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Violência

Explosão de agressões contra policiais em 2023 preocupa especialistas em segurança pública

Explosão de agressões contra policiais em 2023 preocupa especialistas em segurança pública
Discursos de autoridades e decisões judiciais a partir de um conceito hiper-ideologizado de direitos humanos contribuem para aumento de violência contra policiais (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

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Resumo desta reportagem:

  • Episódios de violentas agressões contra policiais durante o cumprimento de suas funções têm sido cada vez mais frequentes no Brasil. Para especialistas, discursos do governo e demais autoridades com conceito equivocado de direitos humanos são um dos componentes centrais do crescente quadro de violência.
  • A insegurança jurídica para policiais reagirem frente a situações extremas, junto a decisões do STF e STJ com sinalização de maior tolerância a práticas criminosas, tem colocado o poder Judiciário como um dos protagonistas do atual cenário.  
  • Para especialistas, o quadro de violência pode gerar consequências danosas à segurança pública do país, como redução de ingressantes em carreiras policiais e menor proatividade da atuação das forças de segurança.

Os primeiros dias de junho foram marcados por uma série de episódios que ilustram a crescente onda de violência contra agentes de segurança pública que se arrasta há meses. Logo no dia 1º, um criminoso decidiu enfrentar policiais paulistas e teve sucesso na tentativa de retirar a arma do coldre de um dos agentes. Os dois policiais levaram, no total, quatro tiros – um dos disparos atravessou o rosto de um deles –, e o criminoso só parou de atirar porque o carregador da arma caiu no chão.

Dias depois, no Rio de Janeiro, criminosos ligados ao narcotráfico fizeram uma emboscada em uma comunidade na Zona Oeste da capital fluminense e incendiaram um veículo blindado da Polícia Militar. O veículo, alvo de diversas granadas e coquetéis-molotov, é o primeiro blindado conhecido popularmente como “Caveirão” a ser completamente destruído na história da PM do estado.

Já no último sábado (10), na região central da capital paulista, um grupo de cerca de dez pessoas cercou um sargento da PM que havia acabado de prender um motociclista que fugiu após ordem de parada para abordagem (veja o vídeo abaixo). Após imobilizar o rapaz, o agente foi encurralado e passou a ser atingido por pedras e garrafadas; ele chegou a fazer disparos para o alto na tentativa de afastar os populares, sem sucesso. Os criminosos, então, se aproximam do policial e passaram a tentar tomar sua arma e retirar o homem detido. Um carregador de pistola com 15 munições e itens pessoais do PM foram furtados na ação. O episódio de agressão só teve fim após a chegada de reforço policial.

Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a explosão de casos de violência contra profissionais da segurança pública, que se agravou nos últimos meses, tende a se intensificar caso não haja respostas efetivas por parte do poder público. Para as fontes, o próprio Estado é indiretamente o principal responsável por incentivar os atos – em especial por decisões da alta cúpula do Judiciário cada vez mais tolerantes à prática de crimes e por discursos de atores políticos de grande relevância com uma visão deturpada de direitos humanos.

Insegurança jurídica para a atuação policial gera grave prejuízo à população, dizem especialistas

Nos dois casos recentes ocorridos em São Paulo, em que criminosos tentaram tomar a arma de policiais, em nenhum os agentes dispararam contra os agressores, como é previsto no procedimento operacional da corporação. O disparo de arma de fogo pode ser utilizado em situações extremas de agressão em curso ou eminente que o policial esteja sendo alvo. Em tais situações, a legítima defesa está prevista como excludente de ilicitude, descrito no art. 23 do Código Penal – na prática, o agente que recorreu a essa medida numa circunstância como as que ocorreram não comete crime.

Mesmo assim, os policiais lidam com grande insegurança jurídica para efetuar disparo mesmo em situações extremas, já que o entendimento de magistrados sobre o uso do armamento pode ser diverso, acarretando uma série de responsabilizações aos agentes. A partir do chamado “garantismo penal” – teoria que, ao buscar controlar excessivamente o poder de punir do Estado, cria um ambiente caótico aos profissionais de segurança –, posicionamentos de grande tolerância a autores de práticas criminosas pelo Judiciário brasileiro têm sido uma realidade cada vez mais frequente.

“Muitos policiais morrem porque hesitam. Aquele momento é de reação, mas o policial pensa um milhão de vezes antes de puxar o gatilho, porque sabe que a consequência para ele será severíssima se isso acontecer, mesmo ele agindo em defesa própria”, explica Rogério Greco, especialista em segurança pública e crime organizado, pós-doutor em Direito e atual secretário de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais.

Em relação aos episódios recentes ocorridos em São Paulo, o secretário destaca que essa hesitação é responsável pela morte ou ferimentos graves de vários desses profissionais. “Ele não reage por temor de um processo, de perder um cargo ou de retaliações diversas e acaba ferido ou morto”, destaca.

O receio de retaliações judiciais mesmo no cumprimento estrito da legítima defesa tem impactos diretos na segurança pública de todo o país. Episódios frequentes de violência contra agentes são um dos maiores desmotivadores para novos ingressantes na carreira policial, dificultando a formação de efetivos em número e qualidade satisfatórios. Em paralelo, a insegurança jurídica faz com que policiais se sintam mais propensos a pensar duas vezes antes de se envolver em ocorrências.

