Com o discurso de “defesa da democracia”, os apoiadores da censura nas redes sociais, em casos em que o governo Lula e Judiciário considerem que houve “desinformação”, aproveitaram as manifestações de Elon Musk contra decisões do ministro Alexandre de Moraes para trazer o tema de volta ao debate. Autoridades do Executivo apoiaram a inclusão do empresário no inquérito das milícias digitais e reagiram às falas de Musk com a retomada da defesa da “regulamentação das redes sociais”, em uma referência tácita ao PL das Fake News, chamado de PL da Censura pela oposição.
“É urgente regulamentar as redes sociais. Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A Paz Social é inegociável”, publicou Messias, advogado-geral da União, na plataforma X.
“Não vamos permitir que ninguém, independente do dinheiro e do poder que tenha afronte nossa Pátria. Não vamos transigir diante de ameaças e não vamos tolerar impunimente nenhum ato que atende contra a democracia”, declarou Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social. Pimenta ainda acrescenta que “o Brasil não é a selva da impunidade e nossa soberania não será tutelada pelo poder das plataformas de internet e do modelo de negócio das big techs”.
“Não é um ministro individualmente que está sendo atacado. É um ataque inadmissível. É a Suprema Corte brasileira e o conjunto daqueles que defendem a soberania do nosso país”, afirmou Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais.
João Brant, que ocupa o cargo de secretário de Políticas Digitais da Presidência, também adotou o discurso que as manifestações de Musk atacam ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo que apenas desejam proteger a democracia brasileira. Brant afirmou que Musk quis “fazer agitação política atacando a justiça e demonstrando desprezo pela soberania brasileira”.
O PL das Fake News (Projeto de Lei 2.630/20) é chamado de PL da Censura pela direita pelo seu potencial de facilitar a supressão de conteúdos das redes sociais por critérios amplos e subjetivos como “desinformação”. A oposição conseguiu, em maio de 2023, o adiamento da votação do texto inicial do PL, no plenário na Câmara dos Deputados, mas a proposta deve voltar modificada pelo seu relator nas próximas semanas, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).
Segundo interlocutores, entre as medidas previstas no novo texto do PL está a formação de um cenário que obrigue as plataformas a serem proativas em retirar e suspender comentários e vídeos, mesmo sem mediação judicial, com punições pesadas em casos que mantenham conteúdos posteriormente considerados pelo Judiciário como “desinformação”. Na prática, o receio é que as big techs, por medo de pagar multas milionárias, censurem conservadores e opiniões interpretadas pelo governo e por julgados no Judiciário de forma subjetiva como “desinformação” ou “discurso de ódio”.
Orlando Silva se manifestou depois das mensagens de Musk, relacionando-as com o PL das Fake News, informando que vai pedir ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que paute o projeto. Silva alegou que “descumprir ordem judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será tolerado! A regulação torna-se imperativa ao Parlamento. PL 2630 SIM!”.
Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper, explica que a supressão de conteúdos indistintamente poderá penalizar opiniões legítimas. Para ele, há uma confusão entre o que é o combate ao crime no espaço digital e outros discursos opinativos, que deveriam ser respeitados em um Estado Democrático de Direito. “Essa distinção é a base da liberdade de expressão. A sociedade brasileira não pode confundir essas coisas”, reitera.
“Misturar essas coisas é um problema brasileiro que precisa ser resolvido. Há um amplo apoio da sociedade brasileira, que a mim parece correto, que é o combate ao crime no espaço digital, mas também há um profundo mal-estar quando se cruza uma fronteira e, apesar de se fazer em nome do combate ao crime na internet, é um exercício da censura política”, analisa Schüler.
Judiciário tem histórico de decisões que geram censura
Se estimular que as redes sociais se antecipem a decisões judiciais para a suspensão de conteúdos, o PL das Fake News estará em sintonia com atuações do Supremo Tribunal Federal (STF) e o TSE nas últimas eleições e desde a abertura do inquérito das fake news, há cinco anos.
No início do ano, o TSE inaugurou um departamento de “combate a fake news e discurso de ódio” para atuar especialmente durante as eleições municipais de 2024 no último mês de março. O Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia vai contar com a representantes de órgãos do ministério da Justiça, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Durante a cerimônia de inauguração, Carlos Baigorri, presidente da Anatel, anunciou que irá usar o poder de polícia do TSE para retirar conteúdos que disseminem informações falsas.
O poder de polícia citado por Baigorri foi criado pelo próprio TSE, entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022, por meio de uma resolução que deu à Corte eleitoral poder de polícia para remover conteúdos “sabidamente injurídicos” ou “gravemente descontextualizado” na internet, medida ainda em vigor e questionada por juristas. Para a remoção, não é necessário o pedido de alguém que se considere atingido pela publicação ou do Ministério Público, ao contrário do que prevê a legislação, mas apenas um pedido de ofício do Judiciário. Mais de um ano após a decisão, o TSE se recusa a divulgar as informações de posts afetados pela resolução.
Ainda com o argumento de “defesa da democracia”, em fevereiro, o TSE aprovou uma resolução que determina que as plataformas poderão ser punidas se seus usuários publicarem materiais enganosos criados por inteligência artificial. Durante a sessão, Moraes, atual presidente do TSE, declarou que “talvez seja a mais importante resolução para garantir a total liberdade do eleitor – liberdade de escolha, de votação”. Por outro lado, o Instituto Sivis, que defende os valores democráticos, publicou uma nota na qual considera que a decisão do TSE pode favorecer a censura prévia no Brasil.
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