Empresa chinesa que usa gás tóxico: por lei, ela não está impedida de soltá-lo na atmosfera| Foto: Qilai Shen/The New York Times

Fonte de renda

Fábricas produzem mais gases tóxicos para lucrar com créditos de carbono

Revoltada com os pagamentos, a União Europeia anunciou que, a partir do próximo ano, deixará de aceitar os créditos do gás residual das empresas de seu sistema de comércio de carbono – de longe o maior do mundo –, basicamente classificando-os como dinheiro falso. Isso deve fazer com que seu valor desabe, mas ninguém sabe o quanto. "Os consumidores na Europa, se estão pagando por créditos de carbono, querem saber que terão bons efeitos ambientais – e este não é o caso", declarou Connie Hedegaard, comissária europeia de ação climática, numa entrevista.

Da mesma forma, a ONU está reduzindo o número de créditos que as empresas de arrefecedores poderão receber em futuros contratos. Mas críticos afirmam que o cronograma revisado de pagamento ainda é excessivo e terá pouco efeito imediato, já que o subsídio é regido por contratos de longo prazo – muitos dos quais só irão expirar em alguns anos.

Mesmo levantar a possibilidade de reduzir pagamentos futuros "era politicamente difícil", disse Martin Hession, último presidente do quadro executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo das Nações Unidas, que distribui os créditos. Tanto a Índia quanto a China possuem representantes no painel – e o novo presidente, Maosheng Duan, é chinês.

A produção de arrefecedores foi tão impulsionada pela sedução dos créditos de carbono que, nos primeiros anos, mais da metade das fábricas só operou até ter produzido a quantidade máxima de gás para o subsídio dos créditos – e depois fechou as portas até o ano seguinte, segundo relatos da ONU. E todas as fábricas esperam seu pagamento. Alguns produtores chineses afirmaram que se os pagamentos terminassem, eles iriam liberar o gás na atmosfera. Essa prática é ilegal na maioria dos países desenvolvidos, mas ainda é permitida na China e na Índia. As fábricas também usaram processos ineficientes de produção para gerar o máximo possível de gás residual.

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US$ 20 milhões

por ano é o mínimo que uma fábrica ganha como prêmio para destruir o gás residual.

Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) quis ajudar a desacelerar as mudanças climáticas, estabeleceu um sistema aparentemente razoável. Os gases foram classificados segundo seu poder de aquecer a atmosfera. Quanto mais perigoso o gás, maior seria a compensação às indústrias das nações em desenvolvimento que reduzissem suas emissões.

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No entanto, onde a ONU enxergou uma reforma ambiental, alguns fabricantes de gases usados em aparelhos de ar condicionado e refrigeração viram uma lucrativa oportunidade comercial. Eles perceberam rapidamente que podiam ganhar 1 crédito de carbono eliminando uma tonelada de dióxido de carbono, mas que a destruição de um obscuro gás residual – liberado na produção de um gás de arrefecimento – rendia 11 mil créditos, depois negociados em mercados internacionais, gerando milhões de dólares por ano.

Esse incentivo levou fábricas do mundo em desenvolvimento não só a aumentarem a produção do gás de arrefecimento, mas também a mantê-la alta – um problema considerável, já que o próprio arrefecedor contribui para o aquecimento global e afeta a camada de ozônio.

Desde 2005, as 19 fábricas que recebem os pagamentos pelo gás residual lucraram incrivelmente com um negócio improvável: gerar mais gás arrefecedor, para que possam ser pagas para destruir seu subproduto. A grande produção mantém os preços do gás arrefecedor irresistivelmente baixos – desestimulando empresas de ar condicionado a trocá-lo por gases menos prejudiciais. Segundo críticos, isso significa que os subsídios da ONU acabaram criando seus próprios danos ao meio ambiente.

A ONU e a União Europeia, através de novas leis e de uma proibição total, vêm tentando desfazer essa bonança involuntária. Mas o incentivo já está tão arraigado que os esforços para removê-lo estão se mostrando complexos, e até mesmo arriscados.

A China e a Índia, que abrigam a maioria das fábricas, estão resistindo bravamente. Os fabricantes se acostumaram com um fluxo de receita que, em alguns anos, representou metade de seus lucros. Essa sorte aumentou seu poder e influência.

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U$ 1 bilhão para só 19 empresas

A ONU, reconhecendo a tentação apresentada pelo lucro, desde 2007 se recusou a pagar créditos de carbono a novas fábricas que destruíssem o gás residual. E em renovações de contrato, as fábricas só poderão pedir créditos por gás equivalente a 1% de sua produção de arrefecedor (no começo eram 3%). A ONU acredita que isso eliminará o incentivo à superprodução, disse Hession, o ex-presidente do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Mesmo com esses ajustes, os créditos para destruir o gás residual em 2011 predomi­­nam no sistema da ONU, que premia empresas por reduzir todos os tipos de emissões de aquecimento. Dos créditos de 2012, 18 % irão para 19 fábricas de arrefecedor – frente a 12 % para 2.372 usinas eólicas e 0,2 % para 312 projetos solares, pelas emissões de dióxido de carbono evitadas com a energia limpa que produzem.

Mesmo se todas as propostas para tornar o comércio de carbono menos valioso fossem bem sucedidas, as 19 fábricas certificadas para gerar créditos de carbono com a destruição do gás residual poderão ganhar US$ 1 bilhão com essa prática nos próximos oito anos. Uma importante questão ambiental permanece: sem alguma forma de incentivo, será que empresas continuarão destruindo o gás residual?