Outro lado
Subcomandante alega ter prerrogativa, mas falta amparo legal
O subcomandante da Polícia Militar do Paraná, coronel César Alberto Souza, alega que, por força do cargo, tem o direito a uma viatura da corporação para fins pessoais. "O subcomandante-geral corresponde a um comandante regional. Tanto eu quanto o Roberson [Bondaruk, comandante geral] temos um carro de representação. E não só o carro nos leva como uma equipe nos escolta, em razão de segurança pessoal", diz. "Esse veículo vai até a minha residência, me pega, me deixa, me traz, me leva à Academia [da PM], me leva às unidades. Nem sempre venho direto para o quartel. Os carros foram comprados para este fim, para a representação", diz.
Não é isso o que dizem os marcos legais que regulam o uso da frota da corporação. O Decreto estadual nº 1.675, de 1996, estabelece que apenas o comandante geral da PM pode dispor de um veículo de representação. O restante da tropa deve usar veículos da categoria "Serviço", caracterizados e restritos para o trabalho policial. A Portaria nº 494 do Comando Geral da PM, de junho de 2011, proíbe o uso de viatura descaracterizada por policiais que não trabalhem no policiamento reservado. O subcomandante, inclusive, não respondia pelo comando geral nos dias flagrados pela reportagem, ou seja, não poderia usar veículo de representação.
"Ela [a placa] não é fria. Ela é uma placa reservada, autorizada no começo do ano. No começo a gente já solicitou, para que as pessoas não identificassem, já que estamos sob ameaça, o pessoal poderia verificar onde está este carro", diz. O coronel diz desconhecer o uso irregular dos veículos da corporação. "Não temos notícias de desvio no sentido do uso particular do carro. Não temos conhecimento de nenhuma denúncia. Agora, qualquer denúncia que chegar, será apurada e a pessoa, responsabilizada."
"Excepcionalidade"
Major admite ter usado viatura para buscar filho na escola
O major Maurício César de Moraes, do Estado Maior da Polícia Militar, nega usar mordomóvel. "Tenho meu carro particular e não faço uso de veículo oficial", disse a priori. Ao ser informado que a reportagem dispõe de registros fotográficos dele usando a viatura, o major mudou o discurso. "Pode ser que eu tenha ido. Realmente eu algumas vezes estive para pegar meu filho em uma situação emergencial. Não sei se foi nestes dias", diz. "Eu pego meu filho normalmente com meu carro particular", completou.
A reportagem o flagrou por três ocasiões usando o carro oficial. "Meu filho estava passando mal num dos dias. Provavelmente foi minha esposa junto comigo para irmos ao hospital, e no momento que o carro estava aguardando eu e minha esposa para verificarmos a situação do meu filho. Não houve, em hipótese nenhuma, nenhum tipo de uso irregular de veículo", defende-se.
Passa do meio-dia quando o Renault Fluence preto avança pela rua sem saída, no bairro Santa Quitéria, em Curitiba. O carro para e por uma das portas traseiras sai o subcomandante geral da Polícia Militar, coronel César Alberto Souza. O policial que está ao volante desce e presta continência. Pelo lado oposto, outro policial também sai do veículo, entrega uma pasta preta ao coronel e se despede. Após um breve aceno aos colegas de farda, César entra em casa a passos lentos. Naquela quarta-feira, 4 de abril, dia de meio-expediente na PM, o coronel não voltaria ao quartel.
>>Vídeo: Oficiais da PM também usam mordomóveis
Esta seria apenas mais uma cena comum do cotidiano não fossem dois detalhes: o carro é uma viatura descaracterizada da PM e um policial foi retirado de suas funções para servir de motorista ao subcomandante. O veículo seguiu para o 12.º Batalhão da PM, onde um dos policiais permaneceu. Em seguida, o veículo saiu rumo ao 13.º Batalhão. O fato do dia 4 de abril não foi uma coincidência. Quase um mês depois, em outra quarta-feira, a reportagem voltou às proximidades da residência do coronel e, novamente, ele era conduzido para casa por outros policiais. Também num Fluence preto da PM.
A exemplo do que acontece na Polícia Civil do Paraná, como revelou a Gazeta do Povo na série "Polícia Fora da Lei", membros do alto comando da PM também usam viatura descaracterizada para atividades particulares. Parte do dinheiro usado na compra de viaturas da PM sai do Fundo de Reestruturação do Departamento Trânsito, ou seja, recursos de multas usados para comprar viaturas que servem como "mordomóveis", sem que os policiais tenham prerrogativa para isso. Também é costume entre oficiais na corporação o desvio de um ou mais policiais para servir de motorista particular.
O coronel
Responsável pelo 1.º Comando Regional da Polícia Militar em Curitiba, o coronel Ademar Cunha Sobrinho foi flagrado duas vezes pela reportagem indo almoçar em casa com uma viatura da corporação, nos dias 7 e 8 de maio. Cunha desloca um soldado de suas funções para servir de motorista em seus deslocamentos, com uma Blazer placa ASP-3895, comprada com verba do Fundo de Modernização da PM. O coronel também dispõe de uma Renault Scénic, placa AOK-7886, viatura descaracterizada. Embora não a use no cotidiano, Cunha a deixa ao relento no pátio de casa.
