A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) detectou, pela segunda vez em um prazo de quatro anos, irregularidades em estudos do laboratório Abbott que envolviam usuários do medicamento Kaletra. O remédio é destinado a portadores do HIV, vírus causador da aids. A pesquisa ocorreu sem o aval da Conep, que tem a função de verificar se estudos clínicos com seres humanos são seguros para os pacientes. Segundo resolução de 1996 do Conselho Nacional de Saúde, todas as pesquisas feitas no Brasil com a cooperação estrangeira devem passar pela comissão. A Abbott é uma multinacional.

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"O trabalho (submetido à Conep em 2002) foi devolvido por falta de documentos e não foi reapresentado, então concluímos que teriam desistido", disse a presidente da Conep, Gyselle Tannous. Mas, no ano passado, após apuração do Departamento de Auditoria do SUS (Denasus) e questionamentos do Ministério Público Federal a comissão descobriu que o estudo havia continuado, sem aval. As apurações revelaram que o trabalho da Abbott envolvia dez centros no País, entre eles o Hospital Universitário Graffree Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), onde foi verificada in loco a irregularidade.

O Kaletra é uma droga de primeira linha, utilizada como opção inicial. Em 2005, a Conep já havia suspendido outro estudo da Abbott com o medicamento, alegando que a empresa também não o teria submetido à avaliação.

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Naquele mesmo ano de 2005, o Denasus saiu a campo para apurar in loco denúncia anônima de que ocorria no hospital Graffree Guinle um estudo clínico clandestino, que não visava a acrescentar conhecimento científico, mas apenas estimular o uso de uma nova droga e garantir boa remuneração aos médicos participantes. Um médico do local confirmou ao Denasus a existência do estudo e disse que a unidade teria recebido R$ 163,5 mil para executá-lo, via uma associação. O profissional disse também que não teria contrato formal e que o trabalho não previa que a farmacêutica fornecesse remédios. Até a data da auditoria, 152 pacientes tinham sido incluídos na pesquisa do hospital.

A equipe de auditoria do SUS, que classificou a denúncia como "procedente", apontou que os gastos do Ministério da Saúde com o fornecimento da droga ao hospital aumentaram ao longo do estudo, saltando de R$ 78,12 mil para R$ 1 milhão em 2005. E encaminhou, em 2007, questionamentos ao departamento de aids e hepatites do ministério. A área de aids, apesar de classificar a evolução de gastos com o remédio como normal - alegando que o Kaletra substituiu outras drogas como escolha inicial do tratamento -, criticou o uso de remédios comprados pelo SUS. Naquela época, o departamento de aids considerava que o trabalho havia sido aprovado pela Conep.

O caso seguiu então do Denasus para o Ministério Público Federal que no ano passado resolveu verificar se a pesquisa era regular e consultou a Conep. Questionada, a comissão revelou então que o trabalho não tinha aval. "Estamos avaliando as providências cabíveis", disse o procurador Daniel Prazeres. Já a Conep pretende fazer uma inspeção do comitê de ética do hospital. "Queremos saber como ele se comportou", afirma a presidente da Conep.