Levi Rodrigues, da etnia caingangue: caminhada diária de três horas para chegar à escola estadual| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Comunidade quer ensino multilíngue

A falta de transporte é um problema pontual na aldeia. A comunidade reivindica uma escola no local com professores que possam ensinar, além do português, os idiomas caingangue, guarani e xetá – o que é obrigação do poder público, pois está previsto no artigo 49 do Estatuto do Índio.

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Legislação

O direito das crianças indígenas à educação é garantido por lei:

Estatuto do Índio

Artigo 47

É assegurado o respeito ao patrimônio cultural das comunidades indígenas, seus valores artísticos e meios de exploração.

Artigo 48

Estende-se à população indígena, com as necessárias adaptações, o sistema de ensino em vigor no País.

Artigo 51

A assistência aos menores, para fins educacionais, será prestada, quando possível, sem afastá-los do convívio familiar ou tribal.

Estatuto da Criança e do Adolescente

Artigo 53

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (...)

V. acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Artigo 54

É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I.ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (...)

VII. Atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (...)

§ 2º- O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

Adolescentes da única aldeia indígena urbana do Paraná, a Kakané Porã, no Campo de Santana (zona sul de Curitiba), estão sem estudar por falta de transporte escolar. São 17 meninos e meninas que precisariam andar cerca de 14 km para frequentar a escola. Apenas dois fazem o trajeto diariamente. Cinco conseguiram transferência para um colégio mais perto que está superlotado e funciona em quatro turnos. Dez não estão estudando. Eles estão matriculados em uma escola estadual, mas não podem pegar o ônibus que leva as crianças até a escola municipal por problemas burocráticos entre o governo do estado e a prefeitura. As duas escolas ficam distantes uma da outra apenas 500 metros.

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Enquanto o impasse não é resolvido, o caingangue Levi Rodrigues, de 15 anos, tem de caminhar quase três horas para chegar à escola. Somente ele e a irmã de 13 anos fazem o trajeto. Saem de casa perto das 6h30 com o dia ainda escuro. A menina chega cansada da aula e vai direto dormir. Mesmo assim, procuram não faltar. O garoto ainda está na 5ª série.

Antes de ir para a Kakané Porã, ele vivia com a família na antiga aldeia localizada próximo a Avenida das Torres. Também tinha problemas com o transporte escolar. A falta de ônibus, aliada às constantes viagens dos pais para vender artesanato, fizeram o garoto perder quatro anos de vida escolar.

A família de Levi ganha cerca de R$ 300 por mês. Ele e a irmã vão para a aula sem uniforme porque o conjunto de calça e camisa para os dois seria o equivalente a quase metade da renda familiar. A saída dos filhos ainda de madrugada preocupa a mãe deles, Rosane Salete Rodrigues. "Acontece tanta violência aqui perto. Além disso chegam cansados e com fome, não conseguem estudar direito."

Alcino de Almeida, um dos moradores da aldeia, já cansou de bater perna nos órgãos públicos que deveriam ajudar. Teve que lutar para conseguir uma vaga para a filha na escola mais próxima, que está superlotada. Ontem foi o primeiro dia de aula para ela neste ano. Já perdeu quase um mês.

Voluntários da organização não-governamental Aldeia Brasil tentam ajudar. "Conversamos com o governo municipal, com o estadual, com o Ministério Público. O próximo passo será a manifestação", diz Oswaldo Eustáquio, integrante da ONG.

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A jornalista Sandra Terena, ela própria uma índia que se graduou e atua na ONG, diz que a educação é a única saída para esses jovens. "Eles já tinham problemas na aldeia anterior. Se é difícil o acesso ao ensino fundamental, imagine para a universidade?", questiona.

As amigas Ana Carolina Neres, de 13 anos, e Tainara Pedroso, 12, não estão estudando porque esperam uma decisão sobre o transporte escolar. Elas querem ser advogada e médica, respectivamente. No ano passado Ana Carolina já perdeu um mês de aula em função da mudança. Tainara perdeu um ano.

A prefeitura informou, por meio da assessoria de comunicação, que só não o transporta os adolescentes porque a Secretaria de Estado da Educação (Seed) ainda não requisitou o serviço. Já a assessoria de imprensa da Seed não conseguiu localizar o responsável.

Aldeia

Inaugurada há três meses, a aldeia abriga cerca de 150 pessoas, entre elas 40 crianças e adolescentes. A antiga era localizada em uma ocupação irregular próxima à Avenida das Torres. As casas foram construídas em parceria entre a Cohab e o governo federal.

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