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A tecnologia não é neutra, e os governos deveriam tomar medidas legais mais incisivas para impedir que as grandes empresas como o Google e o Facebook violem a privacidade e os direitos individuais das pessoas. Essa foi a conclusão de um painel sobre o poder da chamada “big tech”, nesta quinta (24), segundo dia da Acton University, um evento internacional que debate os princípios de uma sociedade livre.
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O debate reuniu James Poulos, editor da revista The American Mind, Declan Ganley, CEO da Rivada Networks, e Shalini Kantayya, uma cineasta que produziu um documentário sobre os vieses dos algoritmos de reconhecimento facial.
“Eu fiquei assustada quando descobri a extensão com que os seres humanos estão terceirizando a tomada de decisões para máquinas, de uma maneira que altera vidas e modifica o destino das pessoas”, disse Shalini. O filme "Coded Bias", dirigido por ela, foi um dos premiados do Festival de Sundance no ano passado. Shalini afirmou que, hoje, existe um sistema invisível decidindo, em alguns casos, “quem é contratado, quem vai para a faculdade e até mesmo a duração de sentenças judiciais”. Um dos problemas apresentados por ela neste documentário é o fato de que esses sistemas muitas vezes carregam vieses e preconceitos, embora sejam pretensamente neutros.
Poulos, por sua vez, afirmou que o problema criado pelo uso cada vez maior da inteligência artificial vai muito além das distorções apontadas no documentário. “Nós não devemos nos concentrar com a discussão sobre quem é colocado numa posição mais alta pelo algoritmo. O que nós precisamos fazer é restaurar a responsabilidade humana sobre essas tecnologias e preservar nossa habilidade de tomar decisões e lidar uns com os outros face a face”, disse ele.
Os participantes do painel afirmaram ainda que um dos maiores desafios para os legisladores é a concentração de um poder desproporcional nas mãos de poucas grandes empresas de tecnologia - o que, para eles, configura um cartel.
Ganley também chamou atenção para um complicador: além das grandes empresas americanas por vezes adotarem políticas nebulosas quanto ao uso de dados pessoais, a situação pode se tornar ainda mais preocupante com o avanço do 5G. Ganley lembrou que a China se preparou para tomar a dianteira no desenvolvimento da tecnologia.
“Uma das minhas maiores preocupações é que essas tecnologias vão operar em plataformas desenvolvidas e mantidas em servidores que operam de acordo com as leis e a infraestrutura do Partido Comunista Chinês”, disse ele. Na opinião de Ganley, o domínio chinês nesse campo traria um "enorme problema de segurança cibernética e privacidade".
Soluções legais
Os participantes do painel concordaram que a proteção da privacidade e dos direitos individuais dos usuários depende de legislações que coíbam a formação de cartéis no campo da tecnologia e estabeleçam normas mais claras sobre o destino dos dados pessoais.
Para Ganley, os governos devem tratar os dados individuais como propriedade privada, e aumentar o rigor quanto ao uso dessas informações para fins comerciais sem o consentimento explícito das pessoas. "É preciso reforçar as leis de propriedade privada. Vamos tratar nossos dados como propriedade privada e limitar o que pode ser usado sem o consentimento do usuário", disse ele.
Uma das formas de fazer isso seria determinando que as empresas possam recolher dados dos usuários apenas de forma temporária, por um curto período, e sempre para fins específicos. “A maior ameaça ao livre mercado não é o comunismo ou o socialismo, são esses gângsters que defendem o livre mercado da boca para fora enquanto o destroem por dentro, eliminando toda a competição”, disse Ganley.
Para Shalini, os gestores públicos e a sociedade civil devem pensar formas de reduzir o poder excessivo das grandes empresas de tecnologia. “Deve haver algum tipo de regulação sobre essas empresas, e minha preocupação é que nove companhias baseadas nos Estados Unidos e na China largaram 20 anos na frente no que diz respeito à colega de dados pessoais, e elas vão tentar nos impedir de imaginar formas mais humanas e éticas de usar a tecnologia para o bem comum”, disse ela.
Além de defender a "descentralização" das novas tecnologias, Poulos criticou como as grandes empresas de tecnologia utilizam-se de itens da agenda progressista como uma forma de se isentar de cobranças sobre seu poder excessivo e seu uso de dados pessoais dos usuários: “Eles estão marchando juntos, dizendo que os compromissos éticos deles purificam suas organizações e os tornam imunes de qualquer controle ou fiscalização”, afirmou.
Evento
A Acton University é organizada anualmente pelo Instituto Acton, que foi fundado há 31 anos no estado americano do Michigan com o objetivo de “promover uma sociedade livre e virtuosa caracterizada pela liberdade individual e sustentada por princípios religiosos”.
A Gazeta do Povo é um dos patrocinadores da edição deste ano.