A bandeira do Haiti cobre parte de uma das paredes do quarto de Gregoire Souffrant. Todos os dias, antes de sair para o trabalho, ele beija o símbolo de sua terra, para onde planeja voltar. Há dois anos no Brasil, o haitiano foi das expectativas à frustração. “Se eu soubesse que ia ser assim, eu não tinha vindo”, resume.
Desde que chegou ao Brasil, Souffrant passou por cinco empregos – três deles, com carteira assinada. Sempre ganhou pouco mais de um salário mínimo e, apesar do dinheiro escasso, sonhava em trazer a namorada Sandra, de 26 anos, que ficou no Haiti. Ele sempre carrega fotos da jovem no bolso, como forma de amenizar as saudades. “Eu quero trazer ela, porque sinto muita saudade. A gente tem que formar uma família, como Deus manda”, disse o jovem – que é evangélico e sempre faz citações religiosas –, em outubro do ano passado, em uma das conversas com a reportagem ao longo do último ano.
Veja as fotos do dia a dia de Gregoire Souffrant
Haitianos começam a desistir do sonho brasileiro
Leia a matéria completaPouco a pouco, as privações foram minando as esperanças do haitiano. Do salário de R$ 1 mil que hoje recebe para trabalhar em um box do Ceasa, nada sobra para mandar para a mãe, quatro irmãos e 16 meios-irmãos, que vivem em Verrettes, no Haiti. Vai trabalhar sem tomar café da manhã e, quando há comida, prepara uma única refeição por dia. Quando não há, come apenas o lanche servido no trabalho. “Não dá pra viver. No Brasil, quem fica rico é só o dono [da empresa]. Para o haitiano, é só sofrimento”, afirmou, em fevereiro deste ano, quando começou a pensar em voltar à terra natal.
Golpes
A Gazeta do Povo começou a acompanhar Souffrant em setembro do ano passado, pouco depois de ele ter passado por um caso traumático: o rapaz foi vítima de uma série de injúrias raciais e de agressões no ambiente de trabalho. Antes disso, uma empresa havia dado um calote no haitiano (na segunda-feira, a Gazeta do Povo trará novos detalhes sobre essa parte da trajetória de Souffrant).
Ao longo do último ano, Souffrant morou em dois lugares. Até fevereiro deste ano, dividiu uma quitinete, localizada no 4.º andar de uma espécie de cortiço escuro e apertado, no Tatuquara, região Sul de Curitiba. “Eu não gostava de lá. Tinha muita bagunça, uso de drogas e fedia”, disse. Em seguida, o rapaz se mudou para um anexo no subsolo de uma casa no mesmo bairro. Quase não há mobília e os poucos eletrodomésticos usados foram doados.
Mesmo diante das dificuldades, Souffrant é, na maior parte das vezes, um jovem risonho e bem humorado. No Ceasa, é reconhecido pelos funcionários e colegas a cada entrega de legumes, verduras e frutas que entrega para os caminhões dos supermercados que chegam ao local. “Lá vem o calulo [jiló, na língua creóle]”, gritam os colegas. Muitos dos haitianos que passam pelo Ceasa acabam ensinando uma palavra ou outra para os brasileiros. Conhecido também como Corintiano, time que adotou no Brasil para torcer, ele se entrosou completamente ao ambiente do trabalho atual.
“Fechar as portas”
A escassez de vagas no mercado de trabalho já faz com que haitianos que estão no Brasil defendam medidas mais restritivas, como fechar as portas do país para os novos haitianos. “O Brasil precisava fechar as portas, porque tem muito haitiano e pouco trabalho. Devia ser assim: quem já está aqui, fica. Quem não está, não entra mais”, disse Jean Claude Avreius, de 31 anos, que estava no Brasil havia nove meses quando falou à reportagem e nunca havia conseguido emprego no Brasil. Com sorte, naquele mesmo dia, foi contratado por uma madeireira, mas não mudou de opinião.