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Professores e estudantes da USP relatam pressões para tomar todas as doses da vacina contra a Covid-19.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Alunos, professores e pais de estudantes procuraram a Gazeta do Povo para relatar uma série de pressões sofridas por parte da Universidade de São Paulo (USP) para receber todas as doses da vacinação contra a Covid-19 - não basta uma ou duas aplicações. Quem não se submete à exigência está sofrendo punições, como ameaças de demissão ou dificuldades para se formar. E não adianta apresentar atestado médico: documentos que comprovam alergias ou outras condições em que as vacinas não são recomendadas estão sendo negados pela Reitoria. Em algumas respostas da USP, os médicos que indicam a não vacinação de uma pessoa estão sendo chamados de “negacionistas”.

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Um exemplo é o de um estudante que apresentou um laudo médico com mais de 10 páginas, indicando os motivos pelos quais ele não poderia tomar a dose adicional da Covid-19, mas teve o pedido negado. O pai do aluno pensou que a resposta da instituição fosse uma brincadeira. A mensagem da USP foi a seguinte: “O atestado é assinado por conhecida negacionista. Nenhum dos problemas relatados é contraindicação à vacinação contra Covid-19":

 <em>Print</em> do e-mail enviado ao pai do aluno da USP.
Print do e-mail enviado ao pai do aluno da USP.

Revoltado com a situação, o pai do estudante foi procurar a instituição para ter mais explicações, mas não obteve respostas. O funcionário da USP que o atendeu afirmou que não sabia quem eram os responsáveis por avaliar os atestados. Com pressão e medo de não conseguir participar das aulas, o pai relatou que o filho tomou a dose adicional da Covid-19. "Tomou a dose de reforço, contra a vontade dele, para entrar na aula", lamentou o pai.

A mãe de outro estudante contou que o filho tomou as duas doses da Coronavac no começo deste ano, mas não pôde fazer a matrícula para o segundo semestre por não ter tomado a dose de reforço, mesmo apresentando atestado médico por ter uma alergia à substância.

“O atestado foi devolvido com a alegação de que investigação clínica não seria contraindicação para a vacina”, disse a mãe do aluno. Ela disse ainda que a mensagem estava assinada pelo “gerente de sistemas”. A mãe contou que tentou falar com alguém na USP, mas não conseguiu explicações sobre quem faz parte da equipe que responde aos atestados de contraindicação.

“Ninguém se responsabiliza se tiver efeito colateral [da vacina] e impedem de entrar [na USP]”, criticou a mãe. Ela afirmou que o filho está ainda com a matrícula pendente e vai fazer novos exames para apresentar à instituição. Embora o aluno tenha frequentado as aulas nos últimos dias, a USP informou que ele não poderá fazer provas sem a dose de reforço.

Já uma professora da USP, que decidiu não se vacinar, só está conseguindo trabalhar presencialmente por conta de um mandado de segurança. Com histórico de trombose na família, fez exames e apresentou o atestado com a possibilidade de possíveis adversidades da vacina.

A USP também rejeitou o pedido da professora, alegando que a médica dela pertencia ao movimento Médicos pela Vida e, por isso, o documento não seria válido. “No dia seguinte, entrei com um processo. No início de junho, consegui a primeira vitória com uma liminar, com um mandado de segurança, e voltei a trabalhar [presencial]”, relatou a docente.

“O processo está correndo, a USP está sempre tentando derrubar e é muito estressante tudo isso”, complementou a professora da instituição.

Outro estudante da instituição pode até perder o diploma caso não busque a imunização completa da Covid-19. Faltando menos de um ano para se formar, ele está desde o começo de 2022 sem poder assistir às aulas devido à falta da vacinação.

O estudante da USP relatou à Gazeta do Povo que a orientação para os alunos que não haviam se vacinado era de não permanecerem na sala de aula e irem até à secretaria da faculdade. “É constrangedor a situação. Dá para sentir que as secretarias não têm culpa”, afirmou.

Marcação na lista de chamada em quem se vacinou

Com a exigência da terceira dose para o segundo semestre deste ano, a USP também informou, por meio de um comunicado a professores, que os alunos vacinados seriam identificados com um “@” na lista de presença.

