A conversa com o então candidato a governador Ney Braga varou a madrugada, na varanda do casarão-sede das usinas do grupo Lunardelli, naquele dezembro de 1960. O anfitrião Paulo Cruz Pimentel recebia o político por acaso: não havia hotéis na pequena Porecatu, às margens do Rio Paranapanema. Falavam entusiasmados sobre política e desenvolvimento – havia muito por fazer no Paraná. Horas antes, Braga havia conduzido um comício animador na cidadezinha. Semanas depois, já eleito, veio o convite inesperado: ele queria Pimentel como seu secretário de Agricultura. Havia se impressionado com as ideias arrojadas daquele jovem, que contava então 32 anos. Pimentel relutou e relutou, mas acabou cedendo. Assim, meio sem querer, entrou para a vida pública.
“Foram as guinadas históricas, as esquinas da vida que me trouxeram até aqui. Eu nunca tinha pensado em entrar para a política. Eu era superintendente das usinas [do grupo Lunardelli], já tinha duas filhas. Queria continuar ali. Eu não entendia nada de agricultura, mas as condições se impuseram”, observa.
A história de Paulo Pimentel parece ter sido conduzida por essas esquinas aparentemente tortas. Soube sobreviver, ora indo para a briga, ora afagando egos. Faro e oportunismo. Diz ter agarrado as chances que a ventura lhe pôs no caminho. Entrou por acaso, mas acabou se acostumando – e gostando – do jogo do poder. Foi numa dessas guinadas que abandonou a promissora carreira de advogado do grupo Votorantim (de José Ermírio de Moraes) para assumir as usinas do sogro, no Norte do Paraná. Foi assim, quase ao acaso, que se tornou secretário de Estado e, em seguida, governador. Foi assim que consolidou um império de comunicação. É considerado o último publisher do Paraná.
A outra face de Paulo Pimentel
As lições de vida de um dos grandes empresários do Paraná. Veja como Paulo Pimentel se mantém em forma e atuante nos negócios.
+ VÍDEOSAos 86 anos, Pimentel olha a própria vida em retrospecto, com uma lucidez admirável. Esmiúça fatos, enumera datas, aponta detalhes. Com os cabelos engomados bem penteados para trás e sempre alinhado em roupas sociais, ainda guarda muito do tempo em que fazia suspirar as mocinhas e eleitoras. Conta sua história como se fosse o protagonista de um longa-metragem – e ele dá sempre um jeito de ficar bem na fita. A alguns episódios, a acidez é inevitável (como o que perdeu o controle da afiliada da Rede Globo ou as rusgas com os militares). Mas, jura, não há ressentimentos. Parece em paz com o próprio passado.
Do nelore ao Palácio
Na vida pública, as realizações começaram pouco depois de o acaso tê-lo colocado na Secretaria de Estado de Agricultura. Mesmo sem dominar o tema, começou a “inventar moda” – como ele mesmo diz. Percebeu que a pecuária paranaense era quase que rudimentar, com animais sem linhagem. Desenvolveu uma política insólita de aperfeiçoamento do rebanho, a partir da distribuição de gado nelore. Em quatro anos, foram mais de sete mil cabeças entregues. “Eu comprava nelore puro no Triângulo Mineiro e trocava pelo ‘garraio’ [rês sem qualidade] do criador do interiorzão”, diz.
Paralelamente, oxigenou a agricultura, até então assentada no café e no algodão, que vinham em franca decadência. Estimulou a rotatividade de culturas e trouxe as primeiras sementes de soja ao Paraná. Ao mesmo tempo em que se empolgava, eliminava opositores. “O pessoal da secretaria me ajudou. Os que não me deram a mão, botei pra fora. Nós entusiasmamos o estado”, lembra.
