Pesquisadores do Departamento de Saneamento da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), Marcelo Araújo e Paulo Barrocas apontam o descaso sucessivo dos governos com o saneamento básico como motivo para que as epidemias de dengue continuem a fazer vítimas no país. Segundo Araújo, há um descuido acentuado com o destino do lixo e com o cumprimento de metas de saneamento. Programas de saneamento, diz o pesquisador, têm execução lenta, e falta vontade política aos governos para executá-los.
Números divulgados pelo Ministério das Cidades neste mês vão ao encontro das afirmações do pesquisador. Com o contingenciamento de recursos pelo governo federal, a pasta já admite que o país não cumprirá a meta de ter 93% da população com acesso à rede de coleta de esgoto até 2033. Em 2014, o percentual chegou a 42,4%.
“Temos também a questão do lixo. Não adianta a população eliminar criadouros se existem terrenos baldios sujos. Nesses casos, há falhas mútuas: o Estado não mantém uma coleta eficiente de resíduos, e algumas pessoas insistem em jogar lixo nas ruas. Existe a preocupação com o privado, e o descaso com o público”, afirma Araújo, ao chamar a atenção para o sistema de drenagem das casas. “As campanhas contra dengue citam, por exemplo, os pratos de vasos de plantas que acumulam água. Mas esquecem de falar de erros nos projetos de telhados, com caimentos irregulares que acumulam água.”
Já Barrocas aponta mudanças climáticas e falhas na infraestrutura das cidades como complicadores. Segundo ele, as chuvas passaram a ser mais intensas e a cair em intervalos pequenos. É comum chover em poucas horas o esperado para uma semana ou um mês. Com isso, o solo urbanizado não absorve a água, a rede de drenagem não é suficiente para o escoamento do volume d’água excessivo e as poças viram criadouros.
Longos períodos de estiagem levaram moradores de estados como São Paulo − que enfrentou uma das piores secas ano passado − a estocar água. Sem o cuidado devido, reservatórios caseiros viraram chamarizes de mosquito. “Abastecimento de água tratada também faz parte do saneamento. Estados que não se preparam para estiagem falham. Estocar água é um convite ao Aedes aegypti. No ano passado, São Paulo enfrentou uma estiagem forte. Os casos de dengue dispararam”, analisa Barrocas.
Para os dois pesquisadores, o Aedes aegypti ainda vai conviver com muitos governos.