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Religião e política

Como a esquerda quer se aproximar do eleitorado evangélico de olho nas eleições

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A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e a candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, no 1º Encontro de Evangélicos e Evangélicas do PT, em 2019 (Foto: Divulgação/PT)

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Desde a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, a esquerda tenta resolver um quebra-cabeça: como ganhar o apoio de mais evangélicos, que hoje representam fatia superior a 30% do eleitorado brasileiro, sem precisar aderir a uma pauta de costumes conservadora?

Nos últimos tempos, de olho nas eleições de 2020 e de 2022, lideranças esquerdistas criaram núcleos evangélicos em partidos, convocaram a ajuda de pastores e organizaram eventos com foco nos evangélicos. Repetem frases de ordem como “é preciso entender o povo evangélico” ou “temos que aprender a dialogar com os evangélicos”.

No começo de 2020, o ex-presidente Lula chamou a atenção de seus colegas do PT para a necessidade de reforçar os núcleos evangélicos do partido e criar uma espécie de releitura petista da Bíblia. Em entrevista ao UOL, disse, em referência aos evangélicos: “Temos que saber como é que a gente lida com esse novo modo de pensar do povo brasileiro, inclusive de pensar a religião”. Essa preocupação aumentou no PT após a eleição de Jair Bolsonaro e até levou o partido a organizar, em 2019, o 1º Encontro de Evangélicos e Evangélicas do PT.

Em um vídeo postado no Youtube no ano passado, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-RS), presidente nacional do PT, apareceu dizendo “a paz do Senhor” em uma entrevista para um grupo de evangélicos de esquerda. Usuários do YouTube ironizaram a deputada, que não costuma usar esse tipo de expressão em outros contextos.

Em setembro de 2020, outra petista de peso, a deputada federal e ex-governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva, quis aproveitar seu discurso após ser aprovada como candidata à prefeitura do Rio para relembrar a todos que tem um passado evangélico. A intenção foi rivalizar com Marcelo Crivella, atual prefeito e candidato à reeleição, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e foi eleito com amplo apoio da população evangélica em 2016.

“Eu sou evangélica. Quando eu entrei para a fundação do Partido dos Trabalhadores eu estava evangélica e continuo evangélica. E eu sou pentecostal. E o Partido dos Trabalhadores sabe que eu sou uma mulher que oro, que visita os enfermos, sou uma mulher que visito as prisões, visito as favelas, muito antes da fundação do Partido dos Trabalhadores”, disse Benedita, segundo a revista Fórum.

O PT não é o único partido de esquerda que está buscando a simpatia dos evangélicos. Em janeiro, em suas redes sociais, o PSOL mostrou que também está tentando acenar para esse segmento da população: “Se você é evangélico, ou de qualquer outra religião, e defende o respeito ao próximo, a tolerância e as liberdades individuais, seu lugar é no PSOL”.

O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), um dos principais nomes da sigla, tirou uma lição da derrota para Crivella em 2016 no pleito para a prefeitura do Rio de Janeiro. Em algumas ocasiões de lá para cá, Freixo reiterou a necessidade de construir pontes com os evangélicos. Em 2018, segundo o HuffPost, ele disse que a ideia não deve ser “disputar com os conservadores”, mas “trazer esse universo popular evangélico para uma perspectiva popular de esquerda”.

Nome forte do PCdoB, a candidata à prefeitura de Porto Alegre Manuela D’Ávila também falou na necessidade de aproximação com os evangélicos. Em uma entrevista recente para um canal no YouTube, Manuela foi questionada sobre a relação entre evangélicos e a esquerda, e disse: “Eu não sou da esquerda que gosta de demarcar. Precisamos nos reconectar com esses setores”.

Ideias caras ao esquerdismo entram em conflito com crenças cristãs

Em muitos casos, a tentativa de se aproximar dos evangélicos esbarra em um obstáculo: a dificuldade de políticos esquerdistas de abrir mão de suas visões em certas pautas de costumes.

O PSOL, por exemplo, protocolou em 2017 uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a legalização ampla do aborto para gestações de até 12 semanas. Na semana passada, a mesma sigla fez uma petição ao STF que sugeria a intenção de promover a ideologia de gênero nas escolas do Brasil.

Em setembro, PDT, PSOL, PCdoB, PT e PSB acionaram o STF para pedir a suspensão da portaria do Ministério da Saúde que fixava normas sobre aborto, alegando que “a negativa do acesso ao aborto em caso de gestação decorrente de violação sexual – na medida em que promove a revitimização de mulheres e meninas, que são obrigadas a reviver e a lidar com as consequências da violência sofrida – configura prática de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante”.

