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Única viatura de Nova Santa Rosa, este veículo ano 1993 está “baixado” há anos, mas a cota de combustível continua sendo lançada na conta da delegacia | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Única viatura de Nova Santa Rosa, este veículo ano 1993 está “baixado” há anos, mas a cota de combustível continua sendo lançada na conta da delegacia| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Perda total

Viatura não tem motor, mas continua recebendo cota de combustível

O Kadett branco abandonado sob uma laranjeira na delegacia de Nova Santa Rosa, no Oeste do Paraná, já pertenceu à Polícia Civil de Guaíra, segundo a pintura desbotada. Policiais militares que tomam conta da delegacia nem lembram há quantos anos ela está "baixada", entregue às intempéries, mas confirmam ser a única viatura da Polícia Civil na cidade. Mesmo sem rodar, o Kadett 1993 continua recebendo uma cota de 350 litros de gasolina por mês. O combustível faz parte dos R$ 141.717 do fundo rotativo da Polícia Civil destinados nos últimos oito anos à cidade de 7 mil habitantes que não tem um policial civil sequer.

Das 12 cidades que não são sedes de comarca visitadas pela Gazeta do Povo nas regiões Oeste e Noroeste, apenas cinco tinham viatura da Polícia Civil. Além de Nova Santa Rosa, em Uniflor a viatura está fora de atividade. Apenas um Gol, em São Pedro do Ivaí, era usado regularmente, três vezes por mês, para levar presos a audiências. Em Bom Sucesso e Cafezal do Sul, as viaturas são eventualmente usadas pelos sargentos. Todas essas cidades têm cotas de combustível para viaturas da Polícia Civil.

Conforme relatório reservado do Grupo Auxiliar Financeiro da Polícia Civil, obtido pela Gazeta do Povo, Uniflor recebe uma cota mensal de 300 litros de álcool e 250 litros de gasolina. Cafezal recebe 400 litros de gasolina, e Bom Sucesso, 300 litros de gasolina.

Nas delegacias do interior, boa parte das viaturas não funciona, mas não deixa de receber a cota mensal de combustível. Uma delegacia com seis viaturas, por exemplo, mesmo que duas delas estejam baixadas por problemas mecânicos, continua recebendo combustível para as seis. A cota não cessa mesmo quando o carro já foi baixado por "perda total". Os veículos teriam de ir a leilão, o que não acontece.

O dinheiro do fundo rotativo da Polícia Civil não chega às 16 delegacias visitadas entre março e abril pela reportagem da Gazeta do Povo nas regiões Leste, Oeste, Norte e Noroeste do Paraná. Policiais militares que suprem a ausência de policiais civis nessas unidades não sabem confirmar o valor nem o repasse dos recursos. "Existe [verba de manutenção], mas eu não sei explicar. Eu não sei quanto vem e para onde vai. Se fica na subdivisão [da Polícia Civil] ou na sede de comarca. Nunca tive acesso", disse um policial militar de Jardim Olinda, no Noroeste.

Pela prestação de contas da Polícia Civil, a delegacia de Jardim Olinda recebeu R$ 68 mil nos últimos oito anos para manter a estrutura funcionando. Contudo, o destino desse dinheiro é uma incógnita. A única viatura policial do município é da Polícia Militar (PM). A prefeitura cedeu móveis e computadores para a delegacia e ainda paga a conta de telefone e internet. O material de escritório e de higiene é pego pelos policiais militares na delegacia da sede da comarca, em Paranacity. O policiamento é feito por um sargento e dois soldados que se revezam em turnos de 24 por 48 horas.

Socorro privado

Em geral, os prédios que abrigam as delegacias nas pequenas cidades pertencem ao estado e foram repassados à Polícia Civil, mas quem os ocupa é a PM. Nessas localidades, a prefeitura é determinante para garantir o funcionamento da estrutura policial, financiando parte dos custos e cedendo até computadores. Esses custos deveriam ser cobertos pelo fundo rotativo.

Em Indianópolis, Perobal, Entre Rios do Oeste e São Pedro do Ivaí, a municipalidade fornece material de escritório e produtos de higiene e limpeza. Quando nem estado nem prefeitura resolvem, os policiais recorrem à população. "Isso aí [materiais de higiene e escritório] a gente vê [consegue] com doações da comunidade porque nunca veio para nós. E não é de agora, nunca veio há 25 anos", disse um sargento. Em Bom Sucesso, um soldado pagou do próprio bolso um cadeado para a delegacia. Custou R$ 24, conforme a nota fiscal.

Mesmo com a ausência da Polícia Civil, essas cidades aparecem na prestação de contas da corporação com altas somas de despesas entre 2008 e 2011. São Pedro do Ivaí teria recebido R$ 164 mil do fundo rotativo; Entre Rios do Oeste, R$ 122 mil; Indianópolis, R$ 104 mil; Perobal, R$ 126 mil; Bom Sucesso, R$ 150 mil. A situa­­ção se repete em outras quatro cidades do Norte Pioneiro do Paraná: Japira, Jaboti, Guapirama e Salto do Itararé.

