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A decisão da Justiça de responsabilizar o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra por tortura durante a ditadura militar foi comemorada nesta sxeta-feira (10) pela família Teles, em São Paulo. A sentença saiu na quinta (9) e condena o coronel moral e politicamente pela tortura contra César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida. A família não pede indenização financeira, mas o reconhecimento de que o Estado mantinha como torturadores membros do Exército.

A família falou com a imprensa durante evento em homenagem aos 40 anos do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Ibiúna, no interior paulista. A cerimônia ocorreu no Memorial da Resistência, na Estação Pinacoteca do Estado, e reuniu ex-presos políticos e pessoas que participaram da luta contra a ditadura e a favor da democracia.

Durante a cerimônia foram inaugurados dois painéis: uml com as fotos dos 23 estudantes mortos na época da ditadura e outro com a lista dos 719 presos durante o Congresso. Na lista aparecem os nomes Jean Marc Von der Weid, Wladimir Palmeira, Franklin Martins e José Dirceu, entre outros. A cerimônia foi organizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura e com a UNE.

Uma das autoras da ação judicial que resultou na declaração de Ulstra como torturador, Amélia afirmou que a decisão é extremamente importante não só para a família Teles, mas também para a sociedade brasileira em geral, porque resgata a cidadania, a ética e a justiça. "Abre possibilidades para o Brasil criar uma cultura de combate, de pôr fim à ditadura, à tortura, ao desmando. É um momento em que a democracia se reconstrói e se consolida".

O marido de Amélia, César Augusto Teles, disse que desde a época em que a família foi presa, em 1972, eles tentam levar os torturadores o julgamento, mas até conseguir um advogado disposto a isso era complicado, devido ao clima de terror existente no país por causa da ditadura. "Hoje eu sinto que foi uma decisão ainda pequena, mas importante porque é um primeiro passo para que outros também recorram e peçam a punição desses torturadores, que são criminosos. Mas acho que eles não têm perdão, mas também não estou procurando vingança. Quero que o país viva dentro da lei e que as pessoas tenham o direito de ter o pensamento que quiserem, desde que não infrinjam a lei".

A irmã de Amélia, Criméia, também presa e torturada pelos militares, avaliou a vitória na ação contra Ulstra como um "começo do fim" da impunidade no Brasil, tanto para os torturadores da época da ditadura, quanto para os atuais. "Acabar com a impunidade agora já indica que as coisas podem ser diferentes daqui para frente. É claro que nós temos muito ainda pela frente. Temos que abrir os arquivos, conhecer não só os torturadores, como as vítimas da tortura".

A historiadora Janaina de Almeida Teles, filha de Amélia e César, tinha cinco anos quando seus pais foram presos e torturados e lembra claramente daquele período. Janaina contou que ela e seu irmão, um ano mais novo, foram levados pelos militares para uma cela escura da qual se ouviam os gritos dos presos torturados, inclusive de seus pais. Ela recordou ter visto seus pais muito machucados e mal podendo falar. Relatou ainda ter sido seqüestrada por seis meses. "Não tem preço que pague esse sofrimento. É um trauma, uma ferida na nossa psique que não tem cura".

O ministro da secretaria especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vanucchi, afirmou que a sentença começa de alguma maneira a resgatar com dignidade o Poder Judiciário brasileiro, que pela primeira vez decreta uma sentença de punição a um militar que participou da tortura na época da ditadura. "Pode se argumentar que é uma punição pequena, quase simbólica. Não importa. O fato é o Judiciário examinar e determinar. O resgate dessa memória é elemento não para retroagir ao passado, mas para assegurar definitivamente que o passado não volte nunca mais ".

O ministro da Justiça, Tarso Genro, ressaltou que é preciso recuperar a memória e a verdade da história do país e no caso da sentença contra o coronel Ulstra ambas foram restabelecidas. "Ou seja, o Estado brasileiro não só tolerou como incentivou atos de tortura naquela oportunidade e a consolidação da memória e da verdade é vital para a construção da democracia".

Genro disse ainda que lembra do Congresso de Ibiúna "como se fosse hoje", apesar de não ter participado por ter sido preso em um congresso anterior. "Eu fiquei ao mesmo tempo feliz e frustrado. Feliz porque não tinha ido e frustrado porque o congresso caiu. Mas era uma ingenuidade muito grande da nossa parte organizar um congresso que tinha centenas de pessoas. Mas foi um momento de grandeza e dignidade democrática do estudante brasileiro, que representava o povo lutando pelas liberdades civis e políticas".

O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, declarou-se emocionado ao ver os painéis com os nomes e as fotos de pessoas que junto com ele participaram da luta contra a ditadura. "É parte da vida da gente, da história do Brasil e rever as fotos de tantas pessoas que lutaram junto comigo - muitas delas morreram, entregaram a vida, foram mortas em condições terríveis - emociona".

Franklin destacou que o legado mais importante deixado pela geração de 1968 e todas as pessoas que lutaram contra a ditadura é o resultado concreto da democracia em que o Brasil se tornou. "Só quem viveu sob uma ditadura pode imaginar como é importante a democracia. A direita é mais democrática e a esquerda também. Os nossos conflitos, disputas, são resolvidos pelo debate político, pela disputa eleitoral. Isso é muito importante".

Sobre a condenação moral e política do coronel Ulstra, Martins afirmou que a sentença é um passo muito importante para que a história não se repita. E completou que o país deve se lembrar sempre do regime de tortura a qual já foi submetido. "A verdade liberta. O país conhecendo a verdade - não se esquecendo, olhando cara a cara o que aconteceu - não vai repetir isso, o que é muito importante."

O ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, considerou a condenação do coronel importante e disse esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) valide a decisão por conta do valor moral e político da sentença. "Não é possível admitir que tortura e assassinato político sejam anistiados. No caso do Ulstra, é um caso gritante, porque, além de tudo, fazia aquilo com satisfação, sadismo e exibicionismo. Era conhecido como um torturador assumido e impune até hoje. Pelo menos uma condenação moral já é um grande avanço".

Dirceu ressaltou que ainda é preciso revelar onde estão e como foram mortos os desaparecidos políticos. Para ele, isso é parte da verdade histórica e a Justiça precisa tomar uma decisão quanto a esses fatos.

O ex-ministro afirmou que participar do evento em homenagem aos 40 anos do Congresso de Ibiúna, do qual ele participou, traz boas recordações, mas também saudades e tristeza pelos colegas que foram torturados e assassinados. Mas, ao mesmo tempo, traz uma exigência de justiça. Não só de reconhecimento e indenização, mas de punição àqueles que infringiram os direitos humanos ao praticar os atos de violência. "Mas serve também para recordar lutas, conquistas que tivemos, as mudanças que o Brasil sofreu a partir dessa geração que lutou pela democracia e pela liberdade".

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