Avisado do uso irregular de viaturas, o corregedor Paulo Ernesto nada fez, porque ele também dispõe de uma para fins particulares| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Comissionado

Chefe de gabinete do delegado-geral usa Ecosport da corporação

Às 18 horas do dia 8 de março, Roberto Assis Martins Mendes sai da sede da Polícia Civil, no centro de Curitiba. Com a viatura descaracterizada Ecosport preta, placa BBU-0686, vai até uma loja de materiais de construção próxima da rodoferroviária, compra algumas coisas e coloca no carro. De lá, segue para a casa dele em Pinhais. Vinte minutos depois, deixa a residência já com a roupa trocada e vai com a viatura a uma quitanda comprar frutas, em companhia da esposa.

Policial aposentado, Roberto é contratado como cargo comissionado. Chefe de gabinete do delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Vinicius Michelotto, ele o acompanha desde que o chefe era secretário municipal de Defesa Social de Curitiba, em 2010. Roberto usa a viatura em tempo integral e costuma deixá-la estacionada em frente de casa.

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Reunião de hoje avaliará as mudanças

Esta segunda-feira promete ser um dia decisivo para a segurança pública do Paraná, em especial para a Polícia Civil. O governo do estado vai se reunir para tratar das mudanças anunciadas na semana passada no fundo rotativo, a verba destinada à manutenção das delegacias. Entretanto, outro assunto deve entrar na pauta de discussões: o uso pessoal de carros oficiais por uma parte da cúpula da Polícia Civil. "A reunião já estava marcada. Evidentemente este assunto [as viaturas em desvio de função] deve ser discutido", disse o secretário especial de Corregedoria do Estado, Cid Vasques. A reunião deve reunir o secretário de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida César, a cúpula da Polícia Civil e outros setores administrativos do governo do estado.

Além de avaliar o impacto das denúncias apresentadas pela Gazeta do Povo, a reunião deve ser de tomada de decisões. Vasques, no entanto, deu indícios de que o governo deve optar pela cautela ao tratar dos envolvidos. "Vamos ter que avaliar caso a caso, tentar verificar a procedência de cada denúncia, até para que não sejam cometidas injustiças, e vamos ter que analisar toda a estrutura jurídica para agir", disse o corregedor do estado.

Em uma mensagem postada no Twitter na tarde de sábado [quando a Gazeta do Povo já circulava em Curitiba], o delegado-geral Marcus Vinícius Michelotto, chefe da Polícia Civil, prometeu punições. "Tomarei medidas firmes com relação ao uso de viaturas com fim particular. É inadmissível", disse. A reportagem tentou falar com Michelotto, mas ele não atendeu as ligações.

Filho reproduz mau exemplo do pai delegado

Chefe da Divisão de Infraes­trutura da Polícia Civil, o delegado Benedito Gonçalves Neto é outro integrante do alto comando da corporação que se prevalece do cargo para usar carro oficial com fins particulares. Atualmente, dispõe do Volkswagen Bora placa ATB-8208, que até um mês atrás era usado pelo delegado-geral-adjunto, Francisco José Batista da Costa. Antes, Benedito dispunha do Renault Logan BAO-5563, com o qual a reportagem o flagrou indo às compras no dia 28 de fevereiro.

O delegado saiu do trabalho, seguiu direto até o Mercadorama do bairro Cabral e depois foi para casa, na Rua Belém, a poucas quadras dali. A prática é recorrente e ele usa a viatura descaracterizada para fazer o trajeto de casa para o trabalho, e vice-versa. Benedito tem em seu histórico outros flagrantes de mau uso de carros oficiais, e passa o mal exemplo para familiares.

Dia 4 de junho de 2011, o filho de Benedito, Tiago Tachir Gonçalves, dirigia uma viatura descaracterizada quando foi parado numa blitz do Batalhão de Polícia de Trânsito (Bptran), na Avenida Munhoz da Rocha, no Cabral. Na ocasião, o Renault Logan usava a placa reservada AXA-9407. Tiago não é policial, mas ainda pôs sobre o carro a sirene de polícia numa tentativa de não parar na blitz. Não adiantou. Benedito compareceu tão logo foi chamado pelo filho. O assunto foi encerrado ali mesmo, sem abertura de qualquer instrução pela Corregedoria da Polícia Civil.

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Declarações

"Há meses expedi ofício ao corregedor geral da polícia dizendo que vínhamos recebendo questionamentos ou ponderações de várias pessoas, de promotores, que veículos de uso oficial estavam sendo mal utilizados"

Leonir Batisti, coordenador estadual do Gaeco.

"Tomarei medidas firmes com relação ao uso de viaturas com fim particular. É inadmissível."

Marcus Vinicius Michelotto, delegado geral, via Twíter.