Nessa onda, ainda no fim de 1961, Paulo Pimentel foi escolhido “O Homem do Ano”. Achou que podia mais e começou a sonhar alto: queria o governo do estado. Impulsionado pelo frisson da secretaria, desbancou concorrentes dentro do próprio partido (o PTN) e a rejeição por ser paulista. Em 1965, foi para a eleição contra o tradicional Bento Munhoz da Rocha Neto. E venceu. “Eu, praticamente um plebeu, lutei contra o poderio de um monarca... e ganhei”, sorri.
As três universidades
No Palácio Iguaçu, “doutor Paulo”, como é chamado, estabeleceu como meta “desenvolver o interior”. Vislumbrou descentralizar o ensino superior, até então exclusivo à Universidade Federal do Paraná. “Eu me inspirei na USP, que buscava seus professores na Sorbonne, de Paris. Mandei buscar os melhores de São Paulo e Campinas. Assim, fiz não só uma universidade, fiz logo três.” Assim nasceram as universidades de Londrina (UEL), de Maringá (UEM) e de Ponta Grossa (UEPG).
Em tempos de ditadura, convinha não desagradar (ainda mais) os militares. Nessa esteira, Pimentel acariciou os oficiais com a criação da Academia Militar do Guatupê. “A PM era uma droga, amadora e destreinada. Foi a partir dali que se profissionalizaram”, observa. “Ainda hoje, a cada cinco anos, recebo homenagens nas universidades”, completa.
Império
O “homem de comunicação” surgiu em outra dessas esquinas. As pretensões políticas aumentavam, mas doutor Paulo não pertencia a nenhum grupo político. Era seu próprio grupo. Em 1963, quando ainda estava à frente da Secretaria de Agricultura, recebeu uma proposta para comprar a Editora O Estado do Paraná. Financiado pelo dono do Bradesco, Amador Aguiar, abraçou a empreitada de olho não no jornalismo, mas em ter uma ferramenta que catapultasse sua candidatura ao governo.
“A cobertura jornalística impressa era fundamental. Eu fiz minha campanha [ao governo] basicamente com os jornais”, assente. Os jornais foram só o primeiro passo. Já como governador, comprou as tevês e a rádio. O Grupo Paulo Pimentel chegou a ter mais de 2,5 mil funcionários, em três jornais, três tevês e uma rádio. Sua queridinha, a Tribuna do Paraná, alcançou a tiragem de mais de 70 mil exemplares. Era o auge, a “era de ouro”, como gosta de se referir.
Por outro lado, em tempos de ditadura militar, doutor Paulo colecionou opositores. Sofreu perseguição e seus veículos, censura. Em 1975, em um golpe, perdeu o direito de retransmitir a programação da Rede Globo.
Em dificuldades, precisou apertar os cintos e de um trago de malandragem. A exemplo e conselho de Sílvio Santos, passou a contrabandear filmes dos Estados Unidos e a dublá-los em estúdios locais. A grade era completada por programas produzidos por aqui – entre eles, o “Show de Jornal”, no qual o próprio Pimentel figurava como comentarista. O telejornal é um dos marcos do jornalismo paranaense. Apresentado por Laís Mann, o programa mantinha entre os comentaristas o jornalista policial Ali Chain e inovou ao introduzir a reportagem de rua.
“Era só programação local e filmes contrabandeados. Até 1982, quando surgiu o SBT, a programação era isso. Dava resultado, porque a tevê era muito assistida. O ‘Show de Jornal’ não fazia menos que 12 pontos”. Ele ia diariamente aos jornais. Conta-se que tinha uma entrada exclusiva, com uma sala imperial, com uma vista ampla, de onde, do alto do Vista Alegre, contemplava Curitiba de cima.
Nos anos 2000, a receita dos veículos de comunicação caía na mesma proporção que a tiragem dos jornais e a audiência das tevês. Em 2007, o império começou a ruir: vendeu as afiliadas do SBT para o empresário Carlos Massa. Com os jornais “pererecando”, vendeu-os em 2011 ao grupo GRPCom. Sobreveio o fim de uma era. “Havia um sentimento de tristeza por abandonar um negócio que fiz crescer. Mas me senti aliviado. Não é vergonha vender. É vergonha quebrar. E se tivesse continuado, o grupo teria quebrado”, analisa.