Para a maioria dos cristãos, questões como essas são inegociáveis. E as tentativas de relativizar a importância desses posicionamentos – como nos casos de candidatos a cargos do Executivo que alegam que essas pautas são de competência do Legislativo e do Judiciário – podem até servir para justificar um voto pragmático, mas não ajudam a cativar o eleitorado evangélico de forma consistente.

A dificuldade de criar uma identificação autêntica com o público evangélico transparece nas próprias tentativas de negar divergências com os religiosos. Em janeiro deste ano, em entrevista à Gazeta do Povo, Gleisi Hoffmann ressaltou que a legalização do aborto não está no programa do PT e negou que ela, pessoalmente, defenda essa ideia. Mas, na mesma declaração, afirmou que o aborto “é uma questão de saúde pública”.

Por causa das divergências essenciais com os evangélicos, e pela falta de traquejo na tentativa de contorná-las, resta aos políticos esquerdistas o esforço de procurar dentro das igrejas evangélicas algumas correntes e grupos com viés parecido com o deles em pautas de costumes. Trata-se, no entanto, de uma minoria com relevância questionável dentro desse enorme segmento da população.

Coletivos evangélicos se lançam por partidos de esquerda nas eleições de 2020

Ao menos em relação ao número de candidaturas, os esforços dos partidos de esquerda já têm surtido algum efeito. Coletivos de cristãos e evangélicos lançaram dezenas de candidatos por partidos de esquerda no pleito de 2020.

Criado em 2018 como resposta à ascensão do bolsonarismo dentro das igrejas, o Cristãos Contra o Fascismo vem se preparando para disputar a primeira eleição neste ano. Serão 42 candidaturas a vereador, algumas delas coletivas, e três a prefeito em todo o Brasil por sete partidos diferentes: PT, PDT, PSOL, PCdoB, Cidadania, Rede e UP. Os candidatos têm origem em igrejas como Assembleia de Deus, Presbiteriana, Batista e Católica.

“Estava havendo uma perseguição dentro das igrejas em função das escolhas políticas e assuntos envolvendo LGBTs, negros e pobres”, diz Diana Brasilis, candidata a vereadora em São Paulo pelo PDT e integrante do grupo, que já reúne cerca de 40 mil pessoas.

O Cristãos Contra o Fascismo é apenas um dos vários coletivos de religiosos, na maior parte evangélicos, surgidos nos últimos anos como espaço para expressão política de fiéis que discordam da linha conservadora predominante nas principais denominações. Grupos como o Movimento pela Bancada Evangélica Popular, a Frente Evangélica pelo Estado de Direito, o Evangélicas pela Igualdade de Gênero e o Evangélicos pela Diversidade registraram candidatos.

As iniciativas se somam aos esforços dos próprios partidos de esquerda para voltar a disputar essa parcela do eleitorado. PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB e Rede adotaram ações voltadas a este segmento. “Sempre tivemos bom diálogo, inclusive no governo Lula. Em 2014 Dilma (Rousseff) e Aécio (Neves, do PSDB) dividiram este eleitorado meio a meio. Só não tivemos sucesso em 2018, quando o Bolsonaro teve 70% entre os evangélicos e o Fernando Haddad, 30%. Desde então a gente vem tentando organizar esse diálogo”, diz Geter Borges, da coordenação nacional do Núcleo Evangélico do PT.

Segundo ele, o partido terá 2.033 candidatos a vereador, 66 a prefeito e 68 a vice que se declaram evangélicos. É a primeira vez que o partido faz esse recorte estatístico, o que já mostra a maior atenção que está sendo dada ao tema.

O Movimento pela Bancada Evangélica Popular, que proclama às claras seu viés socialista, deve lançar dez candidatos a vereador, quatro deles em São Paulo. “A gente está tentando oferecer uma alternativa de fé para o público evangélico e isso está atraindo muita gente. Até porque é na periferia, onde tem mais evangélicos, que há mais opressão”, diz Samuel Oliveira, candidato a vereador em São Paulo pelo PCdoB.

Reverenda trans tenta vaga como vereadora em São Paulo

Considerada a primeira reverenda transexual da América Latina, Alexya Salvador será candidata a vereadora em São Paulo pelo PSOL. Segundo ela, a esquerda errou ao tratar as igrejas evangélicas como inimigas. “A esquerda errou quando não quis dialogar. Agora, começa a repensar. Entendemos que Jesus, enquanto um homem político do seu tempo, lutou contra a opressão”, diz Alexya.

Em sua participação nas redes sociais, a reverenda defende a ideologia de gênero. Em seu material de propaganda aparecem as cores da bandeira do movimento transgênero: azul, rosa e branco.

Alexya frequenta a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), uma denominação internacional fundada em 1968 nos Estados Unidos com a intenção de ser aberta à comunidade LGBT, seus familiares e amigos. Na eleição passada, Alexya se candidatou ao cargo de deputada estadual, também pelo PSOL, mas não teve sucesso.

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