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56 mortos

Famílias de vítimas de Manaus têm direito a indenização, entende STF

Familiares permaneceram na frente do presídio durante a segunda-feira em busca de notícias | MARCIO SILVA/AFP
Familiares permaneceram na frente do presídio durante a segunda-feira em busca de notícias (Foto: MARCIO SILVA/AFP)

Parentes dos 56 presos mortos na guerra entre facções no domingo (1º), no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, de Manaus, poderão obter indenizações do governo do Amazonas se entrarem com processos na Justiça. Em março de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o poder público tem o dever de indenizar a família de detento que morrer dentro do presídio, mesmo que seja caso de suicídio.

Essa decisão tem repercussão geral – ou seja, juízes de todo o país têm a obrigação de aplicar o mesmo entendimento em ações sobre o assunto. Cabe a cada juiz definir o valor da indenização devida, dependendo do caso específico.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, disse ao jornal O Globo nesse segunda-feira que o Estado é responsável pela integridade do preso.

“(As mortes são) resultado da não observância da Constituição Federal, que impõe ao Estado preservar a integridade física e moral do preso. Um dia, voltará ao convívio social. Ressocializado? Não. Embrutecido. Perde, em muito, a sociedade”, afirmou.

O ministro lamentou que, no Brasil, as indenizações ainda demorem muito para ser concedidas em casos de tanta gravidade:

“A responsabilidade civil no Brasil ainda engatilha. Em país desenvolvido, seria consequência automática. Onde vamos parar? Nas penitenciárias, vinga a lei do mais forte. Que tristeza. E o pior: a sociedade quer vísceras. Não se avança culturalmente assim.

No julgamento de março, os ministros do tribunal ponderaram que o estado poderá tentar comprovar que a morte não poderia ser evitada pelo estabelecimento prisional. Nesses casos, a indenização não seria paga. Na ocasião, os ministros foram unânimes ao declarar que o poder público deve zelar pelos presos que estão sob sua custódia.

O caso julgado no plenário do tribunal foi um recurso do governo do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça gaúcho, que reconheceu a responsabilidade civil do estado pela morte de um preso que estava dentro do estabelecimento penitenciário.

O homem foi preso no dia 14 de dezembro de 1998 por roubo. Dez dias depois, apareceu na cela morto por enforcamento. O laudo pericial não foi conclusivo sobre a causa da morte, se por suicídio ou por homicídio. A viúva e o filho, menor de idade, entraram com pedido de indenização logo depois.

A defesa incluiu no processo o depoimento de uma visitante. Segundo ela, o preso reclamava de torturas frequentes de outros detentos. Ele teria pedido ajuda a carcereiros, mas nenhuma providência teria sido tomada. O relator do processo, ministro Luiz Fux, disse que mortes em presídios são de responsabilidade do estado, mesmo quando a violência é cometida por outros presos.

STF e a situação dos presídios

O STF tratou da situação calamitosa dos presídios brasileiros em vários julgamentos recentes. Em setembro de 2015, o tribunal determinou que a União liberasse imediatamente todo o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para ser gasto com o sistema prisional e proibiu novos contingenciamentos do dinheiro no futuro.

A decisão foi tomada por unanimidade, no julgamento de uma ação proposta pelo PSOL. Os ministros da corte declararam a inconstitucionalidade da situação do sistema penitenciário brasileiro, por violar massivamente os direitos fundamentais dos detentos.

O tribunal concordou com o argumento do partido de que o poder público tem sido omisso em relação aos presídios – por isso, o Judiciário teria o dever de intervir para tentar resolver o problema. Na mesma decisão, o STF também deu prazo de 90 dias para que os tribunais realizassem audiências de custódia em todo o país, viabilizando o comparecimento do preso diante de um juiz em até 24 horas depois da prisão.

A medida evita que as prisões de pessoas ainda não condenadas, quando desnecessárias, se prolonguem por prazo indeterminado.

Marco Aurélio foi o relator do processo e declarou, no julgamento, que os presídios brasileiros eram desumanos.

“Deve ser reconhecida inequívoca falência do sistema prisional brasileiro. No sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, à higidez física e à integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob a custódia do Estado. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas”, disse Marco Aurélio.

Edson Fachin foi um dos que concordaram com a intervenção do Judiciário. “Quando o direito das minorias é sistematicamente violado, o Judiciário deve agir. As providências administrativas não se mostram adequadas para a proteção dos direitos dos presos”, afirmou Fachin.

Em agosto de 215, o STF deu a juízes de todo o país o poder de determinar que a administração pública realizasse reformas em presídios, para garantir a integridade física e moral dos detentos. No julgamento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apoiou a medida.

“Pessoas condenadas à pena privativa de liberdade não estão compelidas, no Estado Democrático de Direito, a perder nem a dignidade, nem a vida. Nesses casos, é imperiosa sim a intervenção do Poder Judiciário, para garantir direitos fundamentais explícitos na Constituição Federal, respeitados e garantidos os direitos fundamentais dos cidadãos presos”, declarou Janot no plenário do STF.

A decisão mais recente sobre presídios foi tomada pelo STF em maio de 2016. De acordo com o tribunal, se não houver vaga suficiente no presídio, o condenado poderá cumprir pena em casa, com monitoramento eletrônico.

“O sistema penitenciário brasileiro representa a expressão mais visível e ultrajante de crônico vilipêndio e de frontal e imoral desrespeitos a direitos fundamentais das pessoas sob a custodia do estado, com crônico e permanente descumprimento dos deveres que são impostos ao poder público. E é nessa inercia do aparelho de estado que se configura um hiato de legalidade que permite qualificar o próprio estado como marginal no ordenamento jurídico, agente transgressor a legalidade”, declarou Celso de Mello no julgamento.

Desde que tomou posse na presidência do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra Cármen Lúcia tem dado prioridade aos presídios – em especial, às condições dadas às detentas grávidas. Ela fez visitas a vários presídios desde que está no cargo. Ontem, procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a ministra não se manifestou sobre o motim de Manaus, nem informou se pretende visitar o local.

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