Irmã Aparecida, gestora de hospital em Matelândia: leitos ociosos por falta de verba| Foto: Christian Rizzi/ Gazeta do Povo

Alternativa

Solução seria alterar perfil dos hospitais

É consenso entre os gestores dos hospitais de pequeno porte e também da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) que precisa-se mudar a configuração dessas instituições, sob o risco de que fechem as portas ou acumulem cada vez mais dívidas. Duas são as alternativas: transformar esses hospitais em unidades de pronto-atendimento (UPA) ou em hospitais de retaguarda, ou seja, que recebam pacientes de menor risco, ao passo que os maiores ficariam com os casos mais complicados.

Caso o hospital se transforme em UPA, a Femipa, entidade que representa os filantrópicos do estado, calcula que os gastos cairiam drasticamente, já que muitos leitos ociosos seriam desativados – estima-se que, em média, 28% das internações não são necessárias. Por outro lado, o hospital passaria a receber um incentivo que pode chegar a R$ 300 mil mensais para estruturar sua rede de urgência e emergência, deixando casos graves para hospitais regionais.

A proposta da Femipa é que os hospitais se transformem em unidades para o tratamento de casos menos complexos, o que já é feito na Espanha e em Portugal, com o atendimento a gestantes, idosos e pessoas com problemas mentais ou de drogadição. O desafio, porém, é passar da teoria para a prática. Embora já se saiba o caminho das pedras, ainda não houve gestor que se dispusesse a fazer esta transição (VFP).

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Contratualização

pode gerar mais recursos aos hospitais de pequeno porte. Ela ocorre quando o serviço da instituição é prestado mediante contrato com o Estado, com cumprimento de metas e maior controle das contas.

Situação

Hospitais de Ribeirão do Pinhal e Cambará enfrentam dificuldades com criatividade

No Hospital e Maternidade Ribeirão do Pinhal (cidade do Norte Pioneiro), é preciso se desdobrar para cobrir o déficit mensal de R$ 15 mil (são R$ 90 mil de despesa contra R$ 75 mil de receita). A solução encontrada pelos funcionários foi cultivar uma horta nos fundos do local e vender os produtos na feira da cidade, além de sair "à caça" de doações da Receita Federal (que estão escassas; a última foi em 2010) e de fieis da Igreja Católica.

De acordo com o diretor-executivo da instituição, Onivaldo Aparecido Zanuto, há dois anos no cargo, recentemente foi possível comprar o primeiro gerador do hospital, no valor de R$ 65 mil, reformar o piso, o centro cirúrgico e também instalar um poço artesiano. "O dinheiro veio da Itália, através da Igreja. Apresentamos o projeto e eles aprovaram. Mas parceria com o governo não existe".

Atualmente, o hospital interna cerca de 100 pacientes por mês, mas recebe por apenas 76, o que faz com que os gastos dos pacientes a mais sejam repassados para o mês seguinte, em uma eterna bola de neve. Por outro lado, a ociosidade dos 63 leitos é de 20%, embora os gastos sejam fixos.

No momento, o hospital espera o credenciamento pelo SUS de uma Sala de Estabilização montada recentemente, e à espera da inauguração. O gestor já fez o cadastro pelo site do sistema, mas não recebeu resposta. O credenciamento renderia um incentivo de R$ 25 mil, o que fará a diferença para o hospital. "Não queremos fechar as portas. Por outro lado, não posso garantir o dia de amanhã".

Cambará

Até este semestre, a dívida da Santa Casa de Cambará (Norte Pioneiro) terá chegado a mais de R$ 200 mil -- R$ 100 mil em gastos não cobertos pelo SUS com internações e procedimentos, e outros R$ 100 mil em empréstimos contraídos com cooperativas. Por conta do pouco dinheiro em caixa, o hospital não possui estoque de medicamentos, e até mesmo o exame contrastado de raio X deixou de ser feito porque uma das peças do aparelho quebrou, há oito meses, e não há verba para o conserto, no valor de R$ 30 mil.

