Mesmo contrariado, o Exército vai permanecer no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro até julho de 2011. As tropas federais substituirão as Polícias Civil e Militar nas duas comunidades ocupadas no Rio de Janeiro. A avaliação da cúpula é que há um consenso político, irradiado a partir do Planalto, que prega a permanência das tropas nos morros e torna a ampliação da missão irreversível.Ontem, o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) encontrou-se com a presidente eleita, Dilma Rousseff. Acrescente-se à pressão política, o clamor da população, que apoiou maciçamente a operação contra o tráfico e a presença do Exército nas ruas.
Os militares, porém, estão preocupados com a mudança da missão, que deixará de ser apenas de vigilância de perímetro, isto é, de controle das entradas e saídas do morro, para se tornar uma tarefa de quase policial, desempenhada no interior do Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro. O receio do comando é que a duração da missão somada ao novo perfil de operação coloque os militares em contato íntimo com o narcotráfico, que pode contaminar setores do Exército.
De acordo com fontes militares, o prazo combinado com o governo do Rio é suficiente para formar novas turmas de PMs para atuar na região, com a inauguração de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas duas comunidades. Nesse período de quase oito meses, o efetivo de 800 homens do Exército deve ser mantido.
"Como nós temos a previsão de formar 7 mil homens em 2011, nós temos um cronograma. E a presença das forças do Ministério da Defesa no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro nos dará a garantia do nosse cronograma", explicou Cabral. "É, na verdade, uma antecipação enorme de datas e de conquistas, mas, ao mesmo tempo, uma tranquilidade para que possamos continuar fazendo, sem comprometer nosso calendário de UPPs", disse.
O modelo de atuação do Exército não será, porém, nos moldes das UPPs. As tropas terão um comando militar e poderão reagir em caso de risco à segurança. A reportagem apurou que a Defesa editará uma nova Diretriz Ministerial para resguardar de complicações legais o eventual uso da força pelas tropas, em caso de necessidade.
Na última quinta-feira, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, editou a Diretriz Ministerial n.º 14, que determinou apenas o reforço do apoio, como a disponibilidade de blindados, ao governo do Rio nas operações de combate à onda de criminalidade.
Segundo militares, a legislação sobre operações de "Garantia da Lei e da Ordem (GLO)" abriga a nova missão do Exército. A mudança, porém, é necessária para deixar claro as novas atribuições. Ontem, o Ministério da Defesa divulgou nota dizendo que foram "atingidos os primeiros objetivos" e que permanecem em contínua coordenação com as autoridades estaduais para avaliar os "meios necessários para as próximas etapas das ações".
Próximos passos
O governador do Rio informou que já está pensando nos "passos seguintes" nas reconquistas dos territórios dominados pelo tráfico. Ele não quis estabelecer datas e nem citou comunidades, mas o governador disse em diversas ocasiões que favelas grandes, como Jacarezinho e os complexos de Manguinhos e Maré, na Zona Norte, e a Rocinha e o Vidigal, na Zona Sul, também serão ocupadas.Hoje, Cabral inaugura a 13.ª UPP no Morro dos Macacos, em Vila Isabel.
Facção tem prejuízo de R$ 68 mi com a tomada
A tomada do Complexo do Alemão pela polícia não significa somente a perda do território mais importante para o Comando Vermelho (CV), mais antiga facção criminosa do Rio de Janeiro. Somente nos dois últimos dias de operação, a quadrilha chefiada por Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP teve um prejuízo aproximado de R$ 68 milhões, somente com a apreensão de drogas e armas.
A polícia ainda não sabe onde os chefes da quadrilha que estão soltos vão se restabelecer, mas a aposta é que tentem conquistar alguma favela que compense a perda com a venda de drogas. "A única favela em que o movimento se assemelha ao do Alemão é a Rocinha, que pertence a uma facção rival ao Comando Vermelho [Amigos dos Amigos - ADA]", disse um oficial da Inteligência da PM.
Segundo esse oficial, até que consigam se reabastecer de armas e munição, os principais chefes do tráfico no local devem se refugiar em outras favelas domina-das pelo CV. Entre as mais importantes, estão o Complexo de Manguinhos e a Mangueira, ambas na zona norte. "Eles vão passar um tempo mais quietos, mas depois vão precisar praticar crimes que capitalizam a quadrilha, como roubo a banco e roubo de carro", disse o policial.
Esgoto
Segundo a polícia, os traficantes roubaram uniformes de operários da obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e de concessionárias de serviços públicos para escapar do cerco da polícia. As rotas usadas pelos bandos contam com tubulações de esgoto e de galerias pluviais.