A presença de psicólogos e assistentes sociais nas escolas foi determinada pela Lei 13.935 de 2019. Porém, há quase quatro anos, essa regra só tem ficado no papel. Muitos entes da Federação não conseguiram cumprir a determinação legal e incluir no seu quadro os profissionais de psicologia e serviço social. Dados do Conselho de Psicologia apontam que somente 85 municípios cumpriram a legislação, até o momento.
Sancionada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a lei que determina a presença desses profissionais nas escolas ainda enfrenta dificuldades para ser colocada em prática e precisa ser regulamentada nos níveis estaduais e municipais. A falta de recursos para o pagamento desses profissionais tem sido um dos grandes gargalos para efetivar as ações.
De acordo com a Lei 13.935/2019, as equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais. O trabalho da equipe multiprofissional deverá considerar o projeto político-pedagógico das redes públicas de educação básica e dos seus estabelecimentos de ensino.
Com o aumento dos casos de depressão entre crianças e jovens, e até mesmo "surtos coletivos de ansiedade" em escolas apontados por especialistas, deputados promoveram uma audiência pública na Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira (29), para debater o cumprimento da lei. O debate foi solicitado pelo deputado Rafael Brito (MDB-AL).
Segundo o parlamentar, no ano passado, ocorreram casos de crise de ansiedade coletiva em escolas no Recife (PE), com grupos de 20 ou mais estudantes. E em março deste ano, aconteceu um caso semelhante em Maceió (AL). "As aulas entraram em modelo remoto e, além dos desafios quanto às novas formas de ensinar e aprender, o novo contexto provocou grandes danos nas vidas das pessoas. As perdas, o isolamento, as incertezas, entre outros fatores, contribuíram para a intensificação de quadros ansiosos e depressivos", ressalta.
O termo "surto de ansiedade coletiva" foi utilizado para definir um caso que ocorreu em Recife, em abril do ano passado, quando um grupo de 26 alunos do ensino médio precisou ser atendido por profissionais de saúde, depois de apresentar sintomas de ansiedade. O surto coletivo ocorreu na primeira semana de exames depois do retorno das aulas presenciais, após dois anos de restrições impostas pela pandemia de Covid-19.
Essas crises, segundo psicólogos, também chamadas de ataques de pânico, são caracterizadas por episódios de ansiedade muito intensa, com sensações físicas mais fortes e a impressão de que algo muito ruim, ou até mesmo a morte, estão próximos de acontecer. Elas podem ser desencadeadas por um evento estressante ou ocorrer de forma inesperada, e geralmente duram de 5 a 20 minutos, podendo chegar a algumas horas.
Psicólogos na escola é essencial?
A presença desses profissionais nas escolas tem sido apontada como essencial, em meio ao aumento de casos de depressão e ansiedade em crianças e adolescentes. Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) apontou que 36% das crianças e adolescentes apresentaram sinais de depressão durante a pandemia. Em 2021, os pediatras e psiquiatras dos Estados Unidos declararam estado de emergência na saúde mental infantil.
Lílian Fernandes, psicóloga escolar na rede pública do Distrito Federal, explica que a presença de um psicólogo na escola "envolve muito mais do que o acolhimento das demandas emocionais". Ela atua em uma escola de ensino fundamental do 6º ao 9º ano, junto com um pedagogo, integrada à Equipe Especializada de Apoio à Aprendizagem.
"Atuamos de forma institucional e com foco na aprendizagem, no pedagógico, prestando assessoria à toda a comunidade escolar, direção, coordenação, pais, alunos, professores e com parceira com a Orientação Educacional. Nosso papel é fundamental pois interliga todas as ações na escola", diz Lílian.
Entre as ações de um psicólogo na escola, Lílian aponta "o papel de amparar em todas as circunstâncias, com orientações, avaliação dos estudantes que possuem dificuldades de aprendizagem, acompanhamento, formação e orientação aos professores sobre como lidar com os estudantes com dificuldade de aprendizagem". Eles também orientam sobre os laudos, e em casos de demandas emocionais, fazem o acolhimento e orientam os pais na busca pelos profissionais adequados. "Na escola também buscamos trabalhar com projetos de prevenção, com temas que envolvem inteligência emocional, bullying, emoções, respeito às diferenças", diz Lílian.
