A ocupação do Complexo da Maré, na zona Norte do Rio, pelo Exército por tempo indeterminado é um "grande retrocesso", que reforça a opção do governo do Rio pela militarização e envolve riscos como o de acirramento da lógica do confronto na comunidade. Essa é a avaliação de integrantes do Observatório de Favelas, organização fundada por moradores e pesquisadores em 2001, com sede na Maré.
Após reunião de mais de três horas na tarde de ontem, a ONG divulgou uma posição conjunta. De acordo com a psicóloga social Raquel Willadino, diretora de direitos humanos do Observatório, o clima na Maré é de apreensão desde sexta-feira. "Estamos vendo com muita preocupação a definição tomada ontem [segunda-feira]", disse ela. Raquel lembra que havia uma promessa do governo de ruptura da lógica do confronto com a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Maré. "Tivemos um processo de articulação local importante durante a discussão da UPP, que reconhecia moradores como protagonistas e chamava a atenção para uma política de estado que vá além da ação policial, mas agora os canais de diálogo foram interrompidos." Para Raquel, a ocupação militar por tempo indefinido "reafirma a metáfora da guerra". "O retrocesso é muito grande", afirmou.
O complexo de favelas tem 130 mil moradores, segundo o IBGE. O número de soldados que vão ocupar a Maré ainda não foi divulgado "Quantos professores e médicos serão enviados?", pergunta a coordenadora do Museu da Maré, Cláudia da Silva, que também é professora de História em uma escola municipal da comunidade. "Estamos acompanhando pela imprensa, não houve comunicação antecipada às instituições da Maré. Como a UPP não foi instalada, já imaginávamos isso por causa da Copa. Mas não sabemos como ficará depois."
Confrontos
Breves confrontos entre PMs e traficantes do Comando Vermelho têm assustado moradores. Desde sábado, cerca de 160 policiais ocupam as favelas Nova Holanda e Parque União, principais entrepostos da facção. Há confrontos pontuais de dia e à noite, sem informações sobre feridos. Olheiros do tráfico soltam fogos e em seguida são ouvidos tiros. "Eles [os traficantes] acharam que esta seria uma operação pontual, mas será permanente. Agora tentam nos distrair para retirar o material que deixaram para trás", disse um policial do Bope.
O Complexo da Maré é formado por 16 comunidades. Para a facilitar o trabalho das Forças Armadas, as tropas que atuarão na região devem contar com o respaldo de mandados de busca e apreensão coletivos para permitir a localização de drogas e armas durante o cerco previsto para o início de abril. A possível expedição pela Justiça Militar dos mandados coletivos, diz a procuradora Hevelize Jourdan, do Ministério Público Militar, se deve à dificuldade em localizar endereços em meio ao aglomerado de casas erguidas em becos e sem numeração definida. Por outro lado, uma comissão de promotores acompanhará a ocupação. Eles defendem, além do uso pelos militares de armas não-letais, que todas as ações sejam gravadas para evitar abusos.
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