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Fernando Henrique Cardoso

Fazer a diferença

A campanha eleitoral se precipitou. Ainda não está nas ruas, mas está nas inaugurações dos palanques federais. Em breve estará também nos palanques das oposições. No Congresso então, nem se fale: os governistas (quase que reduzidos apenas aos petistas) procuram desviar o foco das críticas e dos escândalos que as CPIs desvendam com o refrão "é jogo eleitoreiro da oposição". Na prática são eles que estão fazendo tudo para que o debate eleitoral se precipite, com a esperança de que suas responsabilidades se dissolvam no álibi imaginário de que em tempo de eleições as palavras não valem. E como também – infelizmente não só graças aos governistas – os desvios de conduta comprovados na Comissão de Ética se esfumam nas votações do plenário, tem-se a impressão de que vivemos em tempo de indulgências, ainda que sem confissões e sem as bênçãos sacerdotais.

Neste clima morno de permissividade, agora que as oposições se preparam para a troca de guarda (bem-vinda!) e que o PSDB está com seus candidatos prontos para a decolagem, ou bem nos preparamos para fazer a diferença, ou seremos todos engolfados na onda de mesmice que assola o país. Há hora de brigar e hora de construir. Podem até ser simultâneas, mas uma não substitui a outra. E para que a opinião pública não confunda a briga com o esperneio dos que lutam pelo mesmo espaço, precisamos mostrar que queremos criar um outro espaço.

Tenho repetido nesta coluna e onde mais posso que há temas inescapáveis para quem se propõe a ser pólo de poder, como é o caso do PSDB. De tanto dizer, quase penso ser desnecessário relembrar, é preciso criar formas melhores de crescimento. Por certo, fazendo as reformas indispensáveis (e continuando a da Previdência) para que as taxas de juros possam cair. Não nos esqueçamos do controle do gasto público, sem cujo corte não haverá redução da carga fiscal, nem muito menos redução dos juros sem inflação. Recordemos que em época de economia globalizada um país exportador precisa melhorar e muito a infra-estrutura viária e portuária e que sem a parceria público/privado, garantida por agências reguladoras autônomas e competentes, não haverá recursos para tanto.

Do mesmo modo, sem a valorização de uma matriz energética condizente com a preservação do meio ambiente (ao alcance de nossas mãos graças à energia verde que produz o etanol, às reservas de gás e à capacidade da Petrobrás), sem uma política de segurança pública corajosa e inovadora e, sobretudo (para não falar da reforma política), sem que prossigamos a revolução silenciosa que se havia começado na educação, deixaremos de fazer a grande diferença de tudo que aí está e não responderemos às expectativas de quem quer ver-nos renovando o país.

Tomemos a educação, uma vez mais. O governo atual está se perdendo em uma discussão estéril sobre qual o melhor método de alfabetização e que novos materiais didáticos devem ser produzidos (discussão que tem por trás a briga acadêmica entre o método fonético de alfabetização e o construtivista) como se houvesse uma solução única ou se bastasse comprar mais material escolar para melhorar a qualidade do ensino. Despreocupou-se da qualificação do professorado – peça chave em qualquer processo educacional –, deixou de lado a ênfase nas distinções de mérito na remuneração dos professores universitários, acabou com o "provão" e está postergando decisões sobre a difusão dos instrumentos eletrônicos em nosso sistema educacional.

Em alguns campos está mesmo promovendo um retrocesso histórico.

Ora, sem que se integre o uso do computador no cotidiano da vida escolar, sem que se incentive a circulação das informações e a educação interativa nas escolas, estaremos perdendo o momento para darmos o salto necessário da posição de um país atrasado educacionalmente para um país que generalizará não apenas o acesso ao ensino, mas que modificará radicalmente sua escola. Com os computadores, o modo de aprender e de produzir conhecimento passa a ser outro: amplia possibilidades. Mais ainda, o uso generalizado e competente dos computadores integra as crianças em redes mais amplas, reduzindo a exclusão social, e permite, em tese, maior democratização do conhecimento.

Isso não quer dizer que produzir máquinas e distribuí-las nas escolas seja a salvação da lavoura. Não. O importante é o "software", é que tanto o professor como o aluno dominem o modo pelo qual as pessoas interagem eletronicamente aquém e além-fronteiras, é que se apropriam com rapidez das idéias novas e resolvam com mais simplicidade as questões práticas e teóricas com as quais se defrontam. Não há milagres em educação: há boa formação, meios disponíveis e paixão para trabalhar.

Mas, até certo ponto, o meio condiciona os objetivos: o ambiente computacional quebra hierarquias rígidas e dá aos mais capazes mais chances para competir. Dessa forma ajuda a formar uma cultura mais democrática.

Neste momento os centros de decisão do país e os meios de comunicação (a mídia e as empresas de telecomunicação) debatem o modelo de comunicação digital que será adotado. Buscam saber quem produzirá os conteúdos a serem transmitidos, quais as conseqüências das escolhas e como se fará sua transferência de uns para outros meios de comunicação. Por que não transformar também em debate nacional questões como: que tipo de computador distribuiremos nas escolas, quanto custarão, que acesso aos "softwares" haverá (mais livres ou mais comerciais), como se produzirão os conteúdos da nova educação, que treinamento daremos aos professores, como dotar cada criança de um laptop (existe, por exemplo, uma proposta do Laboratório de Mídia do MIT de fabricar computadores a cem dólares), que formação humanística e especializada terão os professores e como os estudantes acederão a ela. Enfim, como dar o grande salto que ainda não demos, preparando nossa juventude para o futuro. Essas não são questões para campanhas eleitorais. Mas são questões que um partido sério, disposto a mudar o Brasil, precisa discutir com seus quadros especializados e com a sociedade para que amanhã, vencidas as eleições, não repitamos a triste experiência do governo atual que apenas muda rótulos e gasta mais no mesmo.

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