Uma transexual de 18 anos denunciou ter sido constrangida em um processo de alistamento militar em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. A estudante de Administração Marianna Lively, de 18 anos, disse que teve fotos dela e de seus documentos pessoais - com seu nome de nascimento e telefone - tiradas e depois vazadas em grupos de WhatsApp por um cabo que participava do processo, no quartel do complexo militar de Quitaúna, no bairro de mesmo nome. O episódio, que aconteceu na semana passada, foi registrado em boletim de ocorrência em Barueri, onde a estudante mora, também na região metropolitana.
Foram publicadas três imagens nas redes - duas que mostram a jovem em pé em um pátio do quartel, e outra do certificado de alistamento militar, com todos os dados pessoais da estudante. De acordo com ela, o documento já estava em posse dos servidores do Exército, que precisavam assiná-lo antes de liberá-la.
Exército promete punir autores de vazamento
Leia a matéria completaÀ reportagem, Marianna disse que não percebeu o momento em que as fotos tiradas. “Estranhei o episódio porque me trataram muito bem. Um dos soldados me tirou da fila e me encaminhou rapidamente. Fiquei meia hora no quartel”, contou. Ela afirmou que, pelo ângulo das imagens, a foto só poderia ter sido feita por um cabo que trabalhava no local, em um palco próximo, já que todos os jovens presentes eram obrigados a ficar sentados em bancos do outro lado do pátio. “Além disso, eles falaram para todo mundo que era proibido usar celular”, contou ela.
Após a divulgação das imagens, Marianna contou ter recebido inúmeras ligações com piadas e cantadas, já que o documento publicado incluía seu número de telefone. Pensou se tratar de trote, inicialmente, mas tomou conhecimento do vazamento à noite, por uma amiga. As publicações que se seguiram colocam as fotos lado a lado com teor de piada. “Peguei gato por lebre, muitos só descobriram na hora do alistamento militar kkkk #billão”, diz uma das mensagens que viralizou.
“Perguntavam pelo meu nome de registro e depois ligavam. Estão me ligando até hoje, inclusive. Alguns falavam que eu era linda e pediam meu WhatsApp, outros riam e desligavam”, contou ela. “Fiquei chocada. Chorei muito e minha avó passou mal, a pressão dela caiu. Já sofri preconceito na escola, já briguei por nome social, mas esse tipo e coisa nunca aconteceu”, disse.
A jovem disse ainda que recebeu ligações de outras transexuais dizendo que ela não foi a primeira a ter imagens feitas em alistamento militar. “Várias colegas já tinham passado por isso. A maioria das transexuais, hoje em dia, deixam para se tornar trans depois da fase do quartel, pois sofrem muito lá. Eles agridem, caçoam na frente dos outros, chamam de ‘viadinho’”, disse ela. A jovem foi dispensada do serviço militar.
A estudante afirmou que voltou à base militar com a mãe no dia seguinte, onde conversaram com um capitão. “Ele pediu mil desculpas, disse que foi um ato de infantilidade e pediu para que esperássemos a poeira abaixar. Disse que era para eu mudar de telefone e que teria uma reunião para discutir punição ao cabo”, contou ela, que diz esperar uma punição “forte” ao servidor. A advogada de Marianna, Patrícia Gorisch, afirmou que registrará um boletim na justiça militar e pedirá ação da corregedoria. Disse também que entrará com uma liminar pedindo que o Facebook e o Whatsapp impeçam a divulgação das fotos.
Para o professor de Direito Constitucional Militar, João Carlos Campanini, da Escola Paulista de Direito, o cabo pode ser enquadrado em crime militar por violação de sigilo funcional. “Pode haver contra ele um inquérito militar, já que o cabo teve acesso a um documento por sua posição e o divulgou indevidamente”. A punição, segundo o especialista, pode chegar a dois anos de prisão. Além disso, de acordo com o professor, a transexual pode processar o Exército pelo vazamento, por causa dos danos morais causados na exposição indevida.
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