A falta de políticas públicas específicas para os hospitais filantrópicos de pequeno porte tem colocado em risco o futuro destas instituições, muitas das quais são consideradas o único recurso para cidadãos de mais de mil pequenos municípios brasileiros. Pela falta de atenção dispensada pelos governos municipal, estadual e federal, o setor convive hoje com uma situação caótica: leitos ociosos, despesas que crescem exponencialmente e falta de médicos, problemas que impedem a realização de cirurgias básicas.
Este é o cenário, em maior ou menor grau, de praticamente 90% dos hospitais menores, de 50 a 100 leitos, presentes em municípios de até 30 mil habitantes espalhados por todas as regiões do país. E não há previsão de que este panorama possa melhorar, devido a uma lógica perversa: hoje, a melhor forma de angariar recursos é aumentando a capacidade de atendimento, tornando-se referência em determinada área, e fazendo a chamada contratualização, quando o serviço é prestado mediante contrato com o Estado, com cumprimento de metas e maior controle das contas. Entretanto, sem dinheiro para a realização de reformas e melhorias básicas, que atendam a critérios de segurança e vigilância sanitária, não é possível ampliar a oferta de serviços, o que permitiria a contratualização.
Fora do programa
No Paraná, isso se tornou visível no momento em que o governo do estado lançou um programa que promete tirar os hospitais públicos e filantrópicos da roda-viva de dívidas e defasagem tecnológica que toma conta do setor. O Hospsus, que teve início em junho do ano passado, com recursos da ordem de R$ 60 milhões para custeio, além de R$ 22 milhões para obras e compra de equipamentos (leia mais ao lado), não incluiu 14 das instituições consideradas de pequeno porte justamente pela sua baixa capacidade resolutiva e porque muitos não estão contratualizados.
"O que a gente quer é um incentivo específico para os hospitais de pequeno porte, que seja adequado à realidade em que se encontram. Para isso, é necessário adotar duas frentes: a primeira é tirá-los desse círculo vicioso, dando o mínimo para que se recuperem das dívidas. Posteriormente, é preciso realizar um estudo para ver o que pode ser alterado no perfil destes hospitais e de que forma eles podem ser mais efetivos", analisa o presidente da Federação das Santas Casas do Paraná (Femipa), Maçazumi Furtado Niwa.
De acordo com Niwa, desde 2006, quando a política da contratualização teve início, não houve grandes mudanças para os de pequeno porte, apenas para os de capacidade média, já que os critérios para receber o incentivo como 30% dos atendimentos serem feitos a pacientes de outras cidades e a existência de especialidades básicas não eram cumpridos pelos menores. "É uma situação complicada. Não há investimento porque não há demanda, e, como não há demanda, não há investimento", resume.
Por conta da camisa de força imposta pelo programa, os números de contratualizados continuam inexpressivos: desde 2006, apenas 700 dos 2,1 mil filantrópicos (ou 33%), principalmente os maiores e de médio porte, aderiram ao plano.
Destino incerto ronda hospital de Matelândia
Quando o mês de agosto terminar, o Hospital e Maternidade Padre Tezza, em Matelândia (região de Foz do Iguaçu), já terá acumulado uma dívida de R$ 104 mil, fruto de despesas com férias, 13.º salário, empréstimos e dívidas com fornecedores e médicos. O rombo cresce a cada mês e, pela incapacidade de sanar dívidas com fornecedores, algumas cirurgias eletivas já não são mais feitas no hospital desde janeiro, como as de ortopedia (dez por mês).
"Há paciente que está na fila pela cirurgia há três anos e quando chega aqui descobre que não vai poder operar. Paramos para que não virasse uma bola de neve. Só para uma empresa que fornece próteses e órteses nós já devemos R$ 7 mil", conta a administradora do hospital, irmã Aparecida, há um ano e três meses na gestão. A situação só não é pior porque o hospital realiza jantares e almoços beneficentes e promove campanhas para arrecadar alimentos e material de limpeza.
O hospital atende 98% dos pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e esse é o seu grande calcanhar de Aquiles. Apesar de a ociosidade dos leitos ficar em torno de 60% há dias em que não há ninguém internado , ainda assim, as poucas internações não são compensadas pelo sistema: o hospital recebe 48 guias de internação hospitalar por mês, ao passo que interna sempre mais de 100 pessoas, ou seja, o gasto pelas internações extras não é compensado.
A administradora já tentou inserir o hospital na proposta de leito de retaguarda, mas a resposta que obteve da secretaria é de que o hospital fica muito distante das cidades maiores mais próximas Cascavel e Foz do Iguaçu, longe 70 quilômetros cada uma de Matelândia. O hospital também tentou a contratualização, mas apesar de ter enviado os documentos ao SUS, não obteve resposta.
Agora, o hospital tenta tornar-se referência no atendimento à gestante e entra para o Hospsus por meio do Programa Mãe Paranaense, mas para isso precisará sanar as dívidas e equipar melhor o hospital. Se isso será possível, não se sabe, pois nem o básico está sendo sanado. De toda forma, no próximo dia 1.º será realizado um novo jantar beneficente, ao custo de R$ 15, na tentativa de, mais uma vez, deixar as contas menos ´vermelhas´.
Em dívida
Hospsus promete recuperar saúde financeira dos maiores
Embora os hospitais menores sejam os que mais sofrem com a falta de verbas, a situação dos de médio e grande porte também é delicada. De acordo com levantamento feito pela Câmara dos Deputados em junho, o total da dívida dos hospitais do país já ultrapassa os R$ 11 bilhões, a maioria de débitos com bancos e pela falta de repasses adequados do SUS. Deste total, mais de 80% são dívidas de hospitais de referência, sejam públicos, universitários ou filantrópicos.
No Paraná, a situação é semelhante só a Santa Casa de Curitiba, um hospital universitário tradicional, possui uma dívida que já ultrapassa os R$ 20 milhões. Numa tentativa de contornar o problema, o governo do estado lançou em junho do ano passado o Programa de Apoio e Qualificação de Hospitais Públicos e Filantrópicos do SUS Paraná (HOSPSUS), com orçamento anual de R$ 60 milhões e repasses de mais R$ 22 milhões para realização de obras. No total, são 48 participantes.
De acordo com o superintendente de Gestão de Sistemas de Saúde da SESA, Paulo Almeida, o incentivo para que o hospital participe do programa pode variar de R$ 40 mil a 140 mil mensais, o que, em um primeiro momento, pode ajudar na contratação de médicos. Paralelamente, o hospital oferece ao gestor do hospital um curso de especialização em administração hospitalar, realizado na PUCPR, importante para melhorar uma área extremamente deficiente: a gestão.
"Os gestores aprendem a realizar um plano diretor para o hospital, que é importante para que se conheça melhor o perfil da instituição e a realidade de atendimento", diz Almeida. Além do curso, os gestores também se comprometem a seguir metas de internamento e atendimento, instalar ouvidorias, seguir determinações da Vigilância Sanitária e criar e humanizar comissões dentro dos setores hospitalares.