Continua nesta quinta-feira (13) um julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com relatoria do ministro Edson Fachin, sobre o abuso de poder religioso nas eleições. O TSE deverá decidir se é possível punir eleitoralmente candidatos que se aproveitem de sua influência sobre comunidades religiosas para angariar votos, como defende Fachin em sua proposta.
Na quarta-feira passada (5), Fachin teve uma reunião por videoconferência com quatro parlamentares da bancada evangélica e um jurista também evangélico, em que ouviu argumentos contrários à ideia de criar o tipo legal do abuso de poder religioso.
A eventual aprovação da proposta de Fachin poderia resultar na cassação de mandatos não só de políticos vitoriosos em eleições futuras, mas também daqueles que estejam exercendo seus mandatos atualmente. Qualquer político brasileiro que fosse enquadrado no crime eleitoral de abuso de poder religioso poderia ter seu mandato cassado.
A proposta é polêmica especialmente porque a legislação eleitoral brasileira não prevê o abuso de poder religioso como um crime eleitoral, mas apenas os abusos de poder econômico e político. Por isso, diversos juristas têm acusado o TSE de ativismo judicial.
Votação está empatada em 1 a 1; faltam 5 votos
O julgamento da questão começou em sessão do dia 25 de junho, quando Fachin se manifestou favorável à penalização do abuso de poder religioso. "A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral”, disse o ministro na ocasião.
A votação foi interrompida por um pedido de vista do ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho. Antes do fim da sessão, o ministro Alexandre de Moraes quis antecipar seu voto e manifestou divergência com o relator. "Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política”, disse Moraes. Agora, restam os votos de cinco ministros.
O processo que originou a proposta de Fachin diz respeito à vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela é acusada de usar a sua posição na igreja para promover a sua candidatura, influenciando o voto de fiéis.
Associação de juristas evangélicos enxerga preconceito na proposta de Fachin
Uziel Santana, presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), diz que a ideia de Fachin revela um preconceito. “Esse argumento que ele usa parte de um pressuposto preconceituoso de que os evangélicos são pessoas que têm as suas mentes sequestradas, a sua subjetividade sequestrada por algum religioso, padre, pastor… Isso não tem razão de ser. Se é assim, então, por exemplo, alguém que participe de alguma associação de qualquer natureza também pode ser influenciado”, diz.
Para ele, o TSE está manifestando um “abuso do poder judicial” contra a democracia. “Você acaba estigmatizando um segmento da sociedade”, afirma.
O jurista destaca que a influência dos pastores sobre as eleições não é tão grande quanto se imagina. Evidência disso, segundo ele, é que os fiéis tendem a discordar dos pastores na hora da votação. “Nas igrejas evangélicas, no máximo 30% do rebanho vota com o pastor. Na Igreja Católica, menos ainda”, afirma.
Santana diz que a Anajure compartilha algumas das preocupações de Fachin sobre o uso dos templos para obter vantagens políticas, mas destaca que esse não é o caminho para resolver o problema. “Nem a Consituição nem o sistema eleitoral preveem uma figura jurídica chamada ‘abuso do poder religioso’”, diz.
A Anajure está otimista em relação ao desfecho da votação no TSE. O voto do ministro Alexandre de Moraes revelou um cenário favorável contra a proposta de Fachin, segundo Santana. A videoconferência de parlamentares e juristas evangélicos com Fachin, ocorrida na quarta passada, aumentou o otimismo.
Deputados que participaram dessa reunião foram consultados pela Gazeta do Povo sobre o julgamento desta quinta, mas não haviam respondido até a noite de terça-feira (11).
Proposta de Fachin é ativismo judicial, dizem juristas
Para Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, o TSE está agindo “com evidente ativismo judicial” na proposta de criar o tipo legal do abuso de poder religioso. “O Poder Judiciário estaria legislando”, diz.
Miranda concorda que, no caso da vereadora em questão, houve abuso de poder, já que ela se usou do templo para fazer campanha política em reiteradas ocasiões, de acordo com o processo. Mas, segundo ele, só o Legislativo poderia traçar critérios objetivos para tipificar o crime de abuso de poder religioso. O Judiciário não tem as prerrogativas para isso.
O jurista aponta a falta de critérios claros para a punição, o que poderia gerar grave prejuízo à liberdade de expressão. Pela proposta de Fachin, qualquer manifestação favorável a um candidato em um templo religioso poderia ser enquadrada em abuso de poder religioso, segundo ele. “Como não há determinação dos limites objetivos, quem agisse defendendo determinada candidatura poderia ser punido”, diz.
Para Miranda, a proposta do TSE está “julgando o caso mais extremo e coibindo todo o resto a partir da régua do caso mais extremo”. “Um pastor sobe num púlpito e pede para os fiéis orarem para determinada pessoa. Se essa pessoa for candidata, não significa que ele esteja fazendo campanha para ela”, diz.
O jurista Thiago Vieira, do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, destaca a “inexistência da previsão legal de abuso de poder religioso, tanto na Constituição quanto na legislação específica, que é a lei complementar 64/90” (Lei de Inelegibilidade). Para ele, as restrições de liberdades devem acontecer apenas por lei e somente quando não haja outra medida possível.
A eventual previsão pelo Judiciário de punições para o abuso de poder religioso, segundo Vieira, entraria em choque com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário, por afrontar a liberdade religiosa. Para o jurista, a liberdade de professar a fé ficaria limitada, porque seria suscitada uma dúvida nos líderes religiosos entre aquilo que poderia ser considerado abuso de poder religioso e o que não.
“Muitas pessoas não vão mais querer falar sobre política, porque podem ser punidas”, afirma. Líderes religiosos estariam o tempo todo sob a ameaça de uma punição, o que feriria a liberdade religiosa, avalia o jurista. “Você coloca uma espada de Dâmocles em cima da cabeça dos líderes e dos fiéis, aquela espada que fica pendurada por um fio acima da sua cabeça o tempo inteiro. A qualquer momento a espada pode cair. Isso afronta a cidadania, o pluralismo político”, diz.
Vieira também chama a atenção para a dificuldade de se traçar uma linha clara entre o que é e o que não é abuso.
“Qual é a metodologia semântica para saber o âmbito do que é religião no discurso e do que não é? Quem vai dizer qual é essa metodologia semântica? ‘Aqui foi religião, aqui não foi. Aqui foi manipulação, foi influência…’ Isso é muito gasoso. Não é nem líquido, é gasoso. Você não consegue nem enxergar”, diz.
“Precisamos de segurança jurídica, de coisas sólidas, que nós enxergamos e tocamos. Isso é característico da lei. A lei tem esse papel. E a lei emana do povo pelo Congresso Nacional.”
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