O ano de 2022 trouxe uma vitória histórica para o movimento pró-vida internacional, mas também teve sinais preocupantes na direção oposta.
Enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão conhecida como Roe x Wade e passou a permitir que os estados banissem o aborto, a França adotou medidas que expandem a possibilidade de eliminação do bebê em gestação, assim como a Colômbia. No Brasil, em ano eleitoral, a causa do aborto ganhou um aliado na Presidência da República, mas o Congresso se tornou mais claramente pró-vida.
A eleição brasileira trouxe a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, que tem um histórico de declarações favoráveis ao aborto, mas, talvez por conveniência política, afirmou na campanha que não proporá mudanças na legislação atual sobre o tema. Mesmo que não apresente um projeto de lei tratando do assunto, o governo terá a capacidade de mudar algumas regras para o aborto não penalizado por lei (em casos de estupro e risco de vida à mãe).
Um dos efeitos imediatos da troca de comando pode ser a revogação de uma portaria do Ministério da Saúde, publicada em 2020, exigindo que o aborto em casos de estupro seja precedido por uma denúncia à autoridade policial, de forma a evitar o uso de falsos pretextos para a realização do aborto.
Uma nota técnica mais recente, publicada pelo Ministério da Saúde em 2022, também preencheu uma lacuna da legislação ao recomendar que o aborto, nos casos em que não é punido, não seja realizado após as 22 semanas de gestação – quando o bebê é viável fora do útero (tecnicamente, não é mais um aborto, mas sim um infanticídio).
“Deve-se salientar que, sob o ponto de vista médico, não há sentido clínico na realização de abortamento com excludente de ilicitude em gestações que ultrapassem 22 semanas”, diz o documento. Para Lenise Garcia, professora de Biologia da Universidade de Brasília, a medida foi importante, mas provavelmente vai ser desfeita pelo governo Lula. “Nós tivemos um avanço significativo, mas eu penso que haverá retrocesso, infelizmente”, diz ela, que também é presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida - Brasil sem Aborto.
No Congresso, os eleitores escolheram uma bancada mais claramente pró-vida na Câmara e no Senado do que a atual. Mas ela foi acompanhada, do outro lado, de uma bancada mais claramente pró-aborto do outro lado. Partidos como o PSDB, que se dividem sobre o tema, perderam espaço, enquanto PT e PSOL ganharam força. Ainda assim, o saldo geral é positivo: “À primeira vista, nós tivemos um aumento significativo do número de parlamentares pró-vida, principalmente no Senado”, afirma Paulo Fernando Melo, ativista pró-vida e suplente de deputado federal pelo (Republicanos-DF). Ele deve assumir um assento na Câmara dos Deputados em fevereiro, quando o titular do mandato, Júlio César, se licenciar para comandar a Secretaria de Esporte do Distrito Federal.
A principal proposta contra o aborto em tramitação no Congresso Nacional pouco avançou em 2022. O Estatuto do Nascituro, em tramitação na Câmara dos Deputados não saiu da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. A proposta acabou retirada de pauta e deve ficar parada até o ano que vem. “Houve uma manobra para adiar a votação. Mas o projeto até pode ser votado ainda esse ano; e, se não for, entra novamente para ser debatido na próxima legislatura”, explica Lenise.
O Estatuto do Nascituro prevê que uma extensa proteção aos bebês em gestação. Em vez de permitir o aborto em casos de estupro, por exemplo, o projeto assegura pensão alimentícia de um salário mínimo até que a criança complete 18 anos — quando for possível, o dinheiro sairá do bolso do próprio estuprador; caso contrário, virá dos cofres públicos.
Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal parece estar se preparando para julgar o caso mais importante já apreciado pela corte neste tema. A ADPF 442, apresentada pelo PSOL, pede que o aborto (por qualquer motivo) seja autorizado até a 12ª semana de gestação. Há sinais de que a presidente da corte, Rosa Weber, que vai se aposentar em outubro do ano que vem, pretende colocar o assunto em pauta. “Este foi um dos poucos projetos da relatoria da ministra Rosa Weber que ela não deixou ao assumir a Presidência”, explica Lenise Garcia, para quem a ADPF deveria ter sido rejeitada de pronto porque o assunto caberia ao Congresso Nacional, não ao Judiciário. “Se querem legalizar o aborto, que se coloque um projeto para ser apreciado pelas duas casas legislativas”, critica também Paulo Fernando, que é advogado e representante da Associação Pró-Vida e Pró-Família, entidade que atua amicus curiae na ADPF 442.
Vitórias e fracassos fora do país
Em fevereiro, o Parlamento na França aprovou uma medida que estendeu de 12 para 14 semanas o limite para o aborto legal no país. A ofensiva não parou por aí. Em novembro, os membros da Assembleia Nacional francesa (equivalente à Câmara de Deputados) aprovaram uma medida que inclui o direito ao aborto na Constituição do país. A medida ainda precisa do aval do Senado, onde deve sofrer resistência, e depende ainda da aprovação em um referendo popular.
Na Colômbia, a Corte Constitucional (a Suprema Corte do país) aprovou a descriminalização do aborto até 24 semanas, cerca de seis meses de gravidez - ou seja, o assassinato de um ser humano praticamente formado.
Por outro lado, 2022 houve vitórias importantes para a causa pró-vida.
Em setembro, os eleitores do Chile rejeitaram uma nova constituição proposta pelo governo de esquerda do país e, assim, impediram a adoção de um texto que ampliaria os casos de aborto legal e permitiria a prática até a 14ª semana de gravidez. Mais de 60% dos chilenos votaram contra a proposta. Atualmente, a lei do Chile é similar à do Brasil: o aborto é permitido em caso de risco de vida à mãe, quando não há chances de que o bebê sobreviva à gestação e em casos de estupro (neste cenário, apenas nas 12 primeiras semanas de gestação).
Mas o grande destaque do ano foi a revogação da chamada decisão Roe x Wade, que estava em vigor desde 1973 nos Estados Unidos. Na prática, essa decisão impedia os estados de proibir o aborto. Até que, em junho deste ano, no caso Dobbs x Jackson, os magistrados decidiram que o tema cabe aos estados. Ou seja: a Suprema Corte não tornou o aborto ilegal, mas derrubou a decisão anterior por entender que ela interferia de forma indevida em um debate que deve ser feito pelo poder legislativo em cada estado. Foi uma decisão história, celebrada nas ruas por ativistas pró-vida.
Ato contínuo, estados tomaram rumos diferentes. Segundo um levantamento do jornal The New York Times, 13 estados baniram o aborto completamente. Entre eles, Texas, Wisconsin e Missouri. Outros, como Califórnia, Nova York e Oregon, foram na direção oposta e usaram a decisão da Suprema Corte como pretexto para expandir a possibilidade de aborto legal sob a justificativa de que os chamados “direitos reprodutivos” estão sob ataque no país.
Para Paulo Fernando, a vitória na defesa do aborto nos Estados Unidos inspira militantes em outros países, como o Brasil. Lenise Garcia concorda: “Isto foi importantíssimo para a causa pró-vida, porque os Estados Unidos vinham sendo continuamente citados quando se tratava da causa do aborto. Mostrar como isso não é consenso dentro dos Estados Unidos tem uma ressonância para o resto do mundo”, afirma.
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