Veja a reportagem em vídeo do Fantástico sobre o esquema entre médicos e farmácias

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médicos que recebem das farmácias mais de 30% do que eles prescrevem aos pacientes. Situações flagradas pelo Fantástico, que já foram muito faladas e ainda não tinham sido mostradas, revelam o pagamento de comissões a médicos para que eles indiquem as farmácias aos pacientes. A prática é proibida pelos códigos de ética das profissões e é considerada crime de tráfico de drogas.

É comum pacientes saírem do consultório do médico com o endereço da farmácia colado na receita. Para investigar por que essas situações acontecem, o repórter Eduardo Faustini se apresentou, durante dois meses, como o endocrinologista Carlos Renato.

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Por meio de contatos com farmácias de manipulação no Rio de Janeiro, Curitiba e Salvador, ele descobriu que elas oferecem comissões aos médicos (o repórter se encontrou com farmacêuticos e representantes comerciais das farmácias). As conversas foram gravadas com uma câmera escondida.

Veja abaixo trechos de conversas do repórter com as farmácias:

Fantástico: como a gente pode trabalhar?

Funcionária: todos os médicos aqui, a gente tem uma parceria.

Repórter: é o Dr. Carlos Renato. Nós vamos inaugurar agora em abril essas clínicas de endócrino. o que eu gostaria de saber com a senhora é se é possível fazer uma parceria?

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Dona de farmácia: olha, eu vou ser sincera para você. Aqui eu dou 25% de parceria.

Fantástico: ok, 25% em cima da receita?

Dona de farmácia: em cima da receita.

Homem: eu falei com o senhor que seria até uns 30% ou se fosse até umas 30 fórmulas, dava para gente fazer uns 40%. Acima disso, a gente poderia sentar e conversar.

Fantástico: você está acostumada a trabalhar com médico?

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Mulher: sim. Aqui é só assim. É só assim.

Fantástico: assim como?

Mulher: só parceria em Curitiba.

Fantástico: como?

Mulher: é só parceria. Em Curitiba é só assim, porque se eu ficar esperando o cliente vir, mandar o amigo, não sobrevivo. É parceria. Tem o valor repassado.

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No computador, o funcionário de outra farmácia no Rio de Janeiro revela como é calculado o repasse. Ele dá o exemplo de um médico chamado Fernando:

Funcionário: esse aqui é quantas fórmulas ele colocou na minha farmácia até o dia 25 de março.

Fantástico: quantas fórmulas?

Funcionário: ele colocou um total de 3.390 fórmulas.

Fantástico: deu um total de venda?

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Funcionário: de R$ 92.350.

Fantástico: quanto foi o repasse dele?

Funcionário: o repasse dele foi 35%. Eu vou tirar os 35%

Feitas as contas, o médico Fernando teria recebido R$ 32.323 de comissão por suas receitas ou fórmulas. O percentual repassado ao médico varia entre 25% e 45% do total das receitas encaminhadas à farmácia. Para burlar o imposto de renda, veja o que faz a dona de uma farmácia em Salvador.

Fantástico: e o pagamento, como é feito?

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Dona da farmácia: todo final de mês.

Fantástico: sabe que não pode ter depósito.

Dona da farmácia: não. Você vem aqui pegar. Eu te dou um cheque.

Fantástico: cheque?

Dona da farmácia: pelo amor de Deus. Eu não dou conta de tirar o dinheiro. Não me comprometa. Não existe isso, doutor. Um dia você coloca no nome da sua mulher. Outro, no nome da mãe, da avó, da tia. Ninguém desconfia. Essa médica, esse mês, fez R$ 21,3 mil. O que ela fez? Como o volume dela é grande, dei quatro cheques para ela. Ela deposita em dias separados. Chega ao final do mês, ela recebeu tudo. Você entendeu? Ela divide. Ela não joga os R$ 20 mil de uma vez. Também joga no nome do marido dela, do irmão dela e vai deitando e rolando.

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Fantástico: ela recebeu só de repasse?

Dona da farmácia: só de comissão

Fantástico: quanto?

Dona da farmácia: R$ 21,3 mil.

E não é só em dinheiro que as farmácias retribuem a indicação dos médicos. Veja o caso de uma rede de farmácias no Rio de Janeiro.

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Funcionário: doutor, mesmo com parceria eu já mobiliei escritório, consultório. Há pouco tempo, em Madureira, não fui nem eu, foi em Madureira, um médico ganhou uma TV de 42 polegadas para botar no consultório dele.

Fantástico: vocês que deram?

Funcionário: a gente que deu.

Fantástico: qual o critério que vocês usam para essa parceria?

Funcionário: movimentação. Tudo é movimentação. Dependendo da força de prescrição do médico, a gente vai fazer tudo para agradar, blindar o médico.

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Fantástico: hoje vocês trabalham com quantos médicos, mais ou menos, na sua empresa?

Funcionário: eu tenho uma carteira hoje de 140 médicos.

Fantástico: só você? Na sua área?

Funcionário: só eu. Tem muito mais médicos. Mas não me interessa médico que manipula R$ 100, R$ 200. Não me interessa cair uma, duas receitas por mês. Mas eu tenho 140 médicos na minha carteira. Não são todos parceiros, porque tem médico que não gosta de parceria.

Na Bahia, um médico que não aceita comissão levanta uma questão que vai além da ética: o compromisso com a saúde do paciente.

