Dei dois pulos, arranquei minha cartola e saí com as mãos levantadas e os indicadores para o alto, como os craques fazem quando comemoram gol: "É nosso, pô! É nosso!" Era o festejado final da minha trajetória de carnavalesco curitibano, da minha estreia na Cândido de Abreu.
Essa história começou graças a um contato com a Embaixadores da Alegria. Perguntei se seria possível desfilar com a escola e relatar a experiência no jornal. A autorização veio um dia depois eu deveria comparecer ao ensaio da escola, para ver os preparativos do desfile e ser apresentado à comunidade. Assim foi feito. A Embaixadores da Alegria não tem propriamente um barracão. A montagem dos carros e a confecção das fantasias é feita em um terreno da família DÁvila, que comanda a escola. Os ensaios ocorrem em uma cancha de futebol. A bateria e os puxadores tocam embaixo de uma lona de circo. Os demais praticam no meio do barro, ao lado da quadra, sem proteção contra a chuva.
Procurei apenas observar o trabalho, para não atrapalhar a escola. Voltei dois dias depois. Na sexta-feira, véspera do desfile, havia ainda mais gente. Para minha surpresa, muita gente me reconheceu. Me chamaram de Guilherme, de Gui e de Gazeta. O "Gazeta da Embaixadores". Concordei com um sorriso e fui para a fila da fantasia. Minha ala era a da Tribo Cree, a tribo da velha índia Olhos de Fogo que previu a doença da Terra e que serviu de matriz para a criação do Greenpace. A fantasia tinha uma calça e um colete alaranjados e uma armação com várias penas, vermelhas, pretas, alaranjadas. Pular pra lá e pra cá, diante de milhares de pessoas desconhecidas, com uma fantasia cheia de penas me pareceu uma má ideia naquele momento. Eu teria de encarnar o espírito da índia de olhos de fogo e prosseguir.
O desfile
Cheguei à Cândido de Abreu por volta das 22 horas de sábado, já vestido e segurando minha cartola. Ao descer do táxi, eu via os olhares de inveja daqueles que não iriam desfilar. Minha fantasia indicava que eu era um escolhido. Seria, naquela passagem de sábado para domingo, um súdito de Momo. Achei rapidamente a concentração. O clima era de nervosismo. A Unidos do Bairro Alto já desfilava. A Leões da Mocidade se preparava e depois víriamos nós. A Acadêmicos da Realeza, campeã do carnaval anterior, fecharia o desfile.
Sentia que o clima da escola era positivo, mas todos os adversários estavam preparados. Escapei duas ou três vezes para me hidratar. Não era fácil ser um verdadeiro índio cree com aquele calor. Além disso, dessa forma, controlava o nervosismo. Nesse vaivém, encontrei amigos queridos que vieram me prestigiar.
Ziguezague
A Leões da Mocidade já estava na metade do desfile quando encontrei um amigo, também jornalista, que desfila há três anos e, como eu, desfilaria fantasiado de índio cree. Mais experiente, ele meu deu algumas dicas. "Vá de uma ponta a outra em ziguezague e demonstre alegria", disse ele, enquanto voltamos ao ambulante para nos hidratarmos mais um pouco. Guardei aquelas palavras sábias como um mantra. "Ziguezague. Alegria."
Quando vimos, a Leões fechava seu percurso. Tivemos de correr para não perder o lugar e levamos uma educada bronca da harmonia. Naqueles minutos na concentração, me senti como um herege, perto de ser jogado aos leões. No alambrado, meus colegas me davam estímulo com gargalhadas e piadas. Era como se, de repente, alguém levantasse da arquibancada, me apontasse e gritasse: "Farsante! Ele não é sambista!" Cogitei a possibilidade de fugir pela Cândido de Abreu com fantasia e tudo.
Vendo meu nervosismo, meu colega jornalista se aproximou e disse: "Chegou a hora!" Nem deu tempo de mais nada. Quando vi, o cavaquinho começou a tocar e o puxador engatou o samba. Quando a bateria engrenou, tudo foi embora. Eu estava inserido na magia do carnaval. Dali em diante, foi tudo rápido e intenso, como deve ser. Tentei fazer meu melhor ziguezague possível e manter os braços levantados. Eu parecia um veterano da Cândido de Abreu. Acenei, bati no peito, fiz uma paradinha imaginária da bateria e arrisquei passos ousados, que poderiam me levar ao chão. Nunca saí do Água Verde, mas naquele momento tive orgulho da Embaixadores da Alegria e de Santa Quitéria. Chegamos à dispersão exultantes, sob aplausos do público. Dei dois pulos, arranquei minha cartola e saí com as mãos levantadas e os indicadores para o alto, como os craques fazem quando comemoram gol: "É nosso, pô! É nosso!".