"Por causa das dificuldades, fazemos de tudo: jantares, almoços, festas. Aprendi até a fazer bombom para vender. É difícil, estou há 15 anos à frente da Santa Casa, e a situação complicou muito nos últimos anos. É por amor que a gente continua lutando", diz a administradora do hospital, Maria Aparecida Tinelly.

A situação, de acordo com ela, ficou complicada há 20 anos, quando foi inaugurado o hospital municipal, o que fez com que perdessem o convênio com a prefeitura. A partir de então, 26 dos 91 leitos foram desativados. "Tentamos operar com convênios também, mas em cidade pequena ninguém tem plano de saúde, então, a verba que vem daí também é pequena".

O hospital tentou entrar em programas do governo federal e estadual, mas não atendeu a pré-requisitos, e atualmente espera que algum gestor realize um estudo que defina melhor o seu perfil e sua capacidade de atendimento. "Sempre pedem pediatria, UTI, mas eu não tenho, vou fazer o quê? Eles têm de pedir e exigir de acordo com a minha capacidade, e ajudando o hospital a melhorar", finaliza (VFP).

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A falta de políticas públicas específicas para os hospitais filantrópicos de pequeno porte tem colocado em risco o futuro destas instituições, muitas das quais são consideradas o único recurso para cidadãos de mais de mil pequenos municípios brasileiros. Pela falta de atenção dispensada pelos governos municipal, estadual e federal, o setor convive hoje com uma situação caótica: leitos ociosos, despesas que crescem exponencialmente e falta de médicos, problemas que impedem a realização de cirurgias básicas.

Este é o cenário, em maior ou menor grau, de praticamente 90% dos hospitais menores, de 50 a 100 leitos, presentes em municípios de até 30 mil habitantes espalhados por todas as regiões do país. E não há previsão de que este panorama possa melhorar, devido a uma lógica perversa: hoje, a melhor forma de angariar recursos é aumentando a capacidade de atendimento, tornando-se referência em determinada área, e fazendo a chamada contratualização, quando o serviço é prestado mediante contrato com o Estado, com cumprimento de metas e maior controle das contas. Entretanto, sem dinheiro para a realização de reformas e melhorias básicas, que atendam a critérios de segurança e vigilância sanitária, não é possível ampliar a oferta de serviços, o que permitiria a contratualização.

Fora do programa

No Paraná, isso se tornou visível no momento em que o governo do estado lançou um programa que promete tirar os hospitais públicos e filantrópicos da roda-viva de dívidas e defasagem tecnológica que toma conta do setor. O Hospsus, que teve início em junho do ano passado, com recursos da ordem de R$ 60 milhões para custeio, além de R$ 22 milhões para obras e compra de equipamentos (leia mais ao lado), não incluiu 14 das instituições consideradas de pequeno porte justamente pela sua baixa capacidade resolutiva e porque muitos não estão contratualizados.

"O que a gente quer é um incentivo específico para os hospitais de pequeno porte, que seja adequado à realidade em que se encontram. Para isso, é necessário adotar duas frentes: a primeira é tirá-los desse círculo vicioso, dando o mínimo para que se recuperem das dívidas. Posteriormente, é preciso realizar um estudo para ver o que pode ser alterado no perfil destes hospitais e de que forma eles podem ser mais efetivos", analisa o presidente da Federação das Santas Casas do Paraná (Femipa), Maçazumi Furtado Niwa.

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De acordo com Niwa, desde 2006, quando a política da contratualização teve início, não houve grandes mudanças para os de pequeno porte, apenas para os de capacidade média, já que os critérios para receber o incentivo – como 30% dos atendimentos serem feitos a pacientes de outras cidades e a existência de especialidades básicas – não eram cumpridos pelos menores. "É uma situação complicada. Não há investimento porque não há demanda, e, como não há demanda, não há investimento", resume.

Por conta da camisa de força imposta pelo programa, os números de contratualizados continuam inexpressivos: desde 2006, apenas 700 dos 2,1 mil filantrópicos (ou 33%), principalmente os maiores e de médio porte, aderiram ao plano.