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"Você iria a um médico que você sabe que está ganhando 30% da sua receita? Duvido que você vá, porque você vai desconfiar. Você vai pelo menos questionar que, se ele está ganhando 30% da receita, ele tem uma tendência a prescrever mais e possivelmente de forma indevida para ganhar mais", questiona Djalma Duarte.

Para ganhar mais, algumas farmácias e médicos cometem um crime previsto no Código Penal.

Os médicos prescrevem uma combinação de remédios da lista daqueles conhecidos como receita azul, ou controlados: na maioria dos casos, anfepramona e femproporex, dois medicamentos muito comuns no tratamento para emagrecer. A associação desses remédios pode provocar alucinações e crises de convulsão, além do uso prolongado, que leva à dependência química.

A delegada Paula Brisola, do núcleo de repressão a crimes contra a saúde, é clara: receitar ou vender essa combinação é crime. "Vai ser imputada a prática da infração criminal. Tráfico de drogas", diz.

Para burlar a fiscalização da vigilância sanitária, a gerente de uma farmácia em Salvador diz como o médico deve prescrever os remédios ao paciente.

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Gerente: o femproporex vai no nome dele e a anfepramona no nome de outra pessoa.

Fantástico: pode ser quem?

Gerente: um irmão, uma mãe, pai. Outra pessoa.

Fantástico: vai precisar de identidade dessa pessoa? Alguma coisa?

Gerente: nada, só o nome.

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A proprietária da farmácia dá um exemplo:

Proprietária: Maria precisa do femproporex, anfepramona e daquele composto grande. O femproporex e o composto no nome de Maria. Arranja um João para botar a anfepramona, porque no mesmo nome da pessoa não pode.

Fantástico: Isso me resolve. Eu te pergunto, se eu mandar isso, o seu pessoal sabe o que fazer?

Proprietária: estamos preparadíssimos...

Fantástico: não vai se enrolar? Não vai dizer para o paciente "olha, isso aqui não pode tomar junto?"

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Proprietária: é eu e minha filha. Minha filha é a farmacêutica e eu comando. Nada se passa sem o meu conhecimento e o conhecimento dela. Aqui não existe empregado mandar.

A dona da farmácia ainda facilita para o médico: "O que você podia fazer e os médicos estão fazendo. Não vou nem falar alto. Você passa um medicamento para o cliente, os dois. Eu invento o RG. Você manda as receitas para mim, eu mando o motoboy. No final de mês está faltando tantas. Você me manda e eu preencho. Pode fazer assim, um acordo entre eu e você".

Em Joinville (SC), essa prática criminosa adotada por vários médicos e farmácias acabou em prisão. Durante uma operação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na semana passada, os fiscais encontraram um bloco de receituário de remédios controlados em branco, carimbado e assinado por um ginecologista.

"É uma infração sanitária gravíssima. A partir daí, qualquer pessoa que não fosse médico poderia preencher esse receituário e ali colocar qualquer tipo de substância sob controle especial", alerta o chefe de segurança da Anvisa, Adilson Bezerra.

O ginecologista confirmou que assinatura era dele e foi indiciado por tráfico de drogas. A farmacêutica e a dona da farmácia foram presas pelo mesmo crime. A farmácia está interditada e pode ter a autorização de funcionamento cassada. A dona da farmácia ainda responde por processo administrativo sanitário e vai receber uma multa que pode chegar a R$ 1,5 milhão.

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Apesar de ser crime, veja a proposta que a proprietária da farmácia em Salvador fez ao repórter: "quem sabe a gente não vai trabalhar tão bonitinho, tão direitinho, que vamos abrir uma farmácia juntos.

Fantástico: pode ser. Eu não posso.

Dona da farmácia: pode sim...

Fantástico: no meu nome não.

Dona da Farmácia: mas no sobrenome pode. Eu tenho uma no interior com um médico. Eu e um médico.

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Fantástico: é mesmo? E ele receita?

Dona da farmácia: fatura legal, legal.

O comportamento antiético e criminoso de alguns profissionais acaba prejudicando os que trabalham dentro da lei. A farmacêutica de Curitiba, Cibele Kurkievicz, que não faz acordo com médicos, diz que perde clientes. "A gente poderia estar muito melhor se não fosse esse trabalho antiético. Não pago comissão para médico. Nunca paguei e nunca vou pagar."

"Se algum médico disser que acredita que esses 30%, 45% que ele está recebendo está vindo da farmácia, ele é extremamente ingênuo, porque não é da farmácia que está vindo. É do bolso do paciente", lembra o médico Djalma.

O Conselho Federal de Farmácia diz que farmacêuticos que oferecem comissões podem ser punidos. "Nosso código de ética previne que acumpliciar-se com outras profissões poderá dar em até um ano de suspensão dos direitos profissionais ou até a cassação de direitos", explica Jaldo Santos, do Conselho Federal de Farmácia.

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"Para o conselho, é uma falta gravíssima o médico participar de uma fraude dessas", afirma Desiré Callegari. "Isso é caso de polícia. Os pacientes estão sendo roubados e o médico está ajudando a roubá-los. Isso é prostituição da medicina", lembra Djalma.

Apesar de todos os riscos, a dona da farmácia em Salvador afirma ao repórter: "graças a Deus, nunca fui pega."