O primeiro doente com vírus da zika no Brasil foi identificado oficialmente em maio de 2015, mas um pioneiro estudo, feito por mais de meia centena de pesquisadores – a maioria brasileiros –, demonstrou que, na verdade, o primeiro caso no país surgiu bem antes, entre maio e dezembro de 2013.
O estudo com o resultado foi divulgado nesta quinta-feira (24) pela prestigiada revista científica norte-americana “Science”.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram o material genético de vírus retirado de sete diferentes pacientes. As sete amostras de vírus que tiveram seus genomas decifrados vieram de um recém-nascido com vários problemas de formação – incluindo a microcefalia –; de um adulto morto; de um caso de um doador de sangue contaminado pelo ZIKV; e de quatro casos sem complicações.
O trabalho foi realizado por uma equipe internacional, liderada por pessoal do Instituto Evandro Chagas, de Ananindeua (PA) – Nuno Rodrigues Faria, Marcio R. T. Nunes e Pedro Fernando da Costa Vasconcelos – e Oliver G. Pyvus, da Universidade Oxford, Reino Unido. Também participaram cientistas de outras instituições brasileiras, dos EUA e Canadá.
A rápida difusão do vírus no país foi uma surpresa, segundo Pedro Vasconcelos. “Nós pensávamos que o vírus teria entrado no Brasil em 2014 possivelmente durante a Copa do Mundo. Mas as análises evolutivas e filogeográficas mostraram que o vírus foi introduzido em até um ano antes e mais de uma ano antes de ter sido reconhecido”, diz o pesquisador.
“Esse fato deveu-se às epidemias simultâneas de dengue e chikungunya no Brasil, arboviroses que têm quadro clínico muito parecido com o zika. Além disso, cerca de 80% das infecções são assintomáticas. Esses dois fatores contribuíram muito para a dispersão silenciosa do zika no Brasil”, afirma Vasconcelos.
Os autores também afirmam que o vírus que circula no país foi importado da Polinésia Francesa, onde fica a paradisíaca ilha de Taiti, após compararem seus resultados com amostras de vírus de outras regiões do planeta infectadas.
Copa das Confederações
Além da semelhança dos genomas dos diferentes vírus, há um dado adicional apoiando a conexão com a Polinésia Francesa: o período teve um número significativamente maior de viajantes entre o Brasil e essas ilhas no oceano Pacífico.
A origem via Pacífico é particularmente curiosa, pois haveria uma opção Atlântica igualmente viável ou até mesmo mais provável. O vírus da zika foi primeiro identificado em 1947 na floresta de Zika, em Uganda, África.
Depois de 1947 o vírus depois foi introduzido na Ásia e Oceania. Faria mais sentido que chegasse ao Brasil via África, de onde chegam bem mais viajantes do que da Polinésia.
Mas eventos recentes, notadamente esportivos, aumentaram a vinda de viajantes no Brasil, incluindo bom número adicional do Pacífico, que devem ter introduzido aqui sua versão do vírus da zika. O tráfego aéreo com a Polinésia, e outros locais com epidemias de zika desde 2012, cresceu 50%.
Um artigo científico assinado no ano passado por pesquisadores da Polinésia Francesa sugeria que o zika teria aportado no Rio de Janeiro com participantes do Va’a World Sprint, campeonato mundial de canoagem realizado em agosto de 2014.
Mas a data da entrada do vírus agora é de 2013, e os autores do novo artigo afirmam que uma das hipóteses é que o vírus tenha chegado via Copa das Confederações, que incluiu uma seleção do Taiti, na Polinésia Francesa. A seleção taitiana jogou no Recife, perto do epicentro da epidemia brasileira. Mas não há como provar isso conclusivamente.
Foram encontradas algumas diferenças encontradas entre os vírus de diferentes regiões do país, como São Paulo, Pará ou Maranhão. “Há uma probabilidade alta que vírus isolados de dois pacientes distintos apresentem diferenças entre si. As diferenças entre os vírus estão relacionadas com o fato de que o vírus da zika, tal como todos os outros vírus da mesma família, evolui rapidamente. A velocidade de mutação do zika no Brasil é portanto típica e semelhante a velocidade de mutação, por exemplo, do vírus da dengue”, diz Nuno Rodrigues Faria.
Justamente pela urgência em lidar com a epidemia que o esforço de pesquisa envolveu mais de cinquenta cientistas de quatro países. “Quando estamos perante uma epidemia ‘explosiva’, precisamos de um conjunto de pesquisadores que trabalhem com objetivos bem definidos para entregar resultados o mais rapidamente possível. Importante também ressaltar que o trabalho é multidisciplinar e inclui várias especialistas em áreas distintas, como médicos, especialistas em genética, cartografia e modelagem de proteínas”, acrescenta Faria.