O tenente-coronel
Quem também usa um mordomóvel é o chefe da 6.ª seção do Estado-Maior da Polícia Militar, o tenente-coronel Lanes Randal Prates Marques, responsável pelo planejamento de orçamento e aplicação de recursos financeiros da corporação. A mando do oficial, um soldado usa o Logan AQY-7958 para buscar uma menina no Colégio Medianeira, no bairro Prado Velho. Dali, ele leva a estudante até um condomínio em Pinhais.
O major
O major Maurício César de Moraes, do Estado Maior da Polícia Militar costuma levar o filho ao Colégio Militar de Curitiba, no Tarumã. Usa para essa finalidade o Logan placa AQZ-8163. No flagrante do dia 14 de março, por exemplo, buscou o filho na escola, deixou-o em casa às 12h45 e às 13h15 saiu levando na viatura duas mulheres em direção ao centro da cidade. Fardado, ele fez o trajeto de casa para o colégio do filho, um percurso de 8 quilômetros.
O sargento
O emprego particular de viaturas descaracterizadas se espalha também pelos escalões menores da PM. A reportagem flagrou o sargento Elacir Berti no dia 28 de março com o Renault Logan, placa ARD-6648. Fontes de dentro da PM confirmam que Berti é motorista de um oficial e fica à disposição para buscá-lo e levá-lo onde for necessário. Berti está lotado no Regimento de Polícia Montada e foi flagrado saindo de casa com o veículo.
Gaeco investiga caso antigo de mordomóvel
O uso particular de carros oficiais é prática antiga na Polícia Militar, conforme revela investigação feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Cascavel, no Oeste do Paraná. A partir de denúncias recebidas por telefone, em 15 de abril de 2010, o Gaeco passou a monitorar o major Wellington Alves da Rosa, à época comandante do 19º Batalhão da Polícia Militar de Toledo.
Na ocasião, o major usava o Honda Civic ATW-1112, apreendido com 300 quilos de maconha e cedido em depósito judicial por uma vara criminal de Toledo para uso exclusivo do serviço reservado do Batalhão, com destinação específica conforme o artigo 61 da Lei 11.343/06. Wellington se deslocava diariamente para a casa dele, em Cascavel, com o Cívic, abastecendo na cota de combustível do 19º BPM. Em três meses, consumiu 1.064 litros de gasolina.
Depois da denúncia, uma equipe do Gaeco rastreou a viatura. O major a estacionou dia 15 de abril de 2010 na vaga de um apartamento, em Cascavel. Só saiu às 14h30 do dia 18, indo direto para o 19.º BPM de Toledo, onde abasteceu na bomba de combustível da unidade. Pouco antes das 18h30 retornou para Cascavel, onde estacionou a viatura às 19 horas na frente da casa do casal de sargentos Leila e Cornélio.
Wellington retornou para seu apartamento em Cascavel por volta das 23h30, depois de participar de um churrasco com militares. No dia seguinte, às 07h20, se dirigiu ao 19.º BPM. Ao chegar, por volta das 8 horas, o carro foi apreendido pelo coordenador do Gaeco de Cascavel, Sérgio Ricardo Cezaro Machado, acompanhado do promotor da Defesa do Patrimônio Público de Toledo, José Roberto Moreira, e do Comandante do 6.º Batalhão de Polícia Militar de Cascavel, tenente-coronel Celso Luiz Borges. Depois desse episódio, major Wellington ainda usou por algum tempo a Scénic AOJ-2202, também viatura descaracterizada da PM.
O promotor José Roberto Moreira, que avaliou o caso na área cível, explicou que o uso indevido de viaturas pelo major ainda está sendo investigado na própria vara. Segundo ele, o oficial admitiu que usava o veículo e alegou ter o direito de usá-la, inclusive com motorista. Questionado sobre a demora na conclusão do caso, o promotor ressaltou que apenas ele e mais um funcionário trabalham na vara. Ele explica que há 704 investigações extrajudiciais em andamento. Além disso, o trabalho é somado ainda ao atendimento ao público, audiências, toda parte judicial e extrajudicial, das áreas de saúde pública, tribunal do júri, patrimônio público, fundações, garantias constitucionais e direitos humanos. O promotor lembrou ainda que o único funcionário que trabalha com ele chegou em março deste ano.
Já o promotor da Vara Militar, Misael Duarte Pimenta Neto, disse que remeteu os casos do major para o Gaeco de Cascavel para mais diligências e que ainda não voltou para a promotoria. Pimenta Neto é responsável por verificar se os casos envolvendo policiais configuram crime militar.
VIDA E CIDADANIA | 2:34
O uso indevido de viaturas descaracterizadas também é prática entre oficiais da Polícia Militar. A reportagem da Gazeta do Povo registrou policiais buscando filhos na escola e usando soldados como motoristas.
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