A Corregedoria-geral da Polícia Civil do Paraná já havia sido informada há seis meses que viaturas da corporação vinham sendo usadas para fins particulares. O alerta foi dado por meio de ofício pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público Estadual responsável pelo controle externo das polícias. Nenhuma providência foi adotada, como constatou a reportagem da Gazeta do Povo ao flagrar delegados, escrivães e investigadores usando esses carros oficiais para ir às compras, levar os filhos à escola e até para ir a casas de prostituição.

"Há meses expedi ofício ao corregedor geral da polícia [Paulo Ernesto Araújo Cunha], dizendo que nós vínhamos recebendo questionamentos ou ponderações de várias pessoas, de promotores, que veículos de uso oficial estavam sendo mal utilizados", disse ontem à reportagem o coordenador estadual do (Gaeco), o procurador de Justiça Leonir Batisti. "Isso pode configurar ato de improbidade administrativa. É verdadeiramente ilegal o sujeito pegar o carro que é profissional para levar filho ou filha para escola ou para ir à padaria", ressaltou.

O procurador disse que pediu ao corregedor da Polícia Civil que expedisse um aviso ou recomendação alertando que os veículos são de uso exclusivo para o trabalho policial. "A reportagem vai nos dar o mote para botar o dedo na ferida. Temos lutado contra isso", disse Batisti. O silêncio da Corregedoria explica porque ninguém é punido.

Denúncia ignorada

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Influenciados pelo mau exemplo dos superiores hierárquicos, escrivães e investigadores da Polícia Civil também se sentem autorizados a usar bens públicos conforme suas conveniências. Um caso em especial revela as escaramuças do uso particular de carros oficiais. Incomodado com a cadeirinha de criança instalada no banco traseiro de uma viatura descaracterizada, um policial formalizou dia 10 de janeiro uma denúncia à Ouvidoria Geral do Estado. "Criança também pode ser policial?", ironizou. "Outro dia flagrei duas crianças com mamãe policial nessa mesma viatura."

O veículo em questão é o Renault Clio ALW-4030, que passa as tardes na Rua Barão do Rio Branco, centro de Curitiba. Depois de uma tarde inteira ociosa, estacionada em local proibido, a viatura é retirada às 18 horas, mas não para uma atividade policial. Em meia hora, entra pelo portão do Colégio Santa Maria, no bairro São Lourenço. Mochila às costas, as crianças entram no carro. Em 20 minutos estão em casa. A viatura que falta ao trabalho policial está agora na garagem de Elizabeth Lemos Leal, chefe do Setor de Projetos do Grupo Auxiliar de Planejamento (GAP) da Polícia Civil.

Essa é a rotina da viatura que deveria estar a serviço do cidadão, com a ciência do alto comando da Polícia Civil, conforme revela documento secreto repassado à reportagem por um informante lotado na Corregedoria. A denúncia feita pelo investigador foi levada à Ouvidoria da Polícia Civil, transitou por outros dois setores até chegar ao chefe da Divisão de Infraestrutura, delegado Benedito Gonçalves Neto, depois ao corregedor geral da Polícia Civil, delegado Paulo Ernesto Araújo Cunha, e por fim ao chefe do GAP, delegado Luciano de Pinho Tavares.

Depois desse trâmite, em 17 de fevereiro Luciano pediu uma resposta a Elizabeth. Ela disse que passou a usar a viatura em maio de 2011, quando assumiu o Setor de Projetos. Ressaltou que essa e outra viatura, um Gol, estão à disposição do GAP para qualquer servidor usar quando for de "interesse laboral, mediante sempre da autorização da chefia". Na defesa, escreveu: "Em momento algum transportei cadeirinhas de crianças, bem como estas dentro da viatura nos momentos que as utilizei". Um dia depois, 24 de fevereiro, o chefe do GAP se manifestou.

"Não acredito que a mesma [Elizabeth] tenha em algum momento utilizado uma ‘cadeirinha de criança’ na viatura, pois é uma servidora responsável, cumpridora de seus deveres, não tendo esta chefia nenhuma reclamação contra a mesma, ao contrário, só posso tecer elogios, tendo em vista o comportamento ético e exemplar demonstrado pela servidora policial civil", diz o despacho do delegado à Corregedoria. A resposta não poderia ser diferente, sendo ele um dos responsáveis pelo mau exemplo no uso de carros oficiais.

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O delegado Luciano de Pinho Tavares usa em seu proveito próprio o Gol BBM-3153, o delegado Benedito Gonçalves Neto usa o Logan BAO-5563, o corregedor Paulo Ernesto Araújo Cunha usa o Renault Fluence ASE-7620. Assim, tudo voltou à normalidade, como revelam os seis flagrantes que a reportagem registrou de Elizabeth. A viatura continua ociosa, para as 18 horas ir buscar as crianças na escola e passar a noite na garagem de Elizabeth, numa rotina que se repete dia após dia.

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