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Sobreviventes do Holocausto

Elas foram obrigadas a trabalhar para os nazistas

Sara também fez trabalhos forçados: um deles era costurar os uniformes rasgados dos alemães. "Ficava feliz porque sabia que eles estavam perdendo a guerra." | Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
Sara também fez trabalhos forçados: um deles era costurar os uniformes rasgados dos alemães. "Ficava feliz porque sabia que eles estavam perdendo a guerra." (Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo)
Stefânia morava na Polônia e foi obrigada a fazer trabalhos forçados. Trabalhou numa fábrica que só no fim da guerra ela soube que era de armamentos |

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Stefânia morava na Polônia e foi obrigada a fazer trabalhos forçados. Trabalhou numa fábrica que só no fim da guerra ela soube que era de armamentos

Quando ficou no campo de concentração, Stefânia ficou doente e os policias a jogaram na

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Quando ficou no campo de concentração, Stefânia ficou doente e os policias a jogaram na

Stefânia não falava alemão e conta que era muito difícil entender o que os policiais queriam dizer |

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Stefânia não falava alemão e conta que era muito difícil entender o que os policiais queriam dizer

A comida que Stefânia recebia no campo era uma sopa aguada com um pedaço bem pequeno de pão |

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A comida que Stefânia recebia no campo era uma sopa aguada com um pedaço bem pequeno de pão

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Sara é judia e lembra do dia em que o pai teve de raspar a barba e cortar o cabelo para não ser fisicamente reconhecido pelos alemães.

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Sara é judia e lembra do dia em que o pai teve de raspar a barba e cortar o cabelo para não ser fisicamente reconhecido pelos alemães.

Sara teve de viver em um gueto com a família |

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Sara teve de viver em um gueto com a família

O pai de Sara foi levado para campo de extermínio, assim como vários outros parentes |

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O pai de Sara foi levado para campo de extermínio, assim como vários outros parentes

Sara guarda em casa todos os retratos da família, inclusive do tempo que viviam na Polônia |

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Sara guarda em casa todos os retratos da família, inclusive do tempo que viviam na Polônia

O pai de Sara tirou a barba para fugir da perseguição

No dia em que decidiu sair de casa com a tia e a prima para fugir dos alemães que há dois dias ocupavam a cidade de Wadowice (Polônia), Sara Goldstein levou um susto. "Tinha um homem sentado na parte de fora da nossa casa, sem barba nem nada, e eu logo perguntei quem era. A surpresa foi saber que era meu pai. Nem eu pude reconhecê-lo", conta. O pai de Sara era muito religioso e, por ser judeu, costumava usar trajes típicos e a barba longa. Na noite anterior, porém, cabeleireiros passaram de casa em casa oferecendo seus serviços aos judeus que quisessem eliminar qualquer traço físico característico da religião, evitando, assim, que eles fossem visualmente identificados pelos nazistas. "Soubemos, depois, que os alemães chegavam até a apagar cigarros na barba dos judeus", comenta Sara.

Passado o susto, ela se despediu do pai e das três irmãs e seguiu com a tia para a Rússia. Era a única de casa que queria fugir. A tentativa, contudo, foi frustrada por um ataque feito pelos alemães após percorrer 40 quilômetros de trem. "Não sabia que tinha militares poloneses nos últimos vagões. Só sei que, quando voltei ao trem, me perdi da minha tia." Com a perna machucada, Sara pediu a um homem água para lavar o ferimento. "Ele me deu vodca. Imagine a dor." O trem tevede retornar quando a viagem foi barrada por outro grupo de alemães. Ela foi obrigada a descer.

Sara, então, decidiu retornar a Cra­­cóvia. Para isso, teve de fazer o percurso de carroça (quando conseguia carona) ou a pé. Lá, encontrou conhecidos que comentaram que a irmã a procurava. "Já não adiantava mais tentar fugir, os alemães haviam cercado tudo. O jeito foi voltar para casa." Logo começaram as perseguições. Primeiro, Sara e as irmãs foram obrigadas a trabalhar em uma fábrica de costura. Ainda podiam voltar à noite para dormir em casa. Foi assim durante um ano. "Cos­turávamos capas de chuva. Um dia veio um monte de uniformes alemães cheios de sangue. Era para fecharmos os buracos de bala. Fizemos o trabalho com felicidade."

Da casa de Sara, a uns 500 metros estava o trilho do trem. E da cidade onde mo­­rava, a 25 quilômetros, estava Auschwitz. Essa localização geográfica da residência permitiu a ela observar o movimento intenso dos trens. "Quando os alemães invadiram a França, alguns franceses foram levados para Auschwitz. Eles passaram ao lado de onde eu morava." O clima piorou quando todos os judeus do pequeno município foram levados para o gueto. Os rapazes foram os primeiros a ter de deixar as famílias para ir ao campo de trabalho forçado. Um dia, os alemães entraram no gueto com uma lista de 100 meninas que deveriam ser levadas dali. O nome de Sara estava lá. "Fiz minha trouxa e fui. Achei que eu fosse morrer e, no fim, morreram os que ficaram." O pai de Sara, as irmãs e os outros, com a extinção do gueto, foram levados para Auschwitz, onde foram mortos.

Trabalho forçado

Sara foi levada para trabalhar em uma fábrica de fios na Alemanha. Dormia no campo, junto com outra menina, em uma cama, conta ela, mais estreita que um sofá. "Às vezes a linha da máquina arrebentava e eu tinha de enfiar minha mão lá para consertar. Meu braço ficava cheio de sangue até o cotovelo e não tinha mais como trabalhar. Uma vez me afastei da máquina e um soldado logo veio chamar minha atenção. Ainda bem que não apanhei."

