Um dos mais importantes parceiros da Justiça, o Ministério Público Estadual está de mãos atadas nas cidades mais violentas da região metropolitana de Curitiba, por causa da falta de promotores. Em algumas delas, a parte criminal (inquéritos policiais e processos penais) é feita por apenas um agente. Ele acompanha o andamento de inquéritos policiais, faz denúncias de criminosos à Justiça, atua nas ações penais, recorre de decisões e ainda é o fiscal da lei, entre outras funções.
De acordo com levantamento feito pela Gazeta do Povo, a distribuição geográfica de promotores tem uma grande distorção entre as cidades. Há municípios com histórico de violência que têm de dois a no máximo cinco promotores. Já no interior, algumas comarcas com população semelhante têm oito, 14, 15, 19 e até 28 promotores. O resultado disso é que em cidades da região metropolitana de Curitiba o julgamento de um homicídio pode demorar até 12 anos.
Um bom exemplo é Almirante Tamandaré. O seu foro regional também engloba Campo Magro. A clientela é de cerca de 150 mil habitantes. A cidade tem apenas dois promotores. Um deles fica com a maioria dos casos cíveis e fiscaliza a atuação da administração pública, entre outras atribuições, e o outro com toda a parte criminal. Atualmente, a delegacia da cidade tem 1,5 mil inquéritos em tramitação. Desses, 120 homicídios e tentativas de assassinato foram registrados somente no ano passado. O número de processos criminais em andamento não foi divulgado, mas sabe-se que ele é alto. A cidade foi palco de uma série de crimes que atingiu 23 mulheres (mortas ou desaparecidas), o que resultou em 18 inquéritos insolúveis. Os casos foram descobertos há cerca de seis anos.
Segundo o jurista René Ariel Dotti, professor de Processo Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o estado é responsável por parte dessa distorção. "Ele deveria suprir melhor o Ministério Público. Os investimentos para melhorar a arrecadação são sempre maiores do que os voltados para a segurança pública, saúde, educação", disse o professor na sexta-feira, por telefone, de Paris, onde participava de uma conferência da Associação Internacional de Direito Penal. "A segurança do cidadão acaba ficando em segundo lugar."
Mas Almirante Tamandaré não é um caso isolado. Colombo, Piraquara, Pinhais e Fazenda Rio Grande enfrentam a mesma situação. Eles encabeçam os municípios que apresentam os maiores índices de criminalidade da região metropolitana. A Secretaria Estadual de Segurança Pública não divulga os números do seu geoprocessamento do crime, mas os casos de violência pipocam diariamente no noticiário policial. Os mais recentes foram as chacinas de Piraquara e Rio Branco do Sul, a morte dos primos em Fazenda Rio Grande, os constantes homicídios e o tráfico de drogas em Almirante Tamandaré e Colombo.
Caos
A reportagem da Gazeta do Povo ouviu promotores de Justiça de quatro diferentes foros (Almirante Tamandaré, Colombo, Fazenda Rio Grande e Piraquara). Todos narraram uma situação caótica, de falta de estrutura e sobrecarga de serviço.
Segundo o promotor Marcelo Briso Machado, de Almirante Tamandaré, os índices de criminalidade na cidade são muito altos e a estrutura investigativa não dá conta de tudo. "Aqui a idéia de impunidade, do lucro com isso, é terrível. As pessoas muitas vezes cometem delitos que não cometeriam em outros locais porque acreditam que não serão punidas", diz ele. "Isso ocorre porque o criminoso conhece outras pessoas que cometeram crimes semelhantes e não foram punidos."
Um júri (julgamento de crime doloso contra a vida) pode demorar até 12 anos para ocorrer na cidade. "Estamos julgando agora homicídios de 1994. O tempo se torna nosso inimigo. As testemunhas, por exemplo, não conseguem se lembrar o que aconteceu.". A juíza Josiane Ferreira Machado Lima, que acumula as varas criminal, de família e infância e juventude em Tamandaré, afirma que já informou o problema à corregedoria do Tribunal de Justiça. "Como o volume de trabalho é muito grande, a prioridade são os réus presos."
Há um ano e três meses em Piraquara, o promotor Humberto Eduardo Pucimelli não conseguiu até hoje realizar um júri. Seu colega Flávio Lemos fez apenas um. Ele atribui a demora à morosidade do Judiciário, à falta de estrutura do Ministério Público e a problemas nas investigações. "É muito grande o número de inquéritos policiais sem resultado. Apenas são feitos os laudos de levantamento de local, mas a apuração do fato é muito difícil. Apesar do empenho da atual equipe policial, os homicídios mais antigos são praticamente insolúveis", afirma o promotor.
Já em Colombo, a promotora Danielle Gonçalves Thome recebeu 1,7 mil inquéritos de ações penais só neste ano. A maioria dos crimes é grave: homicídios, tráfico de drogas e roubos. "Cresceu muito o número de atos infracionais cometidos por adolescentes. Temos muito trabalho, um promotor para um grupo de 75 mil habitantes e várias carências, como de estrutura policial", afirma. O foro de Colombo atende cerca de 230 mil pessoas e tem três promotores.
Amarras
De acordo com o Ministério Público Estadual, amarras legais o impedem de realizar concursos públicos para aumentar o seu quadro de promotores. "A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita o orçamento. Não há previsão de concurso esse ano", informa a promotora Ângela Khury Munhoz da Rocha, assessora de gabinete do procurador-geral de Justiça, Mílton Riquelme de Macedo. Ela explica ainda que há outros problemas, como as novas atribuições que surgiram a partir da Constituição de 1988, como a defesa de interesses da sociedade (meio ambiente, saúde e educação).
De acordo com Angela, há um estudo para tentar descobrir qual o melhor critério para a distribuição geográfica de promotores, mas que somente Macedo poderia falar sobre o assunto. Ele foi procurado, mas não foi localizado pela reportagem para comentar o problema.
A Secretaria Estadual de Segurança Pública informou que está contratando novos policiais, delegados e carcereiros para tentar agilizar as investigações de crimes.
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