Sobre os casos de depressão, ela explica que "a demanda entre crianças está cada vez mais frequente e estão sendo encaminhadas (ao psicólogo) cada vez mais cedo". "Temos casos de automutilação em crianças muito novas. Eu trabalho em uma escola de ensino fundamental anos finais (6º ao 9º ano), já são pré-adolescentes e adolescentes, tem sido muito comum lidar com tantas demandas emocionais", conta.
A psicóloga e orientadora parental Fernanda Polsin também vê como importante a atuação de um psicólogo na escola, tendo em vista que esses profissionais "conhecem sobre desenvolvimento infantil, conseguem auxiliar a equipe escolar a entender as demandas de cada faixa etária". "Eles orientam a equipe sobre o que sai da curva do esperado para cada idade e sobre como lidar com as crianças que possuem algum diagnóstico psicológico ou dificuldade de um modo geral". Além disso, podem auxiliar as famílias dos alunos em suas diversas questões que esbarram no ambiente escolar", diz Fernanda.
Fernanda ainda complementa que os psicólogos escolares "sozinhos não dão conta de fazer os atendimentos necessários que uma criança ou adolescente com depressão necessita". "Em casos assim, é importante encaminhar para psicólogo clínico, psiquiatra infantil, neuropediatra a depender da demanda do aluno", reforça.
Previsão orçamentária é incerta
A falta de recursos para pagar esses profissionais foi apontada como um dos principais entraves para a efetividade da lei, durante a audiência na Câmara dos Deputados. De acordo com o vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Lima, cerca de 50% das escolas de educação básica são municipais. Pouco mais de 1.200 municípios têm população de menos de 5 mil habitantes, alguns com menos de mil alunos na rede de ensino.
Com as dificuldades de financiamento do sistema educacional, ele afirmou na audiência da Câmara que é difícil contratar um profissional de psicologia e um de serviço social para cada uma dessas localidades. Como solução, Alessio Lima sugeriu integrar as escolas com os serviços de psicologia e assistência social já existentes.
Sobre a falta de recursos para a contratação desses profissionais, Brito mencionou que foi secretário de Educação de Alagoas e assegurou que hoje não faltam recursos para o financiamento da área. “Não falta dinheiro para a Educação, os porcentuais constitucionais garantem recursos. Óbvio que não dá para generalizar 100% dos casos, mas, na ampla maioria, não falta recurso para a Educação do País, o que falta são as prioridades, e esse caso aqui com certeza é uma prioridade que tem de ser atendida”, argumentou.
No final de 2021, os deputados federais aprovaram um projeto de lei que inclui assistentes sociais e psicólogos entre os profissionais da educação cujos vencimentos podem ser pagos com recursos do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O Projeto de Lei 3418/2021 é de autoria da deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) e foi relatado por Gastão Vieira (Pros-MA). O texto agora aguarda análise do Senado.
A ideia de incluir os psicólogos e assistentes sociais como profissionais da educação foi defendida por representantes das classes, desde que eles tenham uma formação específica para atuar na área educacional.
Para Raquel Guzzo, integrante do Conselho Federal de Psicologia, a formação específica para atuar na educação é imprescindível, pois não é possível simplesmente fazer a transposição da clínica para o contexto escolar. Segundo ela, ao atuar na escola os psicólogos precisam considerar os contextos educacionais e da política educacional para uma atuação adequada.
“Tanto a graduação em psicologia quanto a graduação em serviço social têm um caráter generalista pela complexidade da função, e o caráter generalista impede que as pessoas conheçam o campo e se atualizem nas formas de agir dentro do contexto escolar. Nós precisamos abrir concurso para as escolas”, defendeu.
Já a psicóloga Lílian não vê a necessidade uma qualificação profissional, apenas reforça "a boa vontade do profissional em aprender" e a realização de formação semestral para aperfeiçoar o conhecimento. "Somos profissionais essenciais, mas que não temos a valorização e o reconhecimento necessário haja vista nosso salário em defesagem frente a outros cargos de mesmo nível do GDF. Estamos em uma luta árdua para mudar essa realidade que nos assombra", disse.
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