Nas condições insalubres em que passou a viver, Sara acabou com pneumonia e febre de 40 graus. Até hoje, só 2/3 dos pulmões funcionam. Ela foi levada para um quarto com outras meninas doentes. "Lembro que os alemães colocaram cobertores nas janelas para nós não vermos que eles estavam fugindo. Os soviéticos se aproximavam." Para escapar, os soldados alemães trocaram os uniformes pelas roupas das jovens que estavam no campo. "Eu escutava da cama as meninas cantando o hino de Israel. Depois vi que elas tinham colocado fogo nos uniformes deixados pelos nazistas." Sara voltou para a casa do pai de trem, estava tão mal vestida que um soldado russo a ajudou. "Pensávamos que encontraríamos alguma coisa na nossa cidade, mas o que a gente viu lá não dá para contar." Ela permaneceu mais um tempo na Polônia, casou e veio com o marido ao Brasil, porque ele tinha parentes que viviam aqui.

Até hoje existem duas coisas que a perturbam. Uma é a coincidência de ela ter nascido em 1923 e ter tido o número 23 no seu número de prisioneira. A outra, para a qual já fez tratamento, tomou remédios, mas de nada adiantou é que, durante os sonhos, relembra tudo o que se passou no campo de trabalho forçado no dia em que seu pai fora morto. Ela não viu o pai ser capturado, mas no pesadelo recorrente ela observa o pai deitado no chão com as pernas amarradas como se fosse uma galinha e gritando muito. Ela o desamarra e ele se cala. Sara para um segundo e se pergunta: "Não seria esse o último contato que ele fez comigo?"

Stefânia ficou doente e foi arremessada com os mortos

Logo que foi pega pelos alemães para trabalho forçado, Stefânia Wojtyca percebeu que a vida dali em diante ficaria nas mãos de Deus. Levaram-na de uma pequena vila na Polônia para um campo de passagem (onde os prisioneiros ficavam temporariamente). Ela era mão de obra polonesa e jovem que preencheria as vagas nas fábricas que foram abandonadas pelos trabalhadores alemães logo que a Segunda Guerra Mundial começou.

Nesse campo, lhe cortaram os cabelos compridos e lhe arrancaram os coturnos forrados que a protegiam do frio. Os pés desprotegidos começaram a apresentar feridas por causa do inverno rigoroso e Stefânia logo recebeu o diagnóstico: estava com pneumonia. A febre não cessava e ela acabou sendo jogada em um barracão onde eram depositados os cadáveres que seriam transportados de caminhão. "Fui parar em um lugar parecido com um necrotério. Lembro-me de terem me jogado ao lado e por cima dos mortos. Eu desmaiei. Mas não tenho ideia de como, depois, saí de lá. Até hoje paro e fico me perguntando quem me salvou", diz.

Ela se recorda que acordou num dos quartos do campo e que ainda se recuperava da pneumonia quando teve de pegar um caminhão junto com as outras meninas para ir à Alemanha. Trabalharia em uma fábrica de metalurgia. "Só depois que a guerra acabou descobri que o que eu fazia lá era tornear pedaços de munição. Eu estava em uma fábrica de munições e armamentos nazistas. Mas, como cada um tinha de cuidar de uma pecinha, e conversar era expressamente proibido, não tínhamos ideia do que produzíamos."

A fábrica ficava a três quilômetros de onde Stefânia dormia, no campo de concentração. Toda manhã, era acordada por uma sirene, vestia-se rápido, não ganhava nada para forrar o estômago que lhe doía de fome e seguia marchando até o trabalho. A fila, diz ela, tinha de ser mais reta que um barbante esticado. "Se você saía um pouco da linha, os soldados já te batiam e os cachorros latiam e avançavam." Na hora do almoço, tomava, em pé, uma sopa rala de casca de batata e beterraba branca, acompanhada de um pedaço minúsculo de pão. "A disciplina era cobrada à risca, como se fosse um quartel."

Quando soube que as en­­fermeiras ganhavam um pouco mais de comida, Stefânia tratou de passar para a enfermaria. Em vez de um prato de sopa, ganhava dois. "Tinha muita gente machucada que ia para lá. Até parto eu fiz", conta.

Casamentos

No final da guerra, ela foi solta e conseguiu retornar para a Polônia, onde ficou num campo de refugiados. Ali, presenciou um casamento atrás do outro e, em um deles, encontrou o homem que iria se tornar seu marido. "No final da guerra todo mundo queria achar alguém para viver junto e fugir dali. Todo dia tinha festa." O marido de Stefânia foi quem a incentivou a vir ao Brasil. "Ele achava que por aqui escorria mel pelas ruas e que a vida seria mais fácil. Estava enganado, porque aqui a vida também foi difícil."

Já no final da entrevista, a polonesa faz questão de mostrar o que um soldado nazista lhe deu quando foi rendido pelo exército americano. São fotos de campos de trabalho e de pessoas mortas e empilhadas. "Os nazistas tiravam fotografias de todas as barbaridades que cometiam. Isso aqui vou guardar pra sempre."

Sobreviventes do Holocausto

VIDA E CIDADANIA | 6:13

Ela foi arrancada de casa junto com o pai e as irmãs e levada para um gueto. Depois, acabou em um campo de trabalho forçado. O pai foi levado para Auschwitz. Até hoje ela sonha com ele sendo maltratado e não consegue dormir.

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