A gestão de Nísia Trindade como ministra da Saúde em 2024 ficou marcada pela falta de vacinas em todas as regiões do Brasil e por um prejuízo de R$ 1,7 bilhão em imunizantes vencidos. O cenário surpreendeu a própria esquerda e gerou bastante desgaste na pasta, principalmente pelas promessas eleitorais do governo pró-vacinação e “pró-ciência” e pelo perfil de Nísia de experiência no setor.
Apesar dos cinco anos como presidente da Fiocruz, inclusive no período anterior ao ocupar o cargo de ministra, Nísia aparentou ter sido pega de surpresa pelos problemas de desabastecimento de vacinas. Como foi presidente da instituição, ela não só tem familiaridade com o funcionamento das produtoras de imunizantes do Brasil, como tem acesso às pessoas que estão à frente das fabricantes.
Em gestão de Nísia, 65,7% dos municípios ficaram sem vacinas importantes do PNI
Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostrou, em outubro deste ano, que 65,7% dos municípios brasileiros enfrentavam desabastecimento de imunizantes. Vacinas do Programa Nacional de Imunização (PNI) como tríplice viral, hepatite A, meningocócica C e ACWY, DTP (tríplice bacteriana infantil), entre outras, não chegaram a milhares de crianças brasileiras. Doses dessas vacinas protegem crianças contra doenças que podem ter manifestações graves como meningite, rubéola, caxumba, coqueluche e tétano.
Além do desabastecimento, o governo Lula registrou a perda de 58,7 milhões de imunizantes vencidos desde que o presidente tomou posse em 2023. O infectologista Francisco Cardoso destacou que a falta de vacina em alguns estados do Brasil e a perda de imunizantes vencidos demonstram falhas na logística feita pelo ministério da Saúde. "Pode ter havido erro na distribuição regional ou uma baixa procura local, resultando no acúmulo e vencimento das doses", explicou Cardoso à Gazeta do Povo em outubro.
Em resposta à CNM, o ministério da Saúde atribuiu o desabastecimento na produção de vacinas a problemas de controle de qualidade e de embalagens. “Biomanguinhos/Fiocruz enfrentou um problema de qualidade no início do ano, ocasionando atrasos no cronograma de entregas, impactando o estoque do Ministério da Saúde”, respondeu a posta em nota à CNM sobre a tríplice viral. Apesar de sua longa trajetória na Fiocruz, Nísia parece ter sido surpreendida pelos desafios de abastecimento.
Vacina da dengue também causou transtorno ao governo Lula
O aumento de 400% de casos de dengue no Brasil também marcou a gestão do ministério da Saúde em 2024. O país registrou 6,6 milhões de casos até o mês de dezembro. Foram confirmados quase 6 mil óbitos pela doença e outros mil estão sendo investigados. No ano anterior, 2023, o número de casos foi de 1,6 milhão. Os dados são do Painel de Monitoramento das Arboviroses, atualizado pelo ministério da Saúde.
A vacina da dengue, que começou a ser aplicada pelo Sistema Único de Saúde neste ano, também enfrentou problemas de distribuição. De acordo com o levantamento da CNM, o imunizante estava em falta em 120 municípios. Em junho, a pasta aumentou a faixa etária para receber a vacina e não perder as doses já compradas. O público-alvo, até então entre 10 e 14 anos, passou para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos.
Aborto, pauta identitária e culpa do “machismo da esquerda”
Os problemas de Nísia não se restringiram à falta de vacinas. O ano de 2024 do ministério da Saúde também foi marcado por decisões controversas e entrada em debates ideológicos que causaram desgastes à imagem do governo, especialmente no tema do aborto.
Em fevereiro, uma nota técnica, assinada pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde e Atenção Especializada à Saúde revogava o manual “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”. Na prática, o governo Lula orientava tecnicamente que abortos previstos na legislação pudessem ser realizados até os nove meses de gestação e apoiava a prática de assistolia fetal. O método serve para matar bebês ainda dentro da barriga após a 22ª semana de gestação, quando há viabilidade fetal. Devido à repercussão negativa, o ministério da Saúde suspendeu o documento no dia seguinte. A pasta alegou que a nota foi publicada sem o conhecimento de Nísia.
O lobby identitário do governo Lula também esteve presentes em campanhas oficiais do ministério da Saúde. Em um post sobre período pós-parto, publicado em janeiro nos veículos da pasta, os termos “mulher” e “mãe” foram substituídos por “pessoa que pariu” e “corpo de quem pariu”.
Diante das pressões sofridas para sair do cargo, logo após a publicação da nota, a ministra chegou a culpar o “machismo”, “inclusive no campo da esquerda” durante uma entrevista à CNN Brasil.
“Com certeza a questão de gênero está mais do que evidenciada no meu caso apesar de até o momento eu não ter falado disso, mas não tenho a menor dúvida. Isso não diz respeito só a políticos de partido A ou B, isso nós vemos no próprio campo (da esquerda). Eu sou uma pessoa sem filiação partidária, mas sempre fui uma pessoa de posições de esquerda e eu vejo claramente que em qualquer ambiente manifestações do machismo existem”, afirmou a ministra em março, época em que sua exoneração foi mais cobrada pelas crises sucessivas enfrentadas pela pasta.
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