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Inclusão

Índios combatem o preconceito

Mais confiante e com mais amigos, a caingangue Vani Honório Maciel comemora o emprego que conseguiu há três anos em uma fabricante de fogões em Pato Branco: “São duas conquistas, como mulher e como índia” | Fotos: Hugo Harada/ Gazeta do Povo
Mais confiante e com mais amigos, a caingangue Vani Honório Maciel comemora o emprego que conseguiu há três anos em uma fabricante de fogões em Pato Branco: “São duas conquistas, como mulher e como índia” (Foto: Fotos: Hugo Harada/ Gazeta do Povo)
Cacique Kokoj reclama de que muitos

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Cacique Kokoj reclama de que muitos

Mesmo formado em Pedagogia, Florêncio Fernandes diz que ainda sente preconceito |

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Mesmo formado em Pedagogia, Florêncio Fernandes diz que ainda sente preconceito

A pergunta sobre a existência de preconceito contra o índio feita ao cacique Valdir José Kokoj dos Santos gera um "sim" como resposta e vários argumentos para mudar essa realidade. "Temos mais de 20 índios com ensino superior", diz. "Vários produzindo fogões que são mandados para outros países", acrescenta. "Hoje os índios têm Sky [tevê a cabo] e querem assistir aos programas", amplia a resposta, completando que muitos "brancos" ainda não veem os índios como cidadãos.O cacique é responsável por uma das maiores áreas indígenas do Paraná. A Terra Indígena de Mangueirinha reúne cerca de 2 mil índios caingangue e guarani em uma área de 17 mil hectares entre os municípios de Man­guei­rinha, Chopinzinho e Co­­ronel Vivida, no Centro-Sul do estado. Ao mesmo tempo em que tentam manter suas tradições históricas, muitos caingangues buscam a inserção na sociedade.

Para esse objetivo, o ingresso ao mercado de trabalho é peça fundamental e 80 deles participam de uma iniciativa apontada como modelo. Diariamente, o grupo sai da área onde vive e vai de ônibus até a cidade vizinha de Pato Branco trabalhar na Atlas Eletrodomésticos, a terceira maior fabricante de fogões a gás do país. Devido à escassez de trabalhadores, a empresa procurou em 2008 por mão de obra indígena. Superado o receio inicial, 20 índios foram chamados e logo viram os resultados, com alta integração, regularidade e gosto pelo que fazem.

"Para mim são duas conquistas, como mulher e como índia", diz a trabalhadora Vani Honório Maciel, 30 anos, sobre a conquista do primeiro emprego. Ela trabalha na empresa há três anos e diz que nesse período ficou mais confiante em si mesma, fez muitos amigos e equipou a casa com estante, guarda-roupa, aparelho de som. Para o operário Itamar Luiz dos Santos, 24 anos, a conquista teve um gosto a mais: o aprendizado de informática. "Fiz uma conta de e-mail e comecei a procurar sobre as aldeias e vi um vídeo da minha prima", conta ele, que pensa em cursar Engenharia Ambiental no futuro.

Os funcionários trabalham oito horas por dia e recebem em média R$ 726 por mês. Segundo o cacique, os benefícios da ocupação são visíveis em várias áreas, inclusive com a redução do alcoolismo nas aldeias. O impacto também ocorre no comércio da cidade de Mangueirinha, para onde se dirige dez vezes por mês o ônibus da comunidade, levando trabalhadores ávidos por compras.

Ensino

Além do ingresso no mercado de trabalho, a continuidade nos estudos é incentivada. A artesã Judite Fernandes, 55 anos, por exemplo, cursou até a 3.ª série do ensino fundamental na juventude e agora está retomando os estudos. "Sempre disse para meus filhos estudarem", afirma. O filho Florêncio é um dos que seguiram o conselho da mãe e conseguiu se formar em Pedagogia. Hoje ele afirma, com muito orgulho, ser o único pedagogo indígena da rede estadual concursado no Paraná. E o preconceito? "Sofre preconceito até eu que já sou formado", diz. "Eles falam num tom como se o índio não tivesse condição de fazer faculdade." Sinal de que a sociedade como um todo tem de avançar mais.

Caingangues sofrem dupla exclusão

Os índios representam segmentos pobres e marginalizados da nos­­sa sociedade, mostram especialistas que se debruçam sobre o te­­ma. O professor doutor do curso de An­­tropologia da Uni­­ver­sidade Fe­­deral do Paraná Ricardo Cid Fer­­nandes, que estuda grupos indígenas há 15 anos, sustenta que os cain­­gangues vivem uma dupla exclusão. "Não são nem índios nem se enquadram na categoria brancos. É uma dupla exclusão", aponta. "Estamos em dívida com esse aspecto da nossa própria cultura."

Segundo Fernandes, a situação dos índios tem de ser analisada levando-se em conta aspectos econômicos, políticos e sociais. No caso dos caingangues, eles ingressam na história como frente pacificadora no processo de tensão entre o índio arredio e o branco, vivendo até hoje esse dilema do processo civilizatório, aponta Fernandes. O professor explica que hoje os índios se colocam em uma perspectiva de alcançar espaços na sociedade e se manifestar.

O engenheiro agrônomo indigenista Edívio Battistelli, com 34 anos de atividade na área, observa que nas últimas duas décadas a informação chega a uma velocidade muito rápida aos índios. "Evidentemente que isso balança muito a cultura tradicional, não que deixam de ser índios, mas para acessar a vida nacional precisam ampliar conhecimentos." Ele revela que é preciso trabalhar em duas vertentes. De um lado o fortalecimento de valores étnicos "para não morrer como povo" e do outro ampliar conhecimentos para competir em nível de igualdade com a sociedade nacional.

Desafios

Com relação a políticas públicas, Battistelli aponta a necessidade de ações nas áreas de habitação indígena, demarcação de terras, continuidade dos avanços nas áreas de educação e saúde e reflorestamento em áreas degradadas. Aponta ainda a necessidade de distribuição do imposto ecológico entre as comunidades e que os anseios delas sejam ouvidos. Também destaca a importância de incentivos para que outras empresas no Paraná possam oferecer oportunidades aos índios na região em que estão inseridos.

"O desafio é gerar oportunidades compatíveis com a aptidão e manifestação da vontade indígena", afirma. Para ele, a grande mudança irá ocorrer pela educação, que "tem de ser forte nas aldeias". Nesse sentido, o pedagogo indígena Florêncio Rekayg Fernandes, que mora na Terra Indígena de Mangueirinha, trabalha a cultura de seu povo em paralelo nas disciplinas escolares, além de projetos de contraturno escolar que resgatam lendas, mitos, cânticos e a história dos caingangues.

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