Um pedacinho de fígado separa o sonho da dona de casa Vera Regina Sampaio Hungerbuhler, 58 anos, de voltar a ter vida normal. Portadora de cirrose causada por hepatite C, ela está na fila de transplante do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba. A doença foi descoberta há três anos, mas o vírus pode estar no seu corpo há 28 anos. Vera suspeita que foi contaminada em uma transfusão de sangue feita por causa de uma cirurgia. O silêncio da hepatite viral (os tipos são A, B, C e Delta), que não apresenta sintomas sentidos pelos pacientes, é mantido até a doença virar cirrose ou câncer de fígado.
O que mais incomoda a dona de casa é a falta de informação sobre a doença e o medo dos doadores. "Não tenho doador, embora dois sobrinhos pudessem me ajudar. O nosso sangue é compatível, mas eles têm medo. Eu só preciso de um pedacinho de fígado (o órgão tem a capacidade de se regenerar no transplante intervivos)", afirma Vera Regina. Para tentar evitar que outras pessoas passem por esse tipo de situação, as regiões Sul e Sudeste vão realizar nas capitais, a partir do mês que vem, o primeiro inquérito (levantamento) de portadores de hepatite viral. O objetivo é aumentar a divulgação das formas de transmissão da doença, para evitar o surgimento de novos casos.
A necessidade da realização do inquérito de portadores de hepatite viral foi um dos assuntos debatidos no X Workshop Internacional de Hepatites Virais de Pernambuco e I Congresso Norte-Nordeste de Hepatologias. Os eventos foram realizados em maio, no arquipélago de Fernando de Noronha, com a presença de especialistas da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) e pesquisadores internacionais.
Segundo o médico João Galizzi Filho, presidente da SBH, a falta de divulgação ajudar a aumentar o número de infectados pelas hepatites virais. Ele destaca a ausência de campanhas publicitárias para divulgar os riscos da doença B e C, que podem se tornar crônicas. "A hepatite C causa cirrose e a hepatite B câncer de fígado. É preciso também divulgar formas adequadas de prevenção e tratamento. As hepatites são problemas de saúde pública no mundo inteiro. No entanto, as pessoas têm medo de dizer que são portadoras e ficar estigmatizadas. Falta um Cazuza (cantor que morreu com aids) para a nossa causa", diz.
De acordo com o pesquisador Mário Pessoa, presidente da Fundação Paulista do Fígado, 1,2% da população brasileira é portadora de hepatite, mas há bolsões com índice mais elevado da doença. Na região amazônica, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo os números são superiores à média nacional. "Essas regiões não aparecem nas estatísticas, que são feitas nos bancos de sangue das capitais. A Amazônia tem além do vírus B o vírus Delta (vírus defeituoso, que só se desenvolve nos portadores de hepatite B). No Paraná, 8% da população da Região Oeste é portadora da hepatite B", diz. O presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia explica que o Oeste do Paraná está acima da média nacional porque foi colonizado por descendentes de italianos, que trouxeram o vírus da Europa.
Os avanços da medicina facilitam o tão esperado transplante que a personagem Vera Regina. Há poucos anos, a maioria dos pacientes fazia a cirurgia, mas o vírus voltava para o organismo do paciente. Hoje, com os novos medicamentos e exames, o tratamento consegue inibir o DNA do vírus da hepatite e impedir a sua multiplicação.
O jornalista participou do evento a convite do laboratório Bristol-Myers Squibb.