A área conhecida como "buraco" trouxe uma nova realidade à cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Centro-Sul paranaense. De incômodas no início, as pessoas que lá viviam passariam a ser vistas anos mais tarde como responsáveis pelo crescimento da cidade, aumentando a população, criando empregos e movimentando o comércio.Era no "buraco" que ficavam acampados em 1996 os membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que reivindicavam a desapropriação da fazenda Giacomet-Marodim, também conhecida como Araupel. O número de famílias na área chegou a 3 mil e o acampamento se tornou o maior do Sul do Brasil. "Tínhamos 5 mil pessoas em Rio Bonito e entraram 10 mil. De repente amanhecemos com 15 mil habitantes", lembra o prefeito Sezar Bovino sobre as dificuldades no início da ocupação.
Após uma onda de violência que culminou na morte de dois membros dos sem-terra, a área foi desapropriada em 1998 e foram alocadas 1,5 mil famílias em três assentamentos. Nasciam ali a "nova" Rio Bonito, como hoje é popularmente conhecida essa região, e mais desafios. Era preciso abrir estradas, construir escolas, organizar linhas de transporte escolar e levar energia elétrica a todos, além de outras demandas urbanas. Segundo o prefeito, o trabalho de melhoria da infraestrutura, iniciado em 1996, deve ser concluído até o fim do primeiro semestre de 2012.
A cidade tem o maior número de assentados no estado. Atualmente os assentamentos contam com dez escolas, dois postos de saúde e diversos centros comunitários e espaços de lazer. A maioria dos moradores tem uma boa qualidade de vida. Segundo Danilo Ferreira de Almeida, que faz parte da coordenação, poucos assentados recebem Bolsa Família, metade dos alunos tem acesso a universidades públicas e a maioria conta com veículo próprio. Segundo estudo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cada família assentada na cidade recebe em média três salários mínimos.
Mudança
Aos poucos, a imagem negativa dos assentados foi perdendo força. Hoje o comércio sabe, por exemplo, que a partir das 16 horas, quando param de circular os ônibus que levam os moradores dos assentamentos, as vendas caem. "Os assentados dão uma contribuição muito grande e 70% dos clientes são do assentamento. Foi uma coisa muito boa para a cidade", diz o comerciante Gilmar Kruger, que vende eletrodomésticos. A força dos novos moradores veio também pelo voto: dos nove vereadores da cidade, três são do assentamento.
A renda dos assentados vem da agricultura e pecuária, com a produção de milho, soja, feijão e leite. O produtor rural Roque Adriano Werle garante uma renda mensal de R$ 10 mil. "Hoje está bom. A pessoa vai à cidade e é reconhecida como gente", diz o produtor, que morou no Paraguai e chegou a Rio Bonito apenas de "mala e cuia".
Irregularidades
No entanto, alguns problemas são relatados por moradores. O primeiro deles é o desmatamento registrado no passado. Calcula-se que desde o início do acampamento foram devastados 10 mil hectares. Depois vêm as reclamações de violência e venda irregular de lotes.
Segundo superintende do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes, estão sendo feitas ações de licenciamento ambiental e de reflorestamento. Com relação à venda de lotes, ele afirma que o posicionamento é intolerante à comercialização e está sendo feita uma varredura em todos os assentamentos. Quanto à violência, diz não ter registros e afirma que é mínima.
Pesquisa aponta os avanços e os desafios
A maioria das moradias dos assentamentos no Brasil é de alvenaria, tem mais de cinco cômodos, acesso suficiente à água e algum tipo de tratamento de dejetos. Esse é o perfil dos assentados mapeado no fim do ano passado em uma pesquisa coordenada pelo Incra. O estudo mostrou ainda que para a maioria deles a qualidade de vida melhorou após o acesso à terra.
No entanto, a saúde e infraestrutura estão entre os aspectos que precisam ser melhorados: 57% das famílias informaram descontentamento com a condição das estradas e via de acesso aos lotes e 56% das famílias estão descontentes com o acesso a hospitais e postos de saúde. A educação também é um desafio e o principal problema está no ensino médio e superior, com acesso dos assentados inferior a 10%.