A pergunta sobre a existência de preconceito contra o índio feita ao cacique Valdir José Kokoj dos Santos gera um "sim" como resposta e vários argumentos para mudar essa realidade. "Temos mais de 20 índios com ensino superior", diz. "Vários produzindo fogões que são mandados para outros países", acrescenta. "Hoje os índios têm Sky [tevê a cabo] e querem assistir aos programas", amplia a resposta, completando que muitos "brancos" ainda não veem os índios como cidadãos.O cacique é responsável por uma das maiores áreas indígenas do Paraná. A Terra Indígena de Mangueirinha reúne cerca de 2 mil índios caingangue e guarani em uma área de 17 mil hectares entre os municípios de Mangueirinha, Chopinzinho e Coronel Vivida, no Centro-Sul do estado. Ao mesmo tempo em que tentam manter suas tradições históricas, muitos caingangues buscam a inserção na sociedade.
Para esse objetivo, o ingresso ao mercado de trabalho é peça fundamental e 80 deles participam de uma iniciativa apontada como modelo. Diariamente, o grupo sai da área onde vive e vai de ônibus até a cidade vizinha de Pato Branco trabalhar na Atlas Eletrodomésticos, a terceira maior fabricante de fogões a gás do país. Devido à escassez de trabalhadores, a empresa procurou em 2008 por mão de obra indígena. Superado o receio inicial, 20 índios foram chamados e logo viram os resultados, com alta integração, regularidade e gosto pelo que fazem.
"Para mim são duas conquistas, como mulher e como índia", diz a trabalhadora Vani Honório Maciel, 30 anos, sobre a conquista do primeiro emprego. Ela trabalha na empresa há três anos e diz que nesse período ficou mais confiante em si mesma, fez muitos amigos e equipou a casa com estante, guarda-roupa, aparelho de som. Para o operário Itamar Luiz dos Santos, 24 anos, a conquista teve um gosto a mais: o aprendizado de informática. "Fiz uma conta de e-mail e comecei a procurar sobre as aldeias e vi um vídeo da minha prima", conta ele, que pensa em cursar Engenharia Ambiental no futuro.
Os funcionários trabalham oito horas por dia e recebem em média R$ 726 por mês. Segundo o cacique, os benefícios da ocupação são visíveis em várias áreas, inclusive com a redução do alcoolismo nas aldeias. O impacto também ocorre no comércio da cidade de Mangueirinha, para onde se dirige dez vezes por mês o ônibus da comunidade, levando trabalhadores ávidos por compras.
Ensino
Além do ingresso no mercado de trabalho, a continuidade nos estudos é incentivada. A artesã Judite Fernandes, 55 anos, por exemplo, cursou até a 3.ª série do ensino fundamental na juventude e agora está retomando os estudos. "Sempre disse para meus filhos estudarem", afirma. O filho Florêncio é um dos que seguiram o conselho da mãe e conseguiu se formar em Pedagogia. Hoje ele afirma, com muito orgulho, ser o único pedagogo indígena da rede estadual concursado no Paraná. E o preconceito? "Sofre preconceito até eu que já sou formado", diz. "Eles falam num tom como se o índio não tivesse condição de fazer faculdade." Sinal de que a sociedade como um todo tem de avançar mais.
Caingangues sofrem dupla exclusão
Os índios representam segmentos pobres e marginalizados da nossa sociedade, mostram especialistas que se debruçam sobre o tema. O professor doutor do curso de Antropologia da Universidade Federal do Paraná Ricardo Cid Fernandes, que estuda grupos indígenas há 15 anos, sustenta que os caingangues vivem uma dupla exclusão. "Não são nem índios nem se enquadram na categoria brancos. É uma dupla exclusão", aponta. "Estamos em dívida com esse aspecto da nossa própria cultura."
Segundo Fernandes, a situação dos índios tem de ser analisada levando-se em conta aspectos econômicos, políticos e sociais. No caso dos caingangues, eles ingressam na história como frente pacificadora no processo de tensão entre o índio arredio e o branco, vivendo até hoje esse dilema do processo civilizatório, aponta Fernandes. O professor explica que hoje os índios se colocam em uma perspectiva de alcançar espaços na sociedade e se manifestar.
O engenheiro agrônomo indigenista Edívio Battistelli, com 34 anos de atividade na área, observa que nas últimas duas décadas a informação chega a uma velocidade muito rápida aos índios. "Evidentemente que isso balança muito a cultura tradicional, não que deixam de ser índios, mas para acessar a vida nacional precisam ampliar conhecimentos." Ele revela que é preciso trabalhar em duas vertentes. De um lado o fortalecimento de valores étnicos "para não morrer como povo" e do outro ampliar conhecimentos para competir em nível de igualdade com a sociedade nacional.
Desafios
Com relação a políticas públicas, Battistelli aponta a necessidade de ações nas áreas de habitação indígena, demarcação de terras, continuidade dos avanços nas áreas de educação e saúde e reflorestamento em áreas degradadas. Aponta ainda a necessidade de distribuição do imposto ecológico entre as comunidades e que os anseios delas sejam ouvidos. Também destaca a importância de incentivos para que outras empresas no Paraná possam oferecer oportunidades aos índios na região em que estão inseridos.
"O desafio é gerar oportunidades compatíveis com a aptidão e manifestação da vontade indígena", afirma. Para ele, a grande mudança irá ocorrer pela educação, que "tem de ser forte nas aldeias". Nesse sentido, o pedagogo indígena Florêncio Rekayg Fernandes, que mora na Terra Indígena de Mangueirinha, trabalha a cultura de seu povo em paralelo nas disciplinas escolares, além de projetos de contraturno escolar que resgatam lendas, mitos, cânticos e a história dos caingangues.