Independentemente dos desdobramentos judiciais da acusação de homicídio na UTI do Hospital Evangélico, o fato é que o funcionamento da unidade difere bastante da de outros estabelecimentos de emergência com porte e complexidade semelhantes. Dados do Departamento de Informática do SUS (Datasus), consultados e tabulados pela Gazeta do Povo, revelam que a UTI adulto do Evangélico realiza uma grande quantidade de procedimentos invasivos já nos primeiros dias de internamento dos pacientes, prática não recomendada por aumentar as chances de infecção.
Em 2012, dos 2.632 pacientes internados na UTI do hospital pelo SUS, 41% foram alvo de intervenções já nos três primeiros dias, contra índices que variaram de 8% a 31% em outros hospitais das capitais do Sul e Sudeste. Em reportagem do dia 1.º de março, a Gazeta do Povo já havia mostrado que a taxa de mortalidade na UTI adulto do Evangélico também ficava bem acima da média: 60% das mortes no ano passado ocorreram nos três primeiros dias de internamento, contra taxas de 10% a 43% em hospitais similares.
Sete mortes ocorridas na UTI geral do Evangélico entre o fim de 2011 e início de 2013 foram consideradas homicídios pelo Ministério Público e pela Polícia Civil. Na última sexta-feira, a Justiça aceitou a denúncia e abriu uma ação penal contra oito acusados.
Traqueostomia
Entre os procedimentos invasivos mais realizados pela UTI adulto do Evangélico está a traqueostomia abertura de um canal direto na traqueia para permitir a respiração. No ano passado, 314 usuários do SUS passaram por essa intervenção, número bem acima do registrado em UTIs de hospitais maiores. No Hospital de Clínicas de São Paulo, por exemplo, que recebeu o triplo de pacientes na UTI (6.696), apenas 101 foram traqueostomizados.
"Em termos técnicos, é um procedimento precoce", afirmou o auditor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), Mário Lobato, responsável pela sindicância que está sendo feita na UTI do hospital. "Mas isso não cabe a nós analisar, mas sim ao Conselho de Medicina", acrescentou.
De acordo com o cirurgião e médico intensivista Renato Lima, geralmente a primeira opção para ajudar o paciente a respirar é a intubação orotraqueal colocação de um tubo pela boca (que vai até a traqueia) para permitir a ventilação mecânica. Quando há necessidade de ventilação mecânica por muito tempo, opta-se pela traqueostomia.
"Há um conforto maior, mas a traqueostomia é invasiva e, toda vez que invado um paciente, quebro uma proteção. Na hora que corto a pele e coloco um catéter, abro uma porta para uma infecção externa."
Cada leito custou R$ 673 mil ao SUS
Com o grande número de procedimentos médicos adotados, a UTI adulto do Evangélico recebeu mais dinheiro, em termos proporcionais, do que outras instituições de mesmo porte e complexidade. Segundo o Datasus, a unidade recebeu R$ 16,8 milhões do SUS em 2012. Isso equivale a R$ 673 mil por leito número bem acima do registrado em outras UTIs das capitais do Sul e Sudeste, que têm um perfil semelhante ao do Evangélico, com atendimento de politraumatizados e queimados. Nas demais instituições, os valores giraram entre R$ 165 mil e R$ 409 mil.
O Hospital Evangélico é mantido pela Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, entidade filantrópica sem fins lucrativos, e tem contrato com o SUS que rende um valor fixo anual. Entretanto, determinados procedimentos geram um pagamento extra uma parte fica com o hospital e outra com o profissional responsável pelo ato. Esse é o caso das traqueostomias, por exemplo.
Instituição é vital ao sistema em Curitiba
Desde que veio à tona a investigação sobre mortes provocadas na UTI do Hospital Evangélico, em 19 de fevereiro, diversas autoridades fizeram declarações públicas em defesa da instituição. O estabelecimento é crucial para o atendimento de emergência em Curitiba e também responde por boa parte da consultas eletivas do SUS.
O Evangélico tem 375 leitos clínicos e cirúrgicos, o que corresponde a 20% do total de Curitiba, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). O hospital atendeu 24,6 mil pessoas em 2012, 16% da demanda do SUS registrada na capital. Em número de leitos da UTI adulto destinados a usuários do SUS, o Evangélico é o terceiro maior da cidade (25), atrás do Hospital de Clínicas (35) e da Santa Casa (28). Mas, em número de pacientes de UTI, o Evangélico ficou em segundo (2.632), atrás da Santa Casa (2.692). Após as denúncias, a UTI geral do Evangélico foi reestruturada, com nova equipe e rebatizada de UTI I.