Encontrar símbolos da história e da cultura negra em Curitiba não é tarefa difícil – os principais marcos estão no Centro da capital, embaixo do nariz de turistas e transeuntes. O que falta é difundir informação sobre a importância destes locais.
Pensando nisso, o pesquisador Thiago Hoshino, em parceria com outros estudiosos, montou um roteiro sobre a cultura afro na capital e que agora está sendo avaliado pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC) para se tornar, até o fim de 2015, um museu de percurso. “A proposta é sair um pouco da narrativa tradicional do escravo oprimido e também mostrar outras biografias dentro da escravidão. Negros letrados, lutas de escravos etc”, explica Hoshino.
O esforço em dar visibilidade a estes espaços, no entanto, não muda o fato de que a cultura negra é sub-representada na capital paranaense, pondera o presidente da FCC, Marcos Cordiolli. “Curitiba tem um quarto da população de origem africana, o que nunca foi devidamente reconhecido pela cidade.”
Um exemplo é a Praça Zacarias. O chafariz ali instalado foi uma homenagem aos irmãos Antônio e André Rebouças, engenheiros negros e responsáveis pelo primeiro sistema de saneamento de Curitiba –além da ferrovia Curitiba-Paranaguá e da Estrada da Graciosa.
Praça Generoso Marques guarda, sozinha, vários fatos da cultura afro
O prédio original do antigo Paço Municipal (que pegou fogo em 1897) abrigava também a Cadeia Pública, palco da história de muitos escravos. Entre eles Pedro Manoel, chamado professor, que passou 25 anos preso e alfabetizando colegas; quando suas aulas foram proibidas, ele fugiu. O próprio Generoso, que dá nome ao local, defendeu vários escravos em processos penais, conta Hoshino.
O local pode ter abrigado o pelourinho municipal. O monumento de punição de criminosos era também um sinal de jurisdição da vila, e faz sentido que estivesse instalado ao lado da sede do poder. No entanto, não há provas concretas de que fosse lá o local de punição, segundo Hoshino, embora uma placa de 1993 instalada nos fundos do atual Paço da Liberdade afirme isso.
A escultura “Água Pro Morro”, de Erbo Stenzel, também está na praça. Este é um dos poucos monumentos da cidade que representa uma pessoa negra. Diz a lenda que o artista teria se inspirado em uma mulher pela qual se apaixonou, no Rio de Janeiro. Colocada ali por ocasião dos 300 anos da capital, a escultura foi rebatizada de “Maria Lata D’Água”, o que causou a revolta do movimento negro.
Esta mesma fonte foi palco de conflitos entre escravos e brancos, no século 19. Hoshino, que investigou processos jurídicos do período escravagista, conta que há relatos nos jornais da época sobre disputas pela água. “Quem morava ali reclamava muito que escravos e ‘populares’ iam lá buscar água, tomar banho, as lavadeiras também utilizavam a fonte, e eles [moradores da região] pediam intervenção policial.”
Próximo dali fica o Instituto de Educação do Paraná, onde estudou Enedina Marques, primeira engenheira negra formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possivelmente a primeira do país.
Em frente ao marco zero da Al. Princesa Izabel – via que leva o nome da princesa que aboliu a escravidão há exatos 127 anos – está a Sociedade Operária Beneficiente Treze de Maio. Idealizada por Vicente Moreira de Freitas para ajudar ex-escravos, o clube aceitava apenas negros. Hoje trabalha com projetos de valorização desta cultura.
A Igreja da Matriz, na Praça Tiradentes, virou um reduto de trabalhadores negros durante sua reforma, entre 1876 e 1893. Há relatos de que o engenheiro Giovani Lazzarini instituiu um fundo que reservava parte dos salários dos próprios pedreiros para pagar a alforria dos colegas sem liberdade, segundo conta a historiadora Marcia Elisa de Campos Graf em seu livro Imprensa Periódica e Escravidão no Paraná. Indiretamente, a reforma deu força à criação da Treze de Maio. Isto porque os negros ficaram sem espaço, uma vez que a população branca passou a ir à missa da Igreja do Rosário, no São Francisco, onde funcionava a Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito.
Bairros e até as árvores da Praça Tiradentes também são referência para o povo negro
No século 20 dois lugares de Curitiba foram marcados pela trajetória do povo negro: o bairro Rebouças, antiga morada de operários e que foi batizado em homenagem aos proeminentes engenheiros negros; e a Vila Tassi, que ficava na atual Vila Capanema, possivelmente onde hoje está instalado o moinho da fábrica Anaconda.
Foi ali que em 1945 nasceu a Colorado, primeira escola de samba curitibana. Não há um local específico que marque a fundação da agremiação. Não havia uma sede, e os ensaios aconteciam na própria vila, muitas vezes debaixo do Viaduto do Capanema, conta o jornalista Teotônio Souto Maior, que ajudou na pesquisa do livro Colorado: a primeira escola de samba de Curitiba, de João Carlos de Freitas. Um dos berços foi a casa do fundador Ismael Cordeiro, o Maé da Cuíca. A construção continua de pé, e hoje abriga Rosemari Cordeiro de Miranda, a filha do Maé.
Formalmente, a cidade também possui, ao Sul, no bairro Pinheirinho, a Praça Zumbi dos Palmares, feita em homenagem ao líder do maior quilombo da história brasileira e revitalizada em 2010, quando recebeu o Memorial Africano.
Informalmente, as gameleiras da Praça Tiradentes são referência para os adeptos do candomblé. As árvores são sagradas para eles. “Toda vez que o povo de santo faz algum ato, veste as gameleiras, que são chamadas [pelo nome do orixá] Iroko”, conta o pesquisador Thiago Oshino.
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