A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investiga o desaparecimento de crianças e adolescentes tem verificado que o país não tem condições para lidar adequadamente com esse tipo de ocorrência. De acordo com estimativas da CPI, atualmente existem 300 mil crianças e adolescentes desaparecidos no país. Dos casos que chegam ao conhecimento da polícia, 20% permanecem sem solução. Mas os números podem ser maiores, pois não há um cadastro nacional e os dados fornecidos pelos estados são precários.
"Não existe um sistema de proteção à criança e ao adolescente que inclua o problema do desaparecimento", lamenta a presidente da CPI, a deputada Bel Mesquita (PMDB-PA). Para enfrentar esse problema, os deputados defendem a criação de delegacias especializadas. O Paraná é o único estado que tem uma unidade da Polícia Civil como essa, o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride). Uma comitiva da CPI visitou ontem a sede do Sicride. Para os integrantes da comitiva, a unidade pode servir como modelo para o restante do país.
Na maioria dos estados, os casos de desaparecimento de crianças e adolescentes são investigados pelas delegacias de Homicídios ou de Vigilância e Capturas, cuja função deveria ser capturar fugitivos da Justiça, ou por delegacias não especializadas, no caso de municípios do interior. Em São Paulo, esse trabalho é feito pela Delegacia de Pessoas Desaparecidas, que não faz distinção entre crianças, adolescentes e adultos. "É preciso esclarecer a quem compete essa questão, caso contrário não haverá avanço", considera Bel Mesquita.
A descentralização faz com que os dados policiais sejam imprecisos. Isso, na avaliação dos membros da comissão, é a maior causa para uma taxa tão alta de desaparecimentos não resolvidos. "A falta de informações confiáveis prejudica uma maior articulação do trabalho de investigação policial, mas também a elaboração de políticas públicas que enfoquem essa questão", lamenta a deputada.
Sicride
A constatação da presidente da CPI se baseia nos resultados do Sicride. Enquanto no restante do país, 1 em cada 5 crianças ou adolescentes desaparecidas jamais é encontrada, no Paraná essa taxa não chega a 1%. O Sicride trabalha em casos de crianças com até 12 anos os demais ficam a cargo da Delegacia de Vigilância e Capturas. Dos 1.176 casos envolvendo crianças registrados desde a criação do órgão, em 1995, 10 não foram solucionados.
O segredo da alta taxa de resolução de casos está no trabalho de inteligência. O órgão centraliza as informações de todos os desaparecimentos no estado. O trabalho de campo é realizado por equipes especializadas em encontrar crianças, lotadas em Curitiba e que se deslocam para os municípios do interior. Uma parceria com a Universidade de São Paulo (USP) viabiliza a manutenção de um banco de DNA de todos os pais que tiveram filhos desaparecidos, para a verificação de paternidade das crianças encontradas.
"Nossos investigadores são treinados para encontrar a criança. No caso de sequestro sem extorsão ou subtração de incapaz, levamos a investigação até o final. Caso constatemos que houve abuso sexual ou homicídio, deixamos a cargo dos policiais competentes", detalha a delegada Márcia Tavares dos Santos, que foi delegada titular da unidade até o ano passado e esteve ontem com os membros da comissão.
Para os deputados da CPI, a criação de delegaciais especializadas em desaparecimentos de crianças e adolescentes deve ter o caso paranaense como modelo. "É necessária a diferenciação entre crianças, adolescentes e adultos. O desaparecimento de cada um deles tem diferentes motivações e efeitos, o que influi na forma de investigar", observa a relatora da comissão, deputada Andréa Zito (PSDB-RJ). A CPI está em fase de apuração e os deputados ainda vão analisar como tornar obrigatória a formação de unidades nesses moldes.