Rodoviária de Curitiba é ponto de venda para artesãos indígenas| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Há 500 anos eles mostraram os melhores caminhos para os conquistadores e com o passar do tempo viram seus próprios caminhos se fechando. Hoje, parecem estranhos à paisagem urbana, quando não invisíveis. Cidades de estrangeiros foram constituídas sem lugar para os nativos, sem se preparar para eles. Nem mesmo aquelas que levam no próprio nome a apropriação de uma cultura milenar. Postos em aldeias, uma espécie de redoma, de zoo humano, os índios precisam abrir caminho a seu modo para interagir na vida nacional. Não raro, as rodoviárias, habituais pontos de transitoriedade, tornam-se suas referências em um mundo que reluta aceitá-los.

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Índias da Reserva de Rio das Cobras, de Nova Laranjeiras, maior reserva indígena do Paraná, Neusa Tavares, Marilene Vagvi Bandeira, Zeferina, Juliana e Zilda Bernardo estão há dez dias acampadas debaixo das escadarias da rodoferroviária de Curitiba. Junto com cinco crianças, elas compõem um dos muitos grupos de guaranis e caingangues que andam pelas ruas da capital vendendo artesanato, segunda atividade mais importante entre os índios dos estados da Região Sul, depois da agricultura. Elas usaram o dinheiro do Bolsa Família para comprar a passagem de vinda, e contam com boas vendas ou apoio da Fundação de Ação Social (FAS) para voltar.

A Casa da Acolhida e do Regresso, mantida pela FAS, emitiu 149 passagens para indígenas desde setembro de 2007. A maioria chega de Guarapuava e Nova Laranjeiras já contando com ajuda para o retorno. Quase nunca aceitam a albergagem e refeições oferecidas pela FAS, preferem as escadarias da rodoferroviária. Como é na cidade grande que está o mercado consumidor de seu artesanato, essa preferência se dá pela falta de opção, além da facilidade de chegada e de saída, explica o indigenista Edívio Batistelli. No caso paranaense, tem sido assim em Curitiba, Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Cascavel, Palmas e Apucarana.

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Na rodoferroviária da capital, o movimento de índios ocorre há pelo menos dez anos. Eles chegam, ficam alguns dias, vendem seu artesanato e vão embora. Às vezes, vêm só homens, em outras vem a família inteira. Só não se veem mulheres sozinhas. Guaranis e caingangues são os mais comuns sob as escadarias do terminal, mas há também xetás, xoclengues e até pataxós da Bahia. Às vezes circulam pela região metropolitana de Curitiba, e até por outros estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, além de países como Paraguai, Argentina e Uruguai. Vão visitando parentes e vendendo artesanato.

No Paraná, os índios têm aptidão para agricultura ou artesanato. Os primeiros ficam nas aldeias, os demais costumam migrar temporariamente. "Não adianta dar semente para o artesão porque ele não vai plantar, vai comer", diz Batistelli. No meio urbano, onde nem sempre sua cultura é reconhecida, fazem dos terrenos baldios no entorno das rodoviárias um local de passagem. Para Batistelli, isso acontece porque as cidades, sobretudo no Sul e Sudeste, não se prepararam para recebê-los. O Estatuto do Índio, de 1973, delega à União, aos estados e municípios a defesa dos direitos, mesmo os que não têm reserva. Mas os municípios deixam todo o encargo para a União.

Em Curitiba, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) mantém uma estrutura de retaguarda do Sistema Único de Saúde (SUS) para questões indígenas. Contudo, a Casa de Apoio à Saúde do Índio tem como princípio o atendimento secundário ou terciário, ou seja, quando eles são encaminhados à capital para tratamento ou cuidados especiais depois de atendidos na própria reserva. A unidade não possui estrutura de pronto-atendimento, mas, segundo o chefe do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena da Funasa, Paulo Camargo, eventualmente costuma-se dar atenção aos que chegam por conta própria.

No imaginário popular vigora ainda o estereótipo do índio nu que vive na mata. Segundo Batistelli, índio não deixa de ser índio quando migra, mesmo que temporariamente, para a cidade. Para ele, é preciso acabar com o culto às reserva indígena e chamá-los à integração nacional. Afinal, foram eles que, no caso curitibano, ensinaram o melhor caminho aos primeiros colonizadores que aportaram no litoral do estado, em 1524. E, nas duas hipóteses possíveis, é deles o nome da capital. Em tupi-guarani, coré (pinhão) e etuba (muito) resultaram na hoje Curitiba. Em outra versão, no idioma dos caingangues, do tronco macro-jê, Curi (fuja) juntou-se a hatimba (vamos, depressa) para chegar ao mesmo nome.