A Corregedoria-geral da Polícia Civil do Paraná já havia sido informada há seis meses que viaturas da corporação vinham sendo usadas para fins particulares. O alerta foi dado por meio de ofício pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público Estadual responsável pelo controle externo das polícias. Nenhuma providência foi adotada, como constatou a reportagem da Gazeta do Povo ao flagrar delegados, escrivães e investigadores usando esses carros oficiais para ir às compras, levar os filhos à escola e até para ir a casas de prostituição.
"Há meses expedi ofício ao corregedor geral da polícia [Paulo Ernesto Araújo Cunha], dizendo que nós vínhamos recebendo questionamentos ou ponderações de várias pessoas, de promotores, que veículos de uso oficial estavam sendo mal utilizados", disse ontem à reportagem o coordenador estadual do (Gaeco), o procurador de Justiça Leonir Batisti. "Isso pode configurar ato de improbidade administrativa. É verdadeiramente ilegal o sujeito pegar o carro que é profissional para levar filho ou filha para escola ou para ir à padaria", ressaltou.
O procurador disse que pediu ao corregedor da Polícia Civil que expedisse um aviso ou recomendação alertando que os veículos são de uso exclusivo para o trabalho policial. "A reportagem vai nos dar o mote para botar o dedo na ferida. Temos lutado contra isso", disse Batisti. O silêncio da Corregedoria explica porque ninguém é punido.
Denúncia ignorada
Influenciados pelo mau exemplo dos superiores hierárquicos, escrivães e investigadores da Polícia Civil também se sentem autorizados a usar bens públicos conforme suas conveniências. Um caso em especial revela as escaramuças do uso particular de carros oficiais. Incomodado com a cadeirinha de criança instalada no banco traseiro de uma viatura descaracterizada, um policial formalizou dia 10 de janeiro uma denúncia à Ouvidoria Geral do Estado. "Criança também pode ser policial?", ironizou. "Outro dia flagrei duas crianças com mamãe policial nessa mesma viatura."
O veículo em questão é o Renault Clio ALW-4030, que passa as tardes na Rua Barão do Rio Branco, centro de Curitiba. Depois de uma tarde inteira ociosa, estacionada em local proibido, a viatura é retirada às 18 horas, mas não para uma atividade policial. Em meia hora, entra pelo portão do Colégio Santa Maria, no bairro São Lourenço. Mochila às costas, as crianças entram no carro. Em 20 minutos estão em casa. A viatura que falta ao trabalho policial está agora na garagem de Elizabeth Lemos Leal, chefe do Setor de Projetos do Grupo Auxiliar de Planejamento (GAP) da Polícia Civil.
Essa é a rotina da viatura que deveria estar a serviço do cidadão, com a ciência do alto comando da Polícia Civil, conforme revela documento secreto repassado à reportagem por um informante lotado na Corregedoria. A denúncia feita pelo investigador foi levada à Ouvidoria da Polícia Civil, transitou por outros dois setores até chegar ao chefe da Divisão de Infraestrutura, delegado Benedito Gonçalves Neto, depois ao corregedor geral da Polícia Civil, delegado Paulo Ernesto Araújo Cunha, e por fim ao chefe do GAP, delegado Luciano de Pinho Tavares.
Depois desse trâmite, em 17 de fevereiro Luciano pediu uma resposta a Elizabeth. Ela disse que passou a usar a viatura em maio de 2011, quando assumiu o Setor de Projetos. Ressaltou que essa e outra viatura, um Gol, estão à disposição do GAP para qualquer servidor usar quando for de "interesse laboral, mediante sempre da autorização da chefia". Na defesa, escreveu: "Em momento algum transportei cadeirinhas de crianças, bem como estas dentro da viatura nos momentos que as utilizei". Um dia depois, 24 de fevereiro, o chefe do GAP se manifestou.
"Não acredito que a mesma [Elizabeth] tenha em algum momento utilizado uma cadeirinha de criança na viatura, pois é uma servidora responsável, cumpridora de seus deveres, não tendo esta chefia nenhuma reclamação contra a mesma, ao contrário, só posso tecer elogios, tendo em vista o comportamento ético e exemplar demonstrado pela servidora policial civil", diz o despacho do delegado à Corregedoria. A resposta não poderia ser diferente, sendo ele um dos responsáveis pelo mau exemplo no uso de carros oficiais.
O delegado Luciano de Pinho Tavares usa em seu proveito próprio o Gol BBM-3153, o delegado Benedito Gonçalves Neto usa o Logan BAO-5563, o corregedor Paulo Ernesto Araújo Cunha usa o Renault Fluence ASE-7620. Assim, tudo voltou à normalidade, como revelam os seis flagrantes que a reportagem registrou de Elizabeth. A viatura continua ociosa, para as 18 horas ir buscar as crianças na escola e passar a noite na garagem de Elizabeth, numa rotina que se repete dia após dia.
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