Inimigos e censura
Ao longo das décadas, Pimentel acumulou uma leva do que chama de “inimigos”. Os políticos Ney Braga, Saul Raiz, Jaime Canet Júnior e José Richa; os militares Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva, Emílio Garrastazu Médici e João Figueiredo; e os empresários Roberto Marinho e Walter Clark (do grupo Time Life). Hoje, usa expressões ásperas para defini-los, mas o faz mais de forma marota do que com amargura. Diz entender que os embates são importantes.
“Eu era o homem mais votado do Paraná, era rico e defendia a democracia. É claro que tentariam me destruir. Me deram golpes, usaram de ilegalidade e autoritarismo, mas não me derrubaram. Isso faz parte. Todos eles já morreram, mas eu continuo aqui”, diz. “Em 1974, o Geisel veio aqui, em um evento no Teatro Guaíra e disse: ‘Paulo, perdemos a eleição por sua causa. Você vai pagar por isso’. E eu paguei. Me fizeram o diabo”, revela.
As redações da Tribuna e de O Estado do Paraná passaram a conviver com a figura de censores, especialmente durante o governo de Haroldo Leon Peres, inimigo de Pimentel. Matérias eram substituídas por trechos de Os Lusíadas ou ilustrações de araucárias. Scripts dos programas eram devassados. Os militares também apertavam o cerco contra as tevês. O governo chegou a sugerir que Paulo se exilasse nos Estados Unidos. Só não foi por que não conseguiu vender as emissoras. “No dia que o Geisel morreu, fui à tevê e fiz um comentário: ‘Tenho certeza de que esse ilustre cidadão está queimando nas fornalhas do inferno’”, conta, em meio a risos.
Primavera e outono
Aos 16 anos, Pimentel deixava Avaré, onde nasceu, e desembarcava no coração de São Paulo, com o sonho de se tornar doutor. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. O jovem Paulo queria muito e queria logo. Sonhava ser sócio do Clube Atlético Paulistano, expoente da elite da época. Habilidoso, fez amizades que endossaram sua filiação. Ali, num desses acasos, conheceu Yvonne Lunardelli. “Eu me encantei por ela. Convidei-a para ir ao cinema. Em dois anos, estávamos casados”, lembra.
A união já se estende por seis décadas, à sombra de um casarão no Vista Alegre, em Curitiba, de onde, com ar soberano, vê a capital de cima. Aos sábados, reúne a parentada em longos almoços. Tiveram quatro filhas – o único varão morreu com poucos dias, depois de ter nascido prematuro. São 12 netos e sete bisnetos.
Os hábitos também atravessaram o século. Ainda hoje, o doutor Paulo acorda cedinho – às 5h30 – faz uma hora de exercícios físicos, toma café e parte para seu escritório. Ali, administra seus investimentos imobiliários, que lhe rendem mais de R$ 200 mil por mês. Antenado, devora jornais e revistas – que lê em seu tablet – e gosta de palpitar sobre política, “só de farra”.
Pimentel vive seu “outono” com sobriedade. Com saúde em dia, quer chegar aos 100 anos. “O médico jura que eu passo [dos 100 anos] e eu prefiro acreditar nele”. Fora da política e da comunicação, quer se dedicar às suas fazendas de cana-de-açúcar no “Nortão” do Paraná. A meta: saltar dos 600 para os mil alqueires de terra.
No escritório, um memorial em construção lembra da jornada. São mais de 300 títulos de cidadão horários (entre eles, o de cidadão da Coréia do Sul) e 17 comendas (destaque para a Medalha do Pacificador, concedida pelo Exército, em plena ditadura). “Eu realizei coisas importantes, mas nem por isso me considero grande coisa. Cada um tem suas esquinas. O segredo é saber agarrar as chances.”