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Epidemia

Famosa por causa do zika vírus, microcefalia ainda confunde cientistas

Grávida de 21 semanas, Marci Blaszka cancelou uma viagem que tinha planejado para a República Dominicana por causa do zika vírus. | MARK MAKELA/NYT
Grávida de 21 semanas, Marci Blaszka cancelou uma viagem que tinha planejado para a República Dominicana por causa do zika vírus. (Foto: MARK MAKELA/NYT)

As imagens que não param de chegar do Brasil são inquietantes: recém-nascidos sofrendo com cabeças malformadas, embalados por mães que querem desesperadamente saber se seus bebês um dia conseguirão andar ou falar.

O número dessas crianças pode chegar aos milhares no Brasil, e os cientistas temem novos milhares quando o zika vírus se espalhar pela América Latina e o Caribe. Porém, a deformidade impressionante no centro da epidemia, a microcefalia, não é nova, tendo abalado famílias do mundo inteiro e confundido especialistas durante décadas.

Para os pais, ter um filho com microcefalia pode significar uma vida de incerteza. O diagnóstico costuma ser dado na metade da gravidez, quando possível; a causa pode nunca ser determinada – o zika vírus somente é um suspeito nos casos brasileiros, enquanto muitos outros fatores estão bem documentados. E ninguém pode dizer o que o futuro pode reservar para uma criança em particular com microcefalia.

Para os médicos, o diagnóstico significa uma enfermidade sem tratamento, sem cura nem prognóstico claro. Se o problema explodir, irá sobrecarregar significativamente uma geração de pais durante décadas.

A Dra. Hannah M. Tully, neurologista do Hospital Infantil de Seattle, vê a dor regularmente, ainda mais entre futuros pais que acabaram de ficar sabendo que o ultrassom mostrou que o neném terá microcefalia. “É uma situação terrível a ser enfrentada em uma gravidez”, disse ela.

Estima-se que 25 mil bebês recebam diagnóstico de microcefalia todos os anos nos Estados Unidos. A microcefalia simplesmente significa que a cabeça do neném é anormalmente pequena – às vezes somente porque os pais têm cabeças extraordinariamente pequenas.

“Em si, não significa necessariamente que haja um problema neurológico”, afirmou o Dr. Marc C. Patterson, neurologista pediátrico do Centro Infantil da Clínica Mayo em Rochester, Minnesota.

Contudo, a microcefalia também pode pressagiar grande dano cerebral. Os casos mais severos podem ser detectados antes do nascimento com exames de ultrassom, mas isso geralmente só é possível no fim do segundo trimestre, ao redor das 24 semanas.

A maioria das futuras mães faz ultrassom em torno da 20ª semana; no entanto, nesse período o problema pode não ser notado. Muitos pais ficam sabendo da microcefalia somente após o nascimento, quando a cabeça do recém-nascido é medida.

Mesmo quando acontece precocemente, o diagnóstico provoca questões difíceis. Em geral, o aborto é legal nos EUA somente até o feto ser viável fora do útero, o que pode variar entre 24 a 26 semanas.

Isso deixa os pais com pouco tempo para uma decisão tremendamente difícil, complicada pela incapacidade médica de dizer quais podem ser os efeitos da microcefalia.

O futuro dessas crianças pode variar bastante. Pelo menos dez por cento não têm déficit mental.

Outras crianças são bastante funcionais, ainda que com deficiências intelectuais. Já outras são profundamente afetadas, vivendo em cadeira de roda, com capacidade limitada de comunicação e alimentadas por meio de uma sonda gástrica.

“As famílias têm pouquíssimo tempo para os exames necessários, receber os resultados, processar os pensamentos e tomar uma decisão antes de chegar os limites legais do aborto”, disse Tully.

Melissa e Peter Therrien, de Brewster, Massachusetts, enfrentaram essa escolha quando souberam que a filha tinha um crânio bastante pequeno, após a ultrassonografia durante a 24ª semana de gravidez da mãe.

“Eu fiquei inconsolável. O médico me deu a opção de abortar, mas eu não conseguiria fazer isso”, disse Melissa Therrien, de 21 anos.

A filha, Alainah, agora tem 15 meses, mas seu desenvolvimento é incerto. Ela consegue andar, embora os médicos tenham dito que isso talvez não ocorresse, e a menina é dada a gargalhadas, contou a mãe.

Porém, Alainah somente fala três palavras: mamãe, papai e “aba”, que ela usa para descrever vários objetos. Ela se expressa por sinais quando tem fome. A menina alcançou etapas esperadas por um bebê, mas os pais não sabem até onde ela pode chegar. Os médicos do Hospital Infantil de Boston só vão conhecer a extensão dos danos cerebrais dentro de pelo menos nove meses. Ela ainda pode ter convulsões e deficiência aguda.

“É muito difícil. Não podemos fazer nada para dar um jeito nisso. Praticamente vamos caminhar sobre ovos pelo resto de nossas vidas”, disse Peter Therrien, 26 anos.

Se a causa da microcefalia for determinada, é possível ter uma ideia de como a criança vai se sair.

Alguns problemas genéticos estão ligados à microcefalia, entre eles a síndrome de Down. Grávidas com desnutrição grave, diabéticas ou que consomem álcool estão entre as predispostas a ter filhos com microcefalia.

A microcefalia pode surgir após o nascimento em crianças com alguns transtornos genéticos, e em bebês que ficaram sem oxigênio durante o parto cujos cérebros pararam de crescer em seus primeiros anos.

Porém, causa grande preocupação entre os pesquisadores que a microcefalia agora possa ser provocada por infecções, incluindo toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus, um vírus onipresente.

O zika vírus pode logo fazer parte da lista. Se ele de fato causar o quadro, é uma complicação rara. Nenhum aumento na microcefalia está ligado conclusivamente ao vírus fora do Brasil, embora a Polinésia Francesa esteja investigando um pequeno número de problemas neurológicos em bebês após a ocorrência de um surto no país.

Nenhum problema do gênero foi visto no primeiro surto de zika cuidadosamente estudado, que ocorreu na ilha Yap, na Micronésia, em 2007. Entretanto, Yap tem menos de 12 mil habitantes. O surto atual é o primeiro no qual os cientistas viram o vírus invadir um continente grande onde ninguém é imune.

O casal Therrien alterna momentos de otimismo com pessimismo, esperando exames que darão pistas sobre o futuro de Alainah.

“Minha maior preocupação é com seu futuro”, declarou Melissa, mãe de outra menina de seis anos, sem microcefalia.

“Será que um dia ela conseguirá ter uma vida como a que a irmã terá?”

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