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  Informe da USP sobre a marcação nos estudantes.
Informe da USP sobre a marcação nos estudantes.

“Alunos que não tiverem seu status vacinal validado, não poderão receber notas nem frequência, e deverão ter seu acesso vedado nas dependências da Universidade”, diz o e-mail da instituição enviado para os colaboradores.

O texto pede ainda discrição. “Pedimos aos docentes discrição e sutileza quando da identificação e abordagem do aluno com status vacinal deficitário”.

 E-mail enviado pela universidade sobre a obrigatoriedade da vacinação.
E-mail enviado pela universidade sobre a obrigatoriedade da vacinação.

Sem notas, sem confirmação de presença e sem liberdade de escolha

Com um histórico de adversidades de vacinas quando criança, outro estudante da USP foi orientado a não receber as substâncias usadas contra a Covid-19. No retorno das aulas, o aluno decidiu ir para a universidade, mesmo com o alerta dos professores de que ele estava sem o "@" na lista de presença, ou seja, ele não tinha se vacinado.

“Aparentemente o controle da portaria estabelecida pelo reitor acabou não sendo aplicado rigorosamente em todas as unidades da USP, como a minha, então pude participar das aulas”, afirmou o aluno.

O estudante relata ter enviado algumas vezes o atestado à USP, e todos receberam respostas negativas. Em junho deste ano, a universidade alegou que os documentos apresentados seriam insuficientes para comprovar alergia à vacina. O texto afirmava ainda que, como a Anvisa autorizou a imunização, era segura.

“Embora os professores tenham em suas planilhas minhas notas e frequências do semestre passado, foram coagidos a retirá-las ou nem colocá-las no sistema. Logo, consta no sistema como se eu ainda estivesse cursando as matérias do primeiro semestre”, explicou. Ele contou também que entrou com um mandado de segurança e está aguardando o retorno.

Caso não dê certo, o aluno tentará uma transferência para outra instituição. “Os professores me deram um suporte e sinto ser algo vencível. É uma luta que pode ser vencida neste ano”, afirmou.

USP está cometendo abuso de autoridade, diz especialista

O advogado Cláudio Caivano está atuando em diversos casos de alunos e professores que decidiram não se vacinar e que estão sofrendo as consequências da escolha. De acordo com o especialista, a USP está cometendo abuso de autoridade e constrangimento ilegal.

O artigo primeiro da Lei 13.869 de 2019 enquadra como crimes de abuso de autoridade, por agentes públicos, servidores ou não, aqueles que utilizam das suas funções para prejudicar alguém. Já o artigo 146 do Código Penal pune o ato de constranger alguém, por meio de violência ou ameaça. O advogado criticou o fato de a universidade estar legislando sobre assuntos de função do Ministério da Saúde.

“As universidades não poderiam afirmar que um atestado fosse de uma maneira ou de outra, ou seja, criar uma normativa para a forma que o atestado deve ser. Os médicos já têm a Classificação Internacional de Doença (CID) e esse código deve ser aceito por qualquer entidade. Por exemplo, na Justiça do Trabalho, atestados simples são aceitos para abonar faltas. Em uma universidade, há atestados complexos que a USP não aceita, alegando serem de um ‘médico negacionista’. Retirou-se a autonomia médica no Brasil”, criticou Caivano.

“Não existe controle coletivo que não suprima a liberdade. Quando alguém em alguma sentença diz que é ‘em nome da liberdade coletiva’, aquilo soa como uma metodologia de controle, e equivale como uma ditadura”, complementou o advogado tributarista Cláudio Caivano.

Outro lado

À Gazeta do Povo, a assessoria de imprensa da instituição informou que ninguém daria entrevistas. O órgão confirmou a marcação nas listas de chamada e a exigência de todas as doses da vacina para a matrícula dos alunos de graduação e de pós‐graduação no segundo semestre de 2022.

De acordo com a USP, a avaliação das justificativas para a não vacinação de docentes e funcionários está sob responsabilidade da Superintendência de Saúde (SAU). Essa diretriz teria sido atualizada em 2 de agosto deste ano. A instituição também não divulgou os nomes dos profissionais responsáveis por essas avaliações.

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