"A edificação é da Policia Civil, mas não tem policiais civis", diz um militar de Salto do Itararé. Todas as reformas, manutenção, materiais de escritório deveriam ser por conta da Polícia Civil, mas acabam nas contas da prefeitura e da população. Delegados titulares que permanecem nas sedes regionais ajudam pouco. Pela prestação de contas, a unidade recebeu R$ 149 mil do fundo rotativo nos últimos oito anos. Policiais militares lotados nessas delegacias relatam o descaso.

Para Jaboti, a cada três meses a delegada de Tomazina deixa um crédito de R$ 200 em um supermercado para compra de material. O valor é irrisório. "A maior parte das coisas, de limpeza, a gente não consegue nem da Polícia Militar nem da Polícia Civil. Se não fizermos uma vaquinha e se a prefeitura não ajudar, a gente tem de tirar dinheiro do bolso para tudo", relata o policial. Para piorar, eles têm de acumular as funções de investigação. Investigar crimes é papel da Polícia Civil; à Polícia Militar cabe o trabalho de prevenção. Sobrecarregados, os militares não conseguem fazer nem uma coisa nem outra.

Na conta da delegacia de Jaboti foram lançados R$ 112 mil do fundo rotativo nos últimos oito anos. Japira recebeu R$ 128 mil e Guapirama, R$ 74 mil. Os policiais militares dizem que nunca viram esse dinheiro. Eles se sentem como "caseiros", apenas com o papel de cuidar do imóvel.

Delegado-chefe diz desconhecer fraudes

Os indícios de irregularidades nos repasses do fundo rotativo apresentados pela Gazeta do Povo surpreenderam o delegado-geral da Polícia Civil, Marcus Vinícius Michelotto. Ele e o chefe do Grupo Auxiliar Financeiro (GAF), Pedro Reichembak Brito, não souberam explicar as distorções e eventuais fraudes. Disseram ainda desconhecer casos de delegacias fantasmas no Paraná. "Vamos colocar a Corregedoria para investigar, pedir esclarecimento para tudo [as denúncias] que vocês tiverem", disse Michelotto.

Segundo Brito, em 20 anos de fundo rotativo foram detectadas apenas duas irregularidades relevantes. Casos como o de Guaraqueçaba e de Cruzeiro do Sul, no entanto, expõem falhas na fiscalização. Nessas unidades, o fundo rotativo corresponde a uma cota de combustível e recursos para manutenção da estrutura.

Para a delegacia deixar de receber o dinheiro, o delegado responsável pela unidade precisa encaminhar ofício ao GAF dispensando os recursos. Como isso não ocorreu, o dinheiro continuou a sair das contas da Polícia Civil. "Então, eventualmente, se ela [a delegacia] está fechada, nós não recebemos o comunicado oficial", alega Brito. Nesse caso, ele não soube informar o que foi feito com o dinheiro.

Viaturas

Michelotto e o chefe do GAF também se espantaram com casos como o de Nova Santa Rosa, em que a única viatura da Polícia Civil está fora de operação, mas ainda assim a cota de combustível continua sendo liberada. "Aí não pode. Quem está usando a gasolina?", disse o delegado-geral. "O colega, desde aquela época em que ‘baixou’ a viatura, tinha de ter comunicado o Brito porque nós somos responsabilizados. Isso aí, o delegado ‘está morto’. É um caso grave, né?", complementou.

Conforme relatório do GAF, o fundo rotativo mensal de Guaraqueçaba corresponde a R$ 1,5 mil em combustível e R$ 300 de material de manutenção (apesar de a unidade estar em ruínas). Em abril do ano passado, gastou-se uma verba complementar de R$ 7,2 mil em placas de identificação.

No dia seguinte à entrevista, Brito disse à reportagem ter conversado com os delegados responsáveis pelas três delegacias mencionadas. No caso de Guaraqueçaba, as placas estão guardadas à espera da reforma da delegacia para serem penduradas. Segundo ele, a delegacia subdivisional de Marechal Cândido Rondon está usando a cota de gasolina de Nova Santa Rosa em outras viaturas para atender aos moradores de Nova Santa Rosa mesmo. Situação semelhante estaria acontecendo em Cruzeiro do Sul.

Na PM, problema é com manutenção

Entre as viaturas da Polícia Militar no interior, o problema é a manutenção. Cada uma roda 2,5 mil quilômetros por mês, em média. De tempos em tempos, precisam de ajustes e reposição de peças. Policiais ouvidos pela reportagem relatam que uma simples troca de pastilhas de freio pode demorar 15 dias. Além da falta de recursos dos batalhões da PM para os consertos, há burocracia para viabilizar os reparos. No período em que aguardam a manutenção, ou as viaturas rodam com problemas mecânicos ou são "encostadas", praticamente inviabilizando o serviço dos policiais.

"[A viatura] não tem amortecedor, não tem pastilha de freio. Se quero andar a mais de cem [quilômetros por hora], você segura no volante, ela joga a bunda para trás", diz um cabo de Nova Santa Rosa. Só em Jardim Olinda e Uniflor os policiais dizem ter viaturas em boas condições. No restante das cidades por onde a reportagem passou, o socorro vem da prefeitura e de comerciantes. "Você tem uma viatura, aí quebrou uma peça. Aí leva pra oficina, ter de ir até o batalhão, pro batalhão autorizar. Nisso vão dez dias. Você vai deixar o povo esperar? Vai pro prefeito e arruma", diz um militar de Cafezal do Sul.

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