Destino incerto ronda hospital de Matelândia

Quando o mês de agosto terminar, o Hospital e Maternidade Padre Tezza, em Matelândia (região de Foz do Iguaçu), já terá acumulado uma dívida de R$ 104 mil, fruto de despesas com férias, 13.º salário, empréstimos e dívidas com fornecedores e médicos. O rombo cresce a cada mês e, pela incapacidade de sanar dívidas com fornecedores, algumas cirurgias eletivas já não são mais feitas no hospital desde janeiro, como as de ortopedia (dez por mês).

"Há paciente que está na fila pela cirurgia há três anos e quando chega aqui descobre que não vai poder operar. Paramos para que não virasse uma bola de neve. Só para uma empresa que fornece próteses e órteses nós já devemos R$ 7 mil", conta a administradora do hospital, irmã Aparecida, há um ano e três meses na gestão. A situação só não é pior porque o hospital realiza jantares e almoços beneficentes e promove campanhas para arrecadar alimentos e material de limpeza.

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O hospital atende 98% dos pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e esse é o seu grande calcanhar de Aquiles. Apesar de a ociosidade dos leitos ficar em torno de 60% – há dias em que não há ninguém internado –, ainda assim, as poucas internações não são compensadas pelo sistema: o hospital recebe 48 guias de internação hospitalar por mês, ao passo que interna sempre mais de 100 pessoas, ou seja, o gasto pelas internações extras não é compensado.

A administradora já tentou inserir o hospital na proposta de leito de retaguarda, mas a resposta que obteve da secretaria é de que o hospital fica muito distante das cidades maiores mais próximas – Cascavel e Foz do Iguaçu, longe 70 quilômetros cada uma de Matelândia. O hospital também tentou a contratualização, mas apesar de ter enviado os documentos ao SUS, não obteve resposta.

Agora, o hospital tenta tornar-se referência no atendimento à gestante e entra para o Hospsus por meio do Programa Mãe Paranaense, mas para isso precisará sanar as dívidas e equipar melhor o hospital. Se isso será possível, não se sabe, pois nem o básico está sendo sanado. De toda forma, no próximo dia 1.º será realizado um novo jantar beneficente, ao custo de R$ 15, na tentativa de, mais uma vez, deixar as contas menos ´vermelhas´.

Em dívida

Hospsus promete recuperar saúde financeira dos maiores

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Embora os hospitais menores sejam os que mais sofrem com a falta de verbas, a situação dos de médio e grande porte também é delicada. De acordo com levantamento feito pela Câmara dos Deputados em junho, o total da dívida dos hospitais do país já ultrapassa os R$ 11 bilhões, a maioria de débitos com bancos e pela falta de repasses adequados do SUS. Deste total, mais de 80% são dívidas de hospitais de referência, sejam públicos, universitários ou filantrópicos.

No Paraná, a situação é semelhante – só a Santa Casa de Curitiba, um hospital universitário tradicional, possui uma dívida que já ultrapassa os R$ 20 milhões. Numa tentativa de contornar o problema, o governo do estado lançou em junho do ano passado o Programa de Apoio e Qualificação de Hospitais Públicos e Filantrópicos do SUS Paraná (HOSPSUS), com orçamento anual de R$ 60 milhões e repasses de mais R$ 22 milhões para realização de obras. No total, são 48 participantes.

De acordo com o superintendente de Gestão de Sistemas de Saúde da SESA, Paulo Almeida, o incentivo para que o hospital participe do programa pode variar de R$ 40 mil a 140 mil mensais, o que, em um primeiro momento, pode ajudar na contratação de médicos. Paralelamente, o hospital oferece ao gestor do hospital um curso de especialização em administração hospitalar, realizado na PUCPR, importante para melhorar uma área extremamente deficiente: a gestão.

"Os gestores aprendem a realizar um plano diretor para o hospital, que é importante para que se conheça melhor o perfil da instituição e a realidade de atendimento", diz Almeida. Além do curso, os gestores também se comprometem a seguir metas de internamento e atendimento, instalar ouvidorias, seguir determinações da Vigilância Sanitária e criar e humanizar comissões dentro dos setores hospitalares.