Imagine se as Cataratas do Iguaçu e as férteis terras do Oeste não fossem paranaenses. Pense num estado que leva sua riqueza, materializada nos grãos de soja produzidos na região de Londrina e Maringá, para ser exportada por Santos e não por Paranaguá. Ou ainda um Paraná sem a força da Copel para fornecer a energia necessária ao desenvolvimento. Esse estado, mais pobre e dependente, não existe porque em determinados momentos históricos foram tomadas decisões políticas que levaram o Paraná a ser o que é. Seria injusto dizer que todas essas decisões foram obra exclusiva de uma única personalidade. Mas também seria injusto ocultar que em todas elas houve a participação decisiva do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Netto, político que no próximo sábado estaria completando 100 anos e que é considerado por muitos o maior paranaense do século 20.
"O Bento foi um dos construtores do Paraná moderno", afirma o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A começar pela própria configuração territorial do estado. No período de 1943 a 1946, o Paraná perdeu um quarto de sua área, no Oeste e Sudoeste, transformada pelo governo do presidente Getúlio Vargas em Território do Iguaçu, juntamente com uma parte de Santa Catarina. Bento Munhoz, eleito deputado constituinte em 1946, batalhou para que o território fosse reincorporado ao Paraná. A extinção do território do Iguaçu acabou sendo aprovada e a Constituição de 46 devolveu o Oeste e o Sudoeste ao Paraná. "O Bento foi o principal articulador da reintegração do Paraná", diz o historiador Carlos Antunes, da UFPR.
Posteriormente, Bento Munhoz foi eleito para o governo do estado, onde empreendeu um projeto desenvolvimentista ao Paraná, entre 1951 a 1955. Neste período, procurou modernizar as bases econômicas do estado a partir de investimentos governamentais para implantar a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento. "Mas foi uma modernização conservadora, que preservou a ordem social", diz o cientista político Ricardo Costa de Oliveira. "O Bento fazia parte de uma geração que acreditava que a modernização e o desenvolvimento resolveriam os problemas sociais." Por isso, a ênfase de seu governo foi a implantação da infra-estrutura para o desenvolvimento e não exatamente as políticas sociais, afirma Oliveira.
Um dos pilares da visão modernizadora de Bento Munhoz era a área energética. Ele percebeu que as empresas privadas de energia elétrica que operavam no estado não teriam condições de investir na ampliação do sistema de fornecimento de eletricidade, necessária para dar suporte ao crescimento. "Nesse setor é preciso a intervenção do estado. Não há companhia particular que produza energia elétrica prevendo um grande desenvolvimento futuro", justificou o governador num discurso de 1952. O resultado dessa visão foi a fundação da Copel, em 1954.
Bento Munhoz também deu grande importância à abertura de estradas para promover a integração do estado. Em seu governo, foi elaborado o Plano Rodoviário do Paraná, que concebeu as linhas gerais do que viria a ser a atual malha viária paranaense.
Esse plano previa, por exemplo, a construção da Rodovia do Café, ligando o Norte do estado a Curitiba e, conseqüentemente ao Porto de Paranaguá. "O Bento tinha uma preocupação de que a renda do estado ficasse no Paraná. O café (principal produto do estado na época) até então vinha sendo exportado por Santos porque as estradas que ligavam o Norte a Curitiba eram precárias", conta a historiadora Marion Brepohl de Magalhães, da UFPR. "Uma parte significativa da renda paranaense estava financiando a industrialização de São Paulo", acrescenta o jornalista Vanderlei Rebelo, autor do livro "Bento Munhoz da Rocha Neto Um intelectual na correnteza política". Com a Rodovia do Café, inaugurada somente em 1965, durante a gestão de Ney Braga, a exportação cafeeira voltou-se para Paranaguá.
A Rodovia do Café, aliás, se transformou em uma espécie ícone da política de integração social e econômica do Paraná, uma constante preocupação de Bento Munhoz. O sociólogo José Pedro Kunhavalik, no livro "A Construção do Paraná Moderno", descreve que em meados do século 20 havia um novo risco de desagregação do Paraná. A população do Oeste e do Sudoeste, colonizados por gaúchos e catarinenses, reclamava que não era atendida pelo governo. No Norte, cultural e economicamente ligado a São Paulo, havia a intenção de se criar o estado do Paranapanema, desmembrado do Paraná. A integração, portanto, se fazia necessária.
Associado ao projeto de integração, o governador também promoveu uma centralização política e cultural em Curitiba, base do chamado "Paraná Tradicional", região cultural constituída por descendentes dos colonizadores mais antigos do estado e berço da elite que até então governava o estado.
A construção dos prédios da administração estadual no Centro Cívico, do Teatro Guaíra e da Biblioteca Pública, por exemplo, são obras de Bento Munhoz erguidas em Curitiba que materializam o projeto de consolidar Curitiba como centro da vida política e cultural do estado. O jornalista Vanderlei Rebelo afirma que Bento Munhoz queria demonstrar, com essas obras, que o Paraná era um estado uno que tinha uma única capital. Obviamente, tal centralização em Curitiba procurava reduzir a influência de centros como São Paulo e Rio Grande do Sul sobre as regiões culturais do Norte e do Oeste do estado, respectivamente.
O historiador Luiz Carlos Ribeiro, da UFPR, afirma ainda que essas construções monumentais, erguidas para celebrar o centenário da emancipação política do estado, em 1953, também procuravam mostrar ao Brasil que o estado estava se modernizando. A arquitetura modernista delas é reveladora nesse sentido.
A identificação de Bento Munhoz com o Paraná Tradicional e com Curitiba, porém, acabou sendo um dos fatores que contribuíram para o seu fim político. "O Bento não representava as novas forças políticas que estavam surgindo no Norte e no Oeste", afirma a historiadora Marion. Em 1965, Bento Munhoz perdeu a eleição de governador para Paulo Pimentel, que conseguiu uma vitória expressiva sobretudo no Norte. Depois disso, o ex-governador abandonou a vida pública para se dedicar à carreira acadêmica. Morreu em 1973.
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