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Ao longo das últimas décadas cresceu o número de publicações acadêmicas sobre o tema infância em associação à ideia de “construção social”. Aliado às teorias de gênero e feminismo, conhecidos por relativizar os conceitos de homem e mulher, esse novo campo de estudos questiona as legislações protetivas da infância e pode abrir brechas para exposição de menores.
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O campo de estudos é polêmico por reunir os mesmos argumentos do ativismo pró-pedofilia existente na Europa e nos Estados Unidos. Embora esse ativismo esteja relativamente restrito a um viés ideológico, o campo acadêmico pode estar dando àqueles argumentos um status científico, o que preocupa especialistas em proteção da infância.
Em uma pesquisa feita pelo Google Acadêmico sobre a recorrência do tema infância e construção social ao longo do tempo, é possível observar como o crescimento se deu nas publicações nos últimos anos. Em uma amostragem da produção que associava a infância como construção social, entre os anos de 2009 e 2010, foram encontradas cerca de 19 mil publicações. Mais recentemente, entre 2020 e 2021, esse número dobrou -- foram feitas 39.400 publicações.
Esse crescimento acompanha o tratamento do tema “gênero” e teoria queer na opinião pública, que teve grande atenção nos últimos anos. O investimento financeiro na pauta, que vem ajudando a impulsionar o tema na mídia, também é direcionado à pesquisa acadêmica.
De acordo com Dana Vitalosova, colunista do site de estudos femininos Fourth Wave, esses estudos começam com especulações sobre novas formas de cidadania, analisando a história de como a infância tem sido representada na literatura e, finalmente, dirigindo a sua análise para a crítica da passividade infantil questionando o que a criança, enquanto sujeito retratado, teria a contribuir com essas representações.
Um dos núcleos de pesquisa ligados a esse campo é o CCS Project, Critical Childhood Studies (Estudos críticos da infância). Dentro do projeto há uma profusão de reflexões que relativizam o tratamento usual da infância no sentido de dar às crianças um certo “protagonismo”. Um dos caminhos tem sido relacionar a infância com movimentos de minorias, como questões migratórias e racismo.
No livro Ambivalent Childhood (infância ambivalente), Jacob Breslow relaciona movimentos contemporâneos como Black Lives Matter, transfeminismo, ativismo juvenil queer e movimentos de imigração como analogia para uma nova abordagem da infância. Mas ao contrário de toda a proteção frequentemente reivindicada para essas minorias, os autores recorrem ao que chamam de “libertação” de uma suposta “opressão protetiva” da criança.
Entre os pontos mais polêmicos desse campo de estudo, está a ideia de que crianças molestadas sexualmente possam ter interesse em sexo. Breslow busca associar crianças molestadas com o conceito de “crianças queer”, sugerindo que crianças abusadas já seriam previamente “sexualizadas”. Para ele, as crianças normalmente “demonstram interesse por sexo”. A ideia traz a lembrança de pesquisadores como Alfred Kinsey, que nos anos 60 chegou a conclusões semelhantes após fazer polêmicos experimentos sexuais com crianças. Embora tenha sido comprovada certa fraude em suas pesquisas, ainda hoje Kinsey é considerado referência entre ativistas de linha mais progressista.
De acordo com Vitalosova, a ideia de que as crianças desejariam ser molestadas não é majoritária dentro desse campo de estudos que se caracteriza pela crença mais geral de que a infância é uma construção social.
Mas dentro desse campo de estudo, surgiram abordagens mais radicais como os “Estudos Queer” que, aplicados à infância, consideram a construção social da “heteronormatividade”.
No Brasil, diversos departamentos ligados à “infância queer” funcionam em universidades, com grande quantidade de publicações, como o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Raça, Gênero e Sexualidades Audre Lorde, de Recife, Pernambuco, associado ao curso de Pedagogia. A grande maioria dos trabalhos, no Brasil, se baseia na concepção da teoria queer da norte-americana Judith Butler, considerada autoridade no assunto. Butler já veio palestrar no Brasil algumas vezes.
Recorrendo a autores já conhecidos no meio acadêmico como Michel Foucault, uma acadêmica da Universidade Rural de Pernambuco classifica a negação da sexualidade infantil como um reflexo do capitalismo.
“Por meio do advento do capitalismo, que prevê o corpo como maquinaria e força de produção, a sexualidade foi negada, silenciada e normatizada. A regra interna tomou a expressão da heterossexualidade como natural e legítima, focalizada não no erotismo, mas na reprodução”, diz a autora.
Considerado um apêndice dos estudos ligados ao feminismo, os estudos de gênero ligados à infância repetem algumas teses antigas, como a da escritora feminista Shulamith Firestone, no livro Dialética do sexo, publicado em 1970.
Firestone defendia abertamente que a família como a conhecemos deveria ser completamente extinta, para que a mulher e as crianças pudessem gozar da plena libertação das “amarras paternalistas e exploradoras que existiriam por meio do sexo”. A escritora defendia a criação de modelos de famílias alternativas.
Em 2015, um projeto de lei de autoria do deputado Orlando Silva (PCdoB) propunha a criação do “estatuto das famílias do século XXI”, reconhecendo como família “todas as formas de união entre duas ou mais pessoas”, e “independente de consanguinidade”. A proposta foi combatida por grupos cristãos que associaram a ideia a uma defesa velada da pedofilia.
Um dos motivos para isso é a semelhança dessas teses com a narrativa de grupos de defesa da pedofilia, como o movimento Nambla (North-American Boy Love Association), entre outros. Para esses grupos, a proteção da infância representa um obstáculo à aproximação sexual entre crianças e adultos, o que é visto como uma “perversão” social.
Médicos e psicólogos ligados a esse campo de estudo recorrem a pressupostos psicanalíticos, segundo os quais a repressão da sexualidade infantil poderia trazer prejuízos e levar a neuroses. No entanto, outros argumentam que a sexualização precoce traz danos na vida adulta.
Sexualização precoce e disforia de gênero
De acordo com o clínico geral e médico da família Douglas Veit, esse tipo de narrativa pode levar a sérios prejuízos na vida adulta. “Confundir o que a criança precisa na primeira infância com narrativas de sexualização precoce ou de relativização do que se é como base biológica poderá gerar fragmentação do ser e poderá trazer falta de habilidades de enfrentamento da realidade do indivíduo adulto”, afirma.
Para o médico, as crianças desejam entender o funcionamento do corpo e a vida na sociedade por meio de modelos, o que em geral vêm dos meios familiares. “Até os 3 a 4 anos de idade, não há a necessidade de se ver como menino ou menina, mas pequenos traços já são notados como forma inata dessa questão de gênero”.
A descoberta do próprio corpo, segundo Veit, não ocorre por meio da “sexualização precoce”, como defendem certas linhas da psicologia infantil associadas à teoria de gênero, também chamada de ideologia de gênero.
“A orientação sexual só vem com a puberdade e a adolescência”, ressalta. “A identidade de gênero vem a partir dos 4 a 5 anos, e traz muita influência da genética (XX para meninas e XY para meninos) e do ambiente em que a criança está inserida”.
Veit afirma que os problemas apontados como justificativa para intervenções ligadas à sexualização são raros e têm tratamentos. “É importante reconhecer que existe em poucas situações a disforia de gênero, em que de fato o indivíduo não se reconhece no próprio corpo a partir dos 6 a 7 anos de idade, inicialmente, e que tem de ser acompanhado e ajudado com tratamento com consolidação da sua psique ao final da adolescência. O que não pode ser feito é uma relativização desta condição e generalização para a sociedade”, alerta.
Ponto de vista jurídico
A grande preocupação de advogados e psicólogos é com a relativização da proteção dos direitos das crianças, sob a forma de “libertação” de uma legislação vista como opressiva. Sob o ponto de vista jurídico, para o advogado Alexandre Magno Fernandes Moreira, coordenador jurídico da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (ANED), toda a legislação e a estrutura feita sobre crianças e adolescentes tem a função de proteger essa faixa etária de possíveis opressões.
“O objetivo é a proteção das crianças, porque elas têm uma racionalidade em desenvolvimento. Na verdade, o cérebro humano só termina de se desenvolver por volta dos 25 anos de idade. Se você apaga a infância e passa a considerar que é tudo igual, o que você faz não é acabar com a opressão contra as crianças, pelo contrário. Você libera a opressão e a agressão contra as crianças”, ressalta o advogado.
“Isso acaba com toda a lógica do sistema de proteção da infância e obviamente dá portas abertas para os pedófilos”, alerta. “Infância e fase adulta são coisas diferentes justamente para proteger as crianças”.