Aquela emblemática cena de família em que pais e filhos se reúnem em torno da mesa está ficando cada vez mais rara. Nos últimos 20 anos, os lares brasileiros vêm ganhando uma nova feição. As grandes e numerosas famílias estão saindo de cena e dando lugar aos chamados "ninhos vazios", domicílios onde residem apenas casais sem filhos, e que hoje são 13,7% dos domicílios brasileiros e 14,5% dos paranaenses.
O fenômeno resulta da combinação de mudanças na maternidade (muitos casais esperam mais tempo para ter filhos, ou excluem a gestação de seus planos) e na evolução da educação e da renda, que permitem a muitos jovens sairem de casa para estudar e trabalhar.
Os números do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a quantidade de casais sem filhos vem crescendo em um ritmo maior do que a formação de novos lares. Entre 1991 e 2010, o porcentual de casais que passaram a viver sem filhos aumentou 92,4% em todo o Brasil, enquanto o total de domicílios foi incrementado em pouco mais da metade desse porcentual, 52,8%. No Paraná o crescimento foi menor, mas nem por isso menos representativo. O estado ganhou mais de 200 mil casais sem filhos, um incremento de 82,6%.
Em muitos dos lares contabilizados pelo IBGE, a presença solitária do casal não é exatamente uma opção. Filha única, Larissa Martinez Papa chegou a Curitiba em 2009, vindo de Apucarana, na Região Norte do estado, e deixou os pais vivendo sozinhos no interior. Na capital, onde divide apartamento com duas amigas, cursa Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Sempre quis estudar na [Universidade] Federal. Em Apucarana não há muitas opções de cursos superiores", justifica a jovem, que pretende permanecer na cidade depois de formada. Ela visita os pais periodicamente. "Eles não gostaram muito da ideia de eu morar longe, mas entenderam a minha decisão."
O caso de Larissa ilustra uma situação recorrente em municípios menores. Com menos oportunidades estudantis e profissionais, muitos jovens se deslocam para cidades maiores, deixando os pais sozinhos. Os números do Censo apontam que, à medida que aumenta a faixa populacional, diminui a incidência de casais sem filhos. Os municípios com até 5 mil habitantes concentram o maior porcentual, de 25,3% dos núcleos familiares (domicílios habitados por mais de uma pessoa), enquanto naqueles de 100 mil a 500 mil moradores, esse índice é de 21,1%.
Modelo familiar
Demógrafo e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves observa que, por terem menos filhos e uma expectativa de vida maior, os pais de hoje se veem morando sozinhos mais cedo. O que chama mais a atenção, contudo, é a quantidade de casais que optam por não ter filhos. "Antes o homem trabalhava e a mulher ficava em casa. Hoje há um novo modelo familiar, em que os dois estão no mercado de trabalho. Muitos preferem priorizar a carreira, viajar e acabam não tendo filhos."
Esse novo modelo passa por uma revisão nos valores da família, conforme aponta a psicanalista Rosa Maria Mariotto, professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). "O lugar da mulher se modificou muito. Hoje ela não se realiza apenas com o sonho de ser mãe, mas pela via do trabalho e da carreira profissional. Esse novo lugar faz com que a maternidade seja adiada ou até mesmo excluída da vida conjugal."
O projeto Retratos Paraná, iniciado em 26 de setembro, traz reportagens sobre aspectos sociais e econômicos de diversas cidades do estado. Confira todo o conteúdo e um banco de dados on-line em www.gazetadopovo.com.br/retratosparana