“Hoje, quando o policial se depara com uma situação que exige sua intervenção, ele faz milhões de ponderações sobre as consequências daquilo que ele vai enfrentar caso de fato intervenha”, explica Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança pública e fundador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes). “Então há um cálculo que ele faz quando se depara com essas situações, e quanto mais faz esse cálculo, mais demora a agir. E também se tornam frequentes os casos em que o policial acaba optando por não intervir e ficar a salvo das consequências jurídicas de enfrentar aquela situação. Tudo isso tem um reflexo inquestionável à segurança pública”.

“Demonização” de forças policiais tem a ver com conceito ideologizado de Direitos Humanos

O teor de discursos de autoridades do país com um conceito bastante ideologizado de direitos humanos, a partir da criminalização da conduta dos profissionais de segurança pública e da sinalização de tolerância ao cometimento de crimes, é outro elemento que contribui para o aumento de ações hostis e agressivas contra agentes de segurança.

Em março, ao lançar o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), o governo federal decidiu dar espaço a críticas diversas a policiais. A abertura consistiu em uma apresentação de ativistas com reclamações contra os agentes de segurança. Em seu discurso, o presidente Lula (PT) voltou ao tema, generalizando condutas abusivas de policiais.

“Muitas vezes o Estado só está presente na periferia com a polícia, e não está presente para resolver, está presente muitas vezes para bater. Porque muitas vezes, dependendo do bairro, não se pergunta o que está acontecendo. Se tenta resolver da forma mais bruta possível, e isso acontece em quase toda periferia do país”, disse Lula. Ao falar sobre a política de encarceramento em massa, defendida pelo seu partido, Lula chegou a dizer que infratores frequentemente são inocentes e “vítimas de um delito”.

Durante a campanha eleitoral, o atual presidente fez menção a várias propostas avalizadas pelo partido no Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT, realizado em dezembro de 2021. Várias das medidas definidas no evento impactam diretamente o combate à criminalidade. No rol de sugestões constam, por exemplo, desencarceramento em massa, desmilitarização das polícias, descriminalização das drogas e fim da “guerra às drogas” – termo comumente usado por políticos de esquerda para defender a redução de operações policiais de enfrentamento ao narcotráfico.

O texto criado pela setorial do PT chega a apontar o modelo das forças armadas e das polícias militares brasileiras como obstáculo aos direitos humanos e cita que há “profunda incompatibilidade entre as polícias militares e qualquer arremedo de regime democrático” para, em seguida, defender a desmilitarização das forças de segurança.

Para especialistas, nos últimos anos discursos como esses têm chego com força no poder Judiciário. Um desses exemplos recentes foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de interferir diretamente na política estadual de segurança pública do Rio de Janeiro e criar uma série de restrições às operações. A medida, em curso desde 2020, tem criado uma onda sem precedentes de ampliação dos poderes do narcotráfico.

Já no ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que as abordagens feitas por agentes de segurança – um importante recursos para a localização de drogas, armas e outros itens ilícitos – são ilegais caso sejam realizadas sob a alegação de atitude suspeita ou mesmo a partir de denúncias anônimas. Para os ministros, a medida tem como objetivo evitar práticas que “reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”.

Ao longo de sua argumentação, o relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz, chegou a mencionar trecho de uma música da banda “O Rappa” com críticas à atuação da polícia. Para exemplificar a suposta seletividade racial da polícia, ele citou um vídeo em que um youtuber negro é abordado por um agente policial. Ainda que apontado como exemplo de um suposto ato de racismo, o policial que aborda o rapaz no referido vídeo também é negro.

Atual cenário é de difícil resolução, dizem especialistas

“Isso é uma construção política de muitos anos, que progressivamente tem feito com que a população seja insuflada a agredir autoridades. O que se vê pelas decisões do próprio Supremo, pelas decisões políticas em Brasília faz com que criminosos se vejam seguros em partir para cima das autoridades”, diz Greco.

O secretário aponta, ainda, o critério meramente ideológico usado por parte da imprensa para noticiar fatos ligados à segurança pública. “Se aquele policial encurralado atirasse nas pessoas que estavam tentando tomar sua arma, sem dúvidas o tom da maioria das notícias seria contra o policial, por mais que ele estivesse agindo em sua defesa. As pessoas já estão acostumadas a esse tipo de raciocínio”, lamenta. “Ninguém quer preservar o abuso, o ato arbitrário por parte de agentes de segurança. Mas quando o policial está agindo dentro da legalidade ele tem que ter todo o apoio da sociedade e principalmente do Estado”.

Em complemento, Rebelo explica que discursos públicos com “demonização” das forças policiais, classificando-as genericamente como racistas e opressoras, junto à percepção de autores de crimes bárbaros como vítimas sociais, são responsáveis por aumentar a violência em grandes proporções. “Diante dessa contaminação ideológica, passa a ser comum que ao ver ou presenciar uma ação policial as pessoas passem de imediato a tomar partido do criminoso”, afirma o pesquisador.

Para ambos os especialistas, reverter o atual quadro é desafiador e demanda uma ampla mudança cultural. “A ideia primordial para começar a se reverter esse cenário é entender que o criminoso não é vítima. Por mais que existam fatores que colaborem para suas decisões, o crime é uma opção dele, e a partir do momento em que opta por essa prática estará sujeito às sanções e privações que são a consequência da opção que fez”, declara Rebelo.

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