de examinar minuciosamente, o diagnóstico: "Mãe, vou ser honesto com a senhora. Seu filho é débil mental e não vai chegar ao ginásio", garantiu o doutor. Ela ignorou o parecer. Embora a profecia médica tenha falhado, Newton parece nunca ter se livrado desse sentimento. Até hoje, aos 85 anos. "Talvez seja por isso que fiz tudo o que fiz", diz, às gargalhadas.
Newton se cansou. A criatura acabou devorando seu criador. Há dez anos decidiu sair dos trilhos da lógica para se dedicar à física quântica. "Agora tento entender as partículas subatômicas. São como as mulheres de comportamentos difíceis de se prever."
Revolucionário
Na década de 1970, quando circulava pelos corredores da Universidade de São Paulo, um coronel do exército brasileiro apareceu de surpresa e quis conversar com Newton. Disse que tinha três acusações pendentes contra ele: de que utilizava vários nomes diferentes, de que era especialista em plutônio e de que era anarquista. Newton não pensou duas vezes: "Coronel, isso é culpa da minha mãe, que me deu um nome tão comprido. Alguns me chamam de Newton Carneiro. Outros de Newton da Costa", explicou. "Segundo, como é que vou ser especialista em plutônio? Fale com quem quiser e vai ver que não entendo nada disso. Terceiro, nunca fiz bagunça. Meus únicos discursos são feitos em sala de aula". O coronel nunca mais apareceu.
Em contrapartida, sua troca intensa de cartas com pesquisadores da Polônia chamou a atenção de outro oficial. Questionado se sabia que estava mandando correspondência para um país comunista, quando havia acontecido uma revolução militar no país para conter o comunismo, Newton utilizou de sua habitual sinceridade. "Pode abrir a carta se quiser. Mas tudo que vai ver são símbolos. É tudo sobre lógica". No fim, o militar o deixou ir: "Guarde esta carta e só mande a resposta em alguns meses. Agora não é conveniente."
Ainda bem que os militares não escutaram quando, um tempo depois, uma professora de filosofia do México chamou Newton de "novo Simon Bolívar". Ele desejava uma revolução intelectual na América Latina. Queria que nosso continente soubesse o que é pesquisa e ensino. Que se pode pensar por conta própria. "Consegui criar alguns discípulos formidáveis que hoje estão em grandes universidades. Mas a tal revolução fracassou. Esvaziar o oceano com um copo é difícil mesmo", confidencia.
Apesar da negativa em avaliar sua própria revolução, Newton atesta que o que fez bastou para atrair a atenção de grandes nomes. O psicanalista francês Jacques Lacan, por exemplo, veio à Venezuela no fim da década de 1970 e anunciou logo no desembarque: "Quero conhecer Newton da Costa". Aí lhe disseram que Newton era brasileiro, e não venezuelano. Moral da história: tinha errado de país. "Infelizmente ele morreu antes de nos conhecermos", diz Newton.
A surpresa mora ao lado
Quando não está sassaricando por aí, passa horas em seu escritório. Das souvenirs expostas, o que chama a atenção dos visitantes é uma almofada branca que mantém no sofá. Tem a foto de sua esposa gravada nela. Newton está casado há 60 anos com a professora de educação especial aposentada Neusa Feitosa Affonso da Costa, hoje com 80 anos, por quem mantém uma vivaz admiração.
Ela morava ao lado da casa de seu tio Milton. Logo no instante que a viu pela primeira vez, caiu apaixonado. Não à toa. Neusa guarda uma semelhança incontestável com Ava Gardner, a sensação do cinema norte-americano dos anos 1950. Começaram a namorar aos 16 anos e casaram-se em 1955. Tiveram dois filhos, uma filha e duas netas.
Ele diz que sem a família nada teria sido possível. Com razão. Onde quer que decidisse ir, da França à Nova Zelândia, lá ia o séquito atrás, sempre disposto a ajudar e a saborear as aventuras com o cientista da casa.
Hoje não viaja mais com a mesma frequência. Mas não resiste às praias catarinenses e aos calçadões de Curitiba. É frequentador assíduo. E, apesar da fama que o acompanha, ao longo dos anos só foi reconhecido fora da sala de aula três vezes. Em uma delas, foi confundido com um padre em plena Rua XV. A pessoa insistiu tanto por uma bênção que ele acabou dando. De imediato veio o agradecimento do sujeito: "Nossa! Já sinto minha alma mais leve". Naquele dia Newton descobriu que também faz milagres.