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Adoção

Falta de estrutura ameaça lei

Calcula-se que perto de 80 mil crianças vivam em abrigos no Brasil hoje, das quais só 2,5 mil estão disponíveis para a adoção: sem perspectiva de futuro | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Calcula-se que perto de 80 mil crianças vivam em abrigos no Brasil hoje, das quais só 2,5 mil estão disponíveis para a adoção: sem perspectiva de futuro (Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)

A nova Lei Nacional de Adoção entra em vigor em pouco menos de dois meses, mas seu funcionamento pode esbarrar na falta de estrutura do Poder Judiciário. O objetivo é tirar do limbo jurídico cerca de 80 mil meninos e meninas que vivem em abrigos no Brasil. Eles não moram com as famílias de origem, mas apenas 2,5 mil estão disponíveis para adoção.

Para que a lei seja aplicada, os juízes devem fazer um acompanhamento, no máximo a cada seis meses, de todas as crianças abrigadas. As pessoas interessadas em adotar participam de um cadastro nacional e são avaliadas por uma equipe técnica. O problema é que no Paraná apenas 30 comarcas, das mais de 150, têm esses profissionais. Além disso, no estado há somente seis varas exclusivas para a infância e adolescência.

A lei foi criada para garantir o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes, mas para que isso ocorra é necessário estrutura. E, nesse quesito, o Paraná precisa avançar. De acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Magis­trados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), em 2008 somente os municípios de Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá e Ponta Grossa tinha varas com atendimento exclusivo à infância. Quando o assunto é equipe técnica, a situação é pior. São esses profissionais que vão respaldar as decisões dos juízes, influenciando o futuro de uma criança em um abrigo ou a capacidade de uma pessoa adotar ou não. Essa equipe deve ser interdisciplinar, ou seja, composta por pedagogos, assistentes sociais, psicólogos entre outros. Mas somente uma cidade em todo o estado tem os três profissionais: Paranaguá.

Em Curitiba, na 1.ª Vara da Infância e Juventude, há somente cinco profissionais para atender a uma demanda de aproximadamente mil crianças abrigadas. Seria preciso dobrar a quantidade de pessoal. Em São José dos Pinhais, uma comissionária formada em Psicologia assumiu a missão da psicóloga e o município cedeu uma assistente social. O mesmo ocorre em Colombo, que tem somente uma assistente social cedida pela prefeitura para uma população de quase 250 mil habitantes, sendo 17% deles considerados pobres. Em Campina Grande do Sul, não há equipe técnica.

Prioridade

A legislação da infância no Brasil – tanto o Artigo 227 da Constituição Federal, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente – trouxe a perspectiva da prioridade absoluta. Ou seja, a infância deveria estar em primeiro lugar na elaboração de todas as políticas públicas. Inclusive na esfera jurídica. No Artigo 150 do ECA está previsto que "cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude". A nova lei prevê que os interessados em adotar passem por uma preparação psicossocial e jurídica. Não há como realizar este processo sem equipe técnica. Neste ano, o Tribunal de Justiça do Paraná abriu um concurso para contratação de equipe técnica. São 32 vagas para assistentes sociais e 48 para psicólogos. Mesmo assim, a demanda do estado não será sanada.

Juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude, Lídia Munhoz Mattos Guedes, diz que no cotidiano do Judiciário o monitoramento das crianças abrigadas já ocorre com frequência, mas os avanços que a lei prevê precisam do apoio de toda a sociedade. "É uma atuação em rede. Exige mudanças no Judiciário, Executivo e por parte da população. No caso de Curitiba, dificilmente leva-se mais de dois anos para definir a situação de uma criança. Só que na maior parte dos casos, quando são disponibilizadas para a adoção, já estão maiores e ficam fora da opção de grande parte dos interessados em adotar."

Por outro lado, especialistas apontam que a decisão de destituir o poder familiar é difícil porque em muitas situações isso significará a ruptura total dos laços familiares. E como a adoção tardia ocorre em casos isolados, a sentença pode significar uma infância inteira vivida em abrigos. "Em muitos casos os pais são alcoolistas. Vão se tratar e fica tudo bem, mas de repente recaem. Às vezes ficamos sem saída. Nem sempre a destituição é o melhor caminho", diz a juíza Lídia.

Situação semelhante vive o juiz Fábio Ribeiro Brandão, da Comarca de Colombo. "O abrigo é o pior lugar do mundo porque nunca será uma família." Há na cidade cerca de 50 crianças abrigadas. A maior parte delas é maior de cinco anos e só não deixa o local porque não há adotantes interessados. "O que a lei não vai fazer é milagre." Ele argumenta que a nova legislação ratifica o que já vinha sendo feito. "Nosso estado está começando a programar melhorias. Um concurso para contratação de profissionais foi aberto. É consenso de que a falta de equipe técnica é o principal problema."

A promotora de Araucária Leidi Mara Wzorek afirma que é preciso uma estrutura melhor também no Ministério Público e o aumento da quantidade de juízes. Ela, por exemplo, é responsável pela área da infância, família, criminal, registros públicos, patrimônio público e saúde. A juíza do município também acumula áreas, situação semelhante a quase todas as comarcas do estado.

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