Sair da casa dos pais e mudar para outra cidade para estudar: eis o sonho da vida universitária. O imaginário sobre esse período envolve independência, liberdade para ir e vir, novas experiências e o vislumbre de um futuro profissional glorioso. Mas essa ideia romantizada esconde armadilhas: desbravar uma cidade nova, administrar expectativas pessoais, profissionais e familiares e construir amizades é mais desafiador do que se supõe.
O ingresso na universidade pode constituir-se um momento de vulnerabilidade. A perda de referências familiares e culturais e o estabelecimento de uma nova rotina impacta de maneira definitiva o desenvolvimento emocional e acadêmico dos estudantes. Pesquisas apontam que mais da metade dos alunos costumam apresentar dificuldades nessa transição e tem-se observado um aumento nos níveis de psicopatologias na população universitária, como estresse, ansiedade, síndrome do pânico e depressão. Em alguns casos, as dificuldades provocam o abandono do curso.
Visando tornar a passagem por essa fase menos dolorosa, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) lançou um serviço de orientação psicológica em grupo para acolher e auxiliar alunos a superar as dificuldades impostas pela mudança de cidade e pela rotina universitária. Somente na primeira semana, 19 pessoas se inscreveram.
“Identificamos relatos semelhantes de estudantes que vieram de outras cidades e sofrem para se adaptar. Muitas vezes eles acreditam que seus problemas são individuais, mas algumas dificuldades têm se revelado coletivas, em outras palavras, são resultado dos processos educacionais e institucionais”, explica o psicólogo Jardel Pelissari, criador do projeto.
Entre os problemas mais comuns relatados ao serviço de Assistência Psicossocial da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UFPR, estão a dificuldade em conhecer outros espaços além do universitário, construir novas amizades e adaptar-se às peculiaridades da cidade – desde o clima até a cultura local, passando pela mobilidade e possibilidades de circulação e acesso ao que a cidade oferece.
O psicólogo esclarece que o grupo não tem a intenção de ensinar “como viver em Curitiba”, mas promover uma reflexão sobre as vivências cotidianas no espaço urbano. “É nessas trocas de informações e opiniões que se criam estratégias para lidar com situações cotidianas que causam sofrimento. É importante não individualizar o sofrimento do estudante, como se as dificuldades fossem culpa dele.”
“Jeitão curitibano” encurtou passagem de estudante
A dificuldade para fazer amizades e o ritmo típico de uma cidade grande acabaram por encurtar a estadia do estudante de tradução Marcelo Torquato em Curitiba. De Jundiaí, em São Paulo, ele chegou à Capital após um intercâmbio no Canadá atraído pela semelhanças, de clima e tamanho, entre a cidade e Vancouver. A passagem por aqui, no entanto, durou apenas dois anos.
“A energia da cidade e das pessoas pesou. O processo de se relacionar, de criar vínculos, é demorado. Sinto como se o curitibano tivesse receio de aproximação. Sou muito comunicativo, então no início não me senti bem-vindo porque as pessoas não são tão acessíveis. Passei por um processo difícil de adaptação.”
Marcelo decidiu não confrontar o “jeitão curitibano”, pelo contrário, aceitou a introspecção como elemento cultural e decidiu que era ele quem devia se adaptar. Ajudou ter feito alguns amigos no trabalho e na faculdade, nativos inclusive, com os quais desabafava e de quem aprendeu que o curitibano “não dá bom-dia, mas também não morde”.
“Fiz bons amigos na cidade, mas entendi que era hora de ir embora quando me vi querendo preencher todas as horas do meu dia. Percebi que o trabalho era a única coisa que me deixava bem. A desavença cultural que experimentei em Curitiba me fez crescer muito, mas tomei a